FMI : O Cabo do Medo
quarta-feira, março 24, 2004
Cada vez que o FMI produz algum documento sobre a economia portuguesa lembro-me da seguinte frase “There is nothing in the dark that isn't there in the light. Except fear” .
A Grande Loja, vai tentar desmistificar o FMI, abrindo os olhos a alguns barnabés deste país.
Muito ficará certamente por dizer, mas talvez começar, por um estudo que o Público lançou este fim de semana e que revela a triste numerologia da pobreza em Portugal, pois estaremos todos de acordo que a pobreza será certamente o pior de todos os males, e que sem pobreza não haverá paz.
Demagogia. Talvez, mas é a realidade com que a Àfrica Sub-Sahariana se debate há decadas. As guerras civis atingem maiores proporções em países onde exista um grande desiquilíbrio e níveis de pobreza.
Facto indesmentível que as tristes realidades do Ruanda, da Somália, da Eritreia, de Angola, do Sudão nos comprovam
A análise da pobreza, implica obviamente um debruçar intenso e complexo sobre o conceito e a sua evolução ao longo dos tempos. As sociedades evoluem, e aquilo que há algumas décadas não era essencial para a satisfação das necessidades básicas e hoje considerado primordial e estritamente indispensável. A sua ausência e/ou má utilização dá origem a uma das piores manifestações sociais dos nossos tempos : A exclusão social.
A pobreza, no seu sentido lato, não é mais do que a inaceitável privação do bem-estar de cada indivíduo, é o reflexo que o conceito de pobreza abrange os mais variados domínios e estratos sociais.
Perceber a Pobreza , é encontrar uma relação de causa-efeito no crescimento económico, pois é de simples raciocínio económico que uma subida do PIBpc (Produto Interno Bruto per capita) leva a uma melhoria do nível geral de vida, no entanto até que ponto poderemos considerar esta dedução como válida ?
Será o PIBpc um indicador eficiente se analisado isoladamente na discussão do problema da pobreza ? Uma subida do PIBpc traduz-se implicitamente numa melhoria das condições de vida de toda a população?
Em países altamente endividados, a uma subida do PIBpc não responderá uma subida da inflação, deteriorando claramente a paridade do poder de compra?
O que as instituições mundiais decidiram foi criar programas específicos de luta contra a pobreza, promovendo o alívio da dívida como factor de desenvolvimento. A Iniciativa HIPC é talvez a mais mediática, mas fica para já de fora desta análise, porque pertence a outro monstro odiado, saido de Bretton Wood, o Banco Mundial.
O mandato do FMI é ajudar os Países membros a corrigir desequilíbrios de curto prazo nas suas economias, em especial no que diz respeito à balança externa corrente (conta corrente) e às reservas de recursos externos.
A economia é considerada em desequilíbrio quando tem uma tendência para mudar de um estado caracterizado por crescimento com estabilidade para outro geralmente caracterizado por, ou com tendências a entrar em crise.
Isto é o caso, por exemplo, de uma economia que enfrenta um défice constante da sua conta corrente e as suas reservas externas diminuem para níveis inferiores a uma certa proporção das importações do País. Neste caso, a economia estará a importar mais do que é sustentável, pelo que há o perigo, ou tendência, de se sustentável, pelo que há o perigo, ou tendência, de se gerar uma crise; de a economia se tornar incapaz de satisfazer os seus compromissos externos; e de não conseguir manter o nível de importações e rendimento (a não ser que consiga rapidamente construir capacidade produtiva competitiva e começar a exportar).
Neste caso, a economia precisa de medidas de ajustamento que a estabilizem de novo.
A ajuda prestada pelo FMI geralmente tem duas componentes - financeira, destinada a apoiar a balança de pagamentos, e assistência técnica, envolvendo a formulação de política económica. O montante de ajuda financeira depende das quotas do País no capital social do FMI. Em função do seu Produto Interno Bruto (PIB), cada País paga uma certa quota ao FMI e tem direito a, num determinado período de tempo, em caso de dificuldades económicas, levantar dos fundos do FMI um montante proporcional às suas quotas para apoiar a sua balança de pagamentos; isto é, cada País tem direitos de saque específicos. A assistência técnica é geralmente oferecida a Países pobres (por exemplo, da África Sub-Sahariana) ou que se encontrem numa situação de crise muito aguda (por exemplo, os Países latino-americanos nos anos 80, e os Países pobres altamente endividados, HIPC, e os Países do Este e Sudeste Asiáticos nos anos 90).
O primeiro erro do FMI, prende-se com o seu modelo. O modelo do FMI assenta em cinco características e pressupostos fundamentais. Primeiro, rendimento, exportações, capacidade produtiva, e fluxos de recursos externos não associados com comércio são exógenos, quer dizer, não são explicados nem afectados pelo modelo e são considerados como dados fixos.
Portanto, as medidas de estabilização não se destinam a afectar estas variáveis directamente, e supostamente não são afectadas por elas. Por isso, a capacidade produtiva, exportações, investimento, poupança, e a competitividade produtiva geral da economia não fazem parte do foco das medidas de ajustamento e estabilização do FMI.
O modelo não estabelece qualquer relação, implícita ou explícita, entre crédito, investimento, capacidade produtiva e exportações, nem sequer considera explicitamente a poupança e o investimento como variáveis, a não ser pelo seu impacto meramente monetário na procura e oferta de dinheiro e no nível geral dos preços. a procura de dinheiro é determinada pelo nível de rendimento, sendo a velocidade de circulação do dinheiro constante.
Em equilíbrio, o aumento da procura de dinheiro não pode exceder a taxa de crescimento do PIB, e a oferta de dinheiro não pode ultrapassar a procura “normal” de dinheiro; se o fizer, o nível geral dos preços sobe (inflação) e as reservas externas deterioram-se. Assim, para travar a inflação e a deterioração das reservas externas, o FMI sugere o controle da procura e da oferta de dinheiro. o nível de importações é definido como uma função do rendimento nacional no período anterior, e da propensão marginal a importar. Em equilíbrio o crescimento das importações não pode exceder a taxa de crescimento do PIB ajustada pela propensão marginal a importar; se o fizer, a economia tenderá a evoluir para uma crise da conta corrente.
Neste caso, para evitar a crise da conta corrente, o FMI sugere a contracção do rendimento e da propensão a importar por via da contracção monetária e do ajustamento da taxa de câmbio. Mais uma vez, o ajustamento sugerido nada tem a fazer com a capacidade produtiva da economia.
O modelo analisa essas variáveis sob o ponto de vista da procura agregada, como se tais variáveis e os seus comportamentos fossem independentes do resto da economia e fossem as únicas variáveis importantes.
Na parte que nos interessa, défice orçamental, o modelo do FMI diz-nos, ou o governo aumenta as suas receitas fiscais, ou diminui as suas despesas. (iluminados certamente)
No entanto, dado o nível de rendimento e o grau de cobertura fiscal, o aumento das receitas fiscais depende da tarifas fiscais. Quanto mais altos forem os impostos, menor será o incentivo do sector privado para investir. Além disso, altas taxas de impostos podem provocar um défice sistemático no sector privado – isto é, uma transferência efectiva de recursos do sector privado para o publico. Neste caso, de acordo com o modelo do FMI, o governo estrangulará o sector privado mesmo sem recorrer ao crédito bancário. Como o modelo do FMI é focado na análise estática de curto prazo, não inclui a possibilidade de um impacto dinâmico positivo da despesa pública no crescimento económico e desenvolvimento do sector privado a médio e longo prazos (crowding-in). Assim, o FMI prefere controlar o défice orçamental por via da redução da despesa pública em vez de pelo aumento da receita pública.
Agora que estamos todos sintonizados com a realidade FMI, podemos entrar no relatório que eles produziram sobre a economia portuguesa.
Em breve na Grande Loja.
Publicado por António Duarte 13:56:00