A cópia do dia...

Do Público de hoje ...

O Desejo de Reconhecimento

Eduardo Prado Coelho

Entrevistados por Maria João Avillez, três jornalistas-escritores. Ou melhor, talvez Pedro Rosa Mendes apareça hoje aos olhos da opinião pública como um escritor que faz reportagens, talvez Henrique Monteiro seja sobretudo um jornalista tentado pela ficção e talvez Miguel Sousa Tavares seja acima de tudo um cronista que escreveu um romance e ficou com um estatuto no fio da navalha.

Contudo, os 120.000 exemplares vendidos são um número de tal modo impressionante que julgo que Miguel Sousa Tavares se tornou verdadeiramente um escritor. E disse duas coisas que demonstram realismo e bom senso. Em primeiro lugar, que ele próprio se não considerava um verdadeiro escritor, o que é meio caminho andado para o ser: qualquer verdadeiro escritor é aquele que ainda o não é. Em segundo lugar, que para escrever é preciso ter lido muito, o que nem sempre acontecia com certas autoras "light".

Mas, sem nunca nomear a pessoa em causa, Miguel Sousa Tavares mostrou-se particularmente magoado com o facto de alguém se dar ao trabalho de vir denunciar os "erros" históricos contidos no livro, não com o intuito de ajudar a corrigi-los (o que Sousa Tavares fez a partir da 6ª edição), mas com o propósito de denegrir a obra e o autor. Tratava-se de um acto tão obviamente de mau perder que a gente espanta-se sempre com o facto de alguém não resistir a praticá-lo.

Mas aqui entra um factor com grande tradição na filosofia e que explica muitos dos comportamentos humanos (e nem sempre os melhores): o desejo de reconhecimento. Permitam-me reproduzir uma pequeníssima crónica de um grande pensador alemão, Hans Blumenberg. Escreve ele: "Quando pode permitir-se, quando deve um autor estar satisfeito com o seu raio de acção, com o grau de saturação da sua difusão, com o volume da sua recepção?

São 50 leitores do seu livro 'uma pequena comunidade'? São 500 compradores uma 'clientela digna de atenção'? São 5000 exemplares distribuídos indício de um 'êxito notável'? Ou são os 50.000 que começam já a ser um 'público'? Então 500.000 em vinte e cinco idiomas é um 'êxito mundial'?

Imagino um dia feliz de megalomania em que me chega um telegrama a casa dizendo que metade da humanidade pediu um dos meus livros e que, cientificamente provado, o leu, ou fez que alguém o lesse em voz alta!

A minha reacção imediata seria: mas digam-me, por favor, que anda a fazer a outra metade?"

O escritor viverá sempre a pensar na outra metade. Não apenas o escritor, mas o cineasta, o compositor, o artista plástico. São a tragi-comédia do desejo de reconhecimento. Porque aquele tem mais linhas no jornal do que eu. Porque aquele foi citado e eu evocado sem que se mencionasse o meu nome. Porque aquele teve uma biografia de 500 caracteres e eu apenas de 450. Porque aquele já foi três vezes à televisão e o meu editor não faz nada por mim. Porque aquele vai no avião em executiva e eu vou apenas em classe turística. Será que os meus adjectivos são menos bons que os dele? Quantas figuras de retórica são precisas para viajar em executiva?

O texto transcrito remete para um outro texto de Vasco Pulido Valente, no caso uma carta ao Público, há semanas atrás, em que desanca sumariamente e de paralelo, no Equadorrebaixando-o para o círculo polar da indiferença.

Supostamente, o motivo para a despromoção a paralelo menor, seria o despeito.

Por mim, que li a carta do Pulido, não vou por esse caminho e, parafraseando, fico sempre espantado com o facto de alguém não resistir a percorrê-lo.

Como não li o “paralelipípedo”, não o comento. Mas comento o processo de intenção sobre o imputado despeito.

Por que razão menor deveria um comentador maior, despeitar-se com o sucesso comercial de um romance? Por não ter conseguido escrever um, mesmo tendo-o tentado?

Lembro-me de o Vasco Pulido ter dito em tempos que era muito difícil escrever romances. Aposto que o valente Pulido gostaria de escrever um a sério, daqueles que moldasse o espírito de quem lê, como é o caso dos romances queirosianos, rothianos ou de outros que marcam uma vida. E como esse ´standard` é realmente elevado, não estando ao alcance de qualquer cronista de sexta-feira, percebe-se muito bem a indiferença, sem qualquer ponta de despeito.

Cronistas há muitos e não é escritor quem quer.

O que espanta, neste caso, é a ligeireza na análise eduardina.

Por mim, gostaria de ler a opinião do Lobo Antunes que escreve soberbas crónicas na Visão, de quinze em quinze dias.

Publicado por josé 12:09:00  

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