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A DEFESA DE CARLOS CRUZ
Por ANTÓNIO SERRA LOPES E RICARDO SÁ FERNANDES*

1. Carlos Cruz está preso ilegalmente.

Quatro vezes ilegalmente.

Primeiro, porque durante quase um ano lhe foi sonegado o inalienável direito a conhecer os factos concretos puníveis que lhe são atribuídos.

Segundo, porque foi preso sem provas dignas desse nome, apenas porque, perante o horror da pedofilia na Casa Pia, era preciso antecipadamente oferecer no altar da opinião pública um culpado famoso e alegadamente rico e poderoso.

Terceiro, porque a sua prisão só se mantém para encobrir o logro deste processo.

Quarto, porque está inocente.

2. Carlos Cruz foi, finalmente, acusado e pode conhecer o processo.

Foi acusado dos infamantes crimes de abuso sexual de crianças e de adolescentes, alegadamente cometidos em 1999 e 2000, em Elvas (aos sábados à tarde) e numa fracção do prédio nº 111 da Av. das Forças Armadas, em Lisboa, onde vivia uma enfermeira reformada.

Porém, Carlos Cruz não cometeu nem podia ter cometido tais crimes. Não foi a Elvas nos anos em causa. Nunca entrou naquele prédio da Av. das Forças Armadas.

3. Carlos Cruz sabe distinguir o processo judiciário do juízo da opinião pública.

Provará a sua inocência no tribunal, respeitando as instituições e observando as regras processuais.

Porém, perante a execução pública - sem paralelo na história portuguesa - de que tem sido objecto, não renuncia - para salvaguarda da sua honra publicamente ultrajada - ao direito de resposta e a um sagrado direito de legítima defesa.

4. A justiça é humana e erra.

Devemos saber viver com essa normalidade.

Mas só por hipocrisia ou cegueira é que se pode observar no processo da Casa Pia o funcionamento normal da justiça.

Perante a gravidade e o carácter grosseiro dos erros, a promiscuidade obscena entre o exercício da acção penal e a comunicação social, o mais confrangedor amadorismo na investigação, a presunção da inocência transformada em presunção de culpa, a diabolização de uma advocacia livre e leal, o privilégio da fonte anónima e da fuga de informação malévola, o silêncio cúmplice das instituições - devemos ficar calados?

5. A regra é que os advogados não devem discutir publicamente os processos pendentes em que intervêm. Entre as excepções, estão as situações - como o presente caso - em que grave e publicamente seja posta em crise a presunção da inocência dos seus patrocinados, em especial quando estejam presos e impedidos, por eles próprios, de se defenderem. Contudo, nunca o deverão fazer através de insidiosas manobras de bastidores, mas assumindo-o, com dignidade e até altivez.

6. Relativamente à casa de Elvas, o processo exibe os documentos comprovativos da utilização de cartões de crédito com a assinatura de Carlos Cruz, da localização geográfica das chamadas feitas a partir do seu telemóvel, das gravações de programas televisivos, da sua presença em eventos públicos, da utilização da Via Verde pelo seu veículo pessoal, das viagens por si efectuadas, para além de outros só marginalmente utilizados, designadamente provenientes da sua contabilidade para fins fiscais.

Não há qualquer contradição, duplicação ou incompatibilidade entre os documentos apresentados, sendo completamente falso tudo o que tem sido dito em sentido contrário.

Em face da prova produzida - sólida, detalhada, documentada, personalizada, autenticada e exaustiva -, ninguém, que conheça o processo, exerça o contraditório e actue sem preconceito, divergirá da conclusão que a experiência comum, as regras probatórias mais elementares e a boa fé impõe: tudo indica que o arguido, não tendo o dom da ubiquidade, não pode ter estado em Elvas nos sábados que se encontram abrangidos pela acusação e durante os quais teriam sido perpetrados os crimes, que, afinal, o não foram.

7. Relativamente ao prédio da Av. das Forças Armadas, a inverosimilhança da acusação é total.

Os crimes teriam sido cometidos em casa de uma enfermeira reformada, que morreu há dias com o opróbrio de ter sido publicamente apresentada como uma praticante de lenocínio.

Ouvida no processo, disse que residia na morada em causa desde 1974, mas que nunca cedera o espaço a ninguém a qualquer título, nunca tendo subalugado um quarto ou convidado alguém a partilhar a casa consigo. Esclareceu ainda que seria impossível alguém ter ocupado a sua residência sem sua autorização ou sem que disso viesse a tomar conhecimento. Não conhecia Carlos Cruz nem qualquer dos outros arguidos.

Depois de a ter constituído arguida, o Ministério Público veio a arquivar o processo quanto a ela, concluindo o seguinte: "Não foi apurado nenhum elemento de prova que permita afirmar que a arguida tinha conhecimento da utilização da sua casa para a prática de crimes contra a autodeterminação sexual de crianças. No caso presente não foi apurado nenhum elemento de prova que permita afirmar com um mínimo de segurança que a arguida conhecia o destino que o arguido Carlos Cruz dava à sua casa.".

Vizinhos e outros frequentadores do prédio garantem nunca nele ter visto Carlos Cruz nem qualquer "fumo" de utilização do prédio para práticas suspeitas.

Tal concurso de circunstâncias - uma pobre e velha senhora, que mal sai de casa e que assegura que nunca a cedeu a ninguém, e um apresentador de televisão famoso, que pretensamente a utiliza, sem conhecimento dela nem de qualquer outro habitante ou frequentador do prédio - é sustentável?

8. Aqui chegados, e verificando que a prova do processo se resume a um conjunto de depoimentos insanavelmente incongruentes, não confirmados por qualquer outra prova circunstancial, uma questão de bom senso elementar há muito já devia ter iluminado a investigação e tê-la feito arrepiar caminho.

Será razoável admitir que Carlos Cruz se relacionou durante anos com as alegadas vítimas e os outros co-arguidos, no quadro de uma estrutura informal em que era assegurada uma rede de prostituição masculina infantil, que se julgava impune, sem que ao menos uma vez ficasse registada uma chamada telefónica, um mail, uma qualquer comunicação entre Carlos Cruz e essas outras pessoas?

E será razoável admitir que o local privilegiado dos encontros fosse em Elvas, onde Carlos Cruz seria imediatamente reconhecido, e ainda que, nos períodos em causa, ele nunca tivesse utilizado, ao menos uma vez, uma Via Verde com esse destino?

E será mesmo razoável admitir tal estrutura informal entre os co-arguidos destes autos sem que dela ficasse qualquer rasto, de qualquer espécie, desde um único contacto telefónico a um qualquer encontro presenciado por alguém consistente, que não as alegadas vítimas?

São perguntas que não têm duas respostas e as respostas - óbvias e não contrariadas por qualquer outra prova circunstancial - há muito que já deviam ter feito as autoridades que presidiram a esta investigação compreender o erro fatal do caminho trilhado, por maior que tenha sido a boa fé inicial de quem se deixou ludibriar pela existência de um polvo que, afinal, com a configuração descrita, pura e simplesmente não existe...

9. Perguntar-se-á: mas porquê? Por que raio de razão estes jovens se lembraram de Carlos Cruz?

O arguido não tem resposta para essa pergunta e seguramente que, em homenagem ao espírito de racionalidade a que faz apelo, não se justificará com base numa qualquer especulação.

A seu tempo, espera-se que essa questão possa ser esclarecida, para bem de todos nós.

10. Por ora, basta a comprovação da inocência de Carlos Cruz. E ainda o protesto pela enormidade desta prisão - ademais intoleravelmente discriminatória - que não pode deixar de revoltar qualquer pessoa de bem.

*Advogados de defesa de Carlos Cruz

Depois de ler tão pujante naco de prosa,  um observador mais desatento pode começar a acreditar que Camarate foi, de facto, um acidente...

Publicado por Carlos 22:34:00  

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