Outros copistas e um original
quarta-feira, fevereiro 04, 2004
Um escritor de catilinárias, num blog de magistrados, manifestou o desejo de conhecer a história da nomeação de Cunha Rodrigues para PGR, em 1984.
Assim, este texto de copista, antes de contribuir para essa petite histoire, aproveita a oportunidade para mencionar o lançamento de um livrito de Marques Vidal, sobre a Crise na Justiça.
O copista já folheou o livrito e a sua apreciação crítica é positiva.
Está bem escrito, aponta os problemas que todos conhecem e as soluções já aventadas por outros. É um livrito inócuo e destinado aos monos das feiras do livro que aí virão. Juntamente com os livritos de Fátima Mata Mouros , António Marinho e os demais escritos a correr, para apanhar a “onda”. Têm todos uma vantagem inegável: apitam alto e bom som que algo está mal e precisa de ser mudado.
E uma das coisas a mudar é a “postura”, a atitude dos magistrados. É natural que os visados não gostem do retrato e reajam. Reaccionariamente, com dantes se dizia. Contudo, parece ao copista que “The Times they are a changin´” na belíssima canção de Bob Dylan, “Then you better start swimmin' Or you'll sink like a stone For the times they are a-changin'”.
Deve dizer-se, em abono da verdade, que os livros do antigo PGR, são outra loiça, ou se se preferir, de outro prelo. Atestam uma craveira intelectual muitos furos acima daqueles escribas de fim de semana que são mais do género dos simples copistas. Porém, são estes apitadores modestos que lançam os alertas enquanto o “príncipe” se deixa envolver, “malgré lui”, em manobras obscuras de jornais que alguns não hesitam em classificar “de sarjeta” e que obscurecem um perfil de uma dignidade rara, em termos puramente intelectuais. É pena que assim aconteça e um copista só pode esperar que tal se esclareça com a presteza exigida.
A revista Pública, em 12 de Janeiro de 1997, publicou um extenso panegírico de 16 páginas, consagrado a “Zé Narciso”, profusamente ilustrado, com fotos que só poderiam ter saído dos álbuns do próprio panegirizado.
A carreira de Cunha Rodrigues, segundo Áurea Sampaio, a autora do escrito hagiográfico,
Era necessário não só proceder à revisão dos códigos, mas também adequar todo o sistema judiciário à separação das magistraturas. Com esse objectivo, o ministro reúne no seu gabinete um conjunto de entidades, entre as quais o procurador geral Arala Chaves, que levava consigo o jovem magistrado Cunha Rodrigues. “Eu não o conhecia, mas as intervenções que fez e as impressões que trocámos depois revelaram uma clareza de pensamento e uma profundidade de conhecimentos que me levaram a pensar : é este o meu grande auxiliar para este processo”, diz Almeida Santos.
Esteve ano e meio no Ministério e trabalhou tecnicamente em todas as leis orgânicas, nos estatutos dos magistrados judiciais e do Ministério Público, Organização Tutelar de Menores, Lei do CEJ... A sua grande vantagem era aquilo que, nos meios jurídicos, é considerado um conhecimento “verdadeiramente enciclopédico” na área do Direito Comparado.
Admite que o assunto é uma das suas “manias” e que isso lhe permite chegar junto dos responsáveis políticos, mostrar as soluções neste ou naquele país e propor caminhos. Mas reage algo violentamente quando apelidado de “arquitecto” do actual sistema judiciário: “Não, o sistema tem sido muito pensado por mim e muito estragado por outros”. Assume a postura de técnico que teve “alguma influência” e assistiu , decepcionado, ao desvirtuar da sua obra. “ As leis, em vez de terem progredido, foram perdendo a sua identidade e a sua raiz.”
Porquê? “Porque não correspondem ao modelo desenhado en 25 de Abril. Foram criadas normas e feitas reformas que não correspondem a esse paradigma”.
O Procurador não gosta nada de se lembrar disso e recrimina-se: “Aí tenho culpa, porque eu próprio podia, a certo momento, fazer a ruptura com o sistema ou então entrar nele para o mudar.”
Não o fez! Recebeu convites para o governo (PSD) e não aceitou.
O copista já delineou um perfil angular e demasiado esquemático do consulado de CR à frente da PGR. Em catilinárias noutros lados, tal perfil foi criticado por dizer pouco (e mal) de CR enquanto PGR e de provir de um “sabujo”, da “escumalha” e de gente que quer detruir o MP! Enfim...
Continuando a cópia ...
Por trás da nomeação de Cunha Rodrigues como Procurador Geral da República esteve um conflito( mais um) entre Mário Soares e Ramalho Eanes, então presidente da República. Estava-se em 1984 e o Governo era de Bloco Central, com PS e PSD coligados. Surge então a polémica sobre se o cargo de Procurador devia ou não estar sujeito a limite de idade.
O Executivo achava que sim, argumentando que toda a administrção pública estava abrangia por esse limite e o facto de isso não acpntecer no caso do PGR conferia ao cargo “uma natureza política que não devia ter”, segundo recorda Rui Machete, entáo ministro da Justiça. Por seu lado, o Presidente entendia justamente o contrário. Isto é, “o cargo não devia estar limitado por nenhuma baía”, coomo relembra o general Eanes. Na altura,”pesava tanto o cargo de PGR que este só devia sair se não houvesse confiança nele”, adianta.
Neste jogo de empurra, e sem qualquer comunicação pévia ao PR, Mário Soares avança publicamente com o nome de Cunha Rodrigues para substituir Arala Chaves, que chegava aos 70 anos. Estava-se no auge da guerra entre S. Bento e Belém e Soares terá fintado o Presidente, que desejava ser ouvido na escolha.
Quem sugeriu o nome de Cunha Rodrigues foi Almeida Santos, que com ele trabalhara, anos antes, na reforma do sistema jurídico. “Mário Soares não o conhecia bem, mas confiou em mim e o dr. Mota Pinto também já tinha dele boa impressão”. Também Rui Machete já fizera as suas “démarches” e, entre vários nomes, chegara à mesma conclusão.
Com “padrinhos” desta monta é natural que o Conselho de Ministros acabasse por aprovar a indigitação de Cunha Rodrigues, que assim derrotava Pinheiro Farinha ( depois nomeado presidente do Tribunal de Contas) e Marques Vidal, então vice-Procurador e considerado o natural sucessor de Arala Chaves.
Quem não via a indigitação com bons olhos era o Sindicato dos Magistrados. É Maximiano Rodrigues que o revela. “ Em 84 eu integrava uma corrente que não apoiava Cunha Rodrigues, tido como figura próxima do PSD, o que se entendia ser negativo para uma magistratura muito formada em 75”. Hoje arrepende-se dessa análise. “Verifiquei que o comportamento dele não tinha nada a ver com essas correntes (PSD), nem com quaisquer outras”.
Embora considerando “não terem sido apresentados contra-argumentos suficientemente convincentes” para contrarias as suas razões, Eanes acabou por nomear o novo Procurador. “ Para não criar perturbações”, justifica. Ou por não ter outro remédio...”
Publicado por josé 23:35:00