O Cerco
sexta-feira, fevereiro 20, 2004
Esta noite fui ao cinema. O facto de as premieres serem agora às quintas tem as suas vantagens - não há enchentes, as salas estão quase vazias, o que quer dizer que se pode assistir pacatamente ao filme e simultaneamente estar informado sobre o que de relevante se passa na Pátria em tempo real i.e. ter o telemóvel ligado.
Assim enquanto assistia ao último exercício de virtuosismo de John Woo, lá fui sendo informado da overdose informativa nas TVs por causa do affair Vale Azevedo, confesso aqui que fiquei um bocado deprimido por o homem só ter estado em "liberdade" breves segundos; esta tarde, e inspirado no último artigo do, ex-futuro Primeiro Ministro, Paulo Rangel no Público (a segunda alma mais modesta que conheço no mundo a seguir a José Mourinho, sendo que este último lá vai ganhando umas coisas), já estava a antever, e sendo garantido que Guterres não avança, o homem como candidato presidencial dos reformistas do regime, trupe encabeçada por Eurico de Figueiredo, Paulo Mendo, Miguel Veiga mais seis milhões de portugueses...
Depois foram mais reclamações por causa do Santana, parece que dou "muita importância" ao homem, "é preciso desdramatizar", "O Barroso é o que há", etc, etc... É claro que o pequeno detalhe de Santana ir fazer o que lhe apetecer nas listas Europeias, impondo, e vetando, quem quiser, de ir ter o Rock in Rio enquanto o governo tem o Euro/2004 onde obviamente Portugal se vai sagrar campeão, e de não ter nada a perder num futuro Congresso ao contrário de todos os outros, são tudo pequenos detalhes que não interessa discutir, porque não é tempo...
Na senda das reclamações, também Marcelo é um incompreendido, infamemente metido no mesmo saco do outro, do Lopes. Lá me recordam pela bilionésima vez que, assim, eu não tenho futuro, porque (!) "não sei (con)viver com as coisas como elas são". Há, mais uma vez, o pequeníssimo detalhe de que eu conheço o Excelentíssimo Professor, estando farto de assistir às suas performances ao vivo, sempre uma memória prodigiosa, aquele sorriso de falsete do desculpem lá qualquer coisinha no passado, e o marcar de milhentos almoços com milhentas pessoas ao mesmo tempo para ficar de bem com a sua própria consciência, é claro, que mais tarde ou mais cedo, e aos crentes, a sua fiel secretária acaba sempre por recordar que ao contrário da lenda o homem só faz mesmo uma coisa de cada vez, e em cada sítio... Nunca vi Marcelo desancar ninguém ao vivo e frontalmente, só chá e bolinhos, falinhas mansas e paninhos quentes acompanhados claro de um ilimitado faqueiro para as inevitáveis traquinices.
Enquanto que Santana me provoca nojo e repulsa, Marcelo inspira-me apenas dó, dons tão grandes e tão desbaratados ...
Mais à frente, fico a saber que o Independente já tinha fechado a edição e que, esta semana, seríamos contemplados com uma overdose de Cavaco.
Antes do filme acabar ainda ouve tempo para apelarem à minha moral católica por ter invocado em vão uma Santa e Doutora da Igreja para ironizar com uma promissora jornalista do Público cujo único defeito é ser "muito nova" e por isso "não saber dizer que não" (às teses peregrinas das fontes entenda-se). Quase que estive para meter a Milú, ex-DN e agora no exílio em Londres, ao barulho, mas não estava com pachorra...
Chegado a casa, ligo o meu IBM T41p à net e lá vou espreitar o Indy. Eu, que nasci antes de 74, senti-me logo 10 anos mais novo, finalmente outra capa com Cavaco! Lá só factos consumados e certezas axiomaticamente definidas à boa maneira daquela casa.
Começando pelo fim, temos um editorial elíptico de Inês Serra Lopes, da qual ficamos a saber que Barroso tem (!) uma estratégia, "a qual passará muito mais pelas próximas eleições legislativas do que pelas presidenciais", já ontem o José António Lima no Online do Expresso dava de barato Barroso no poleiro por mais uns largos tempos, como se dava Guterres até à véspera do dia em que fugiu...
Indo aos pratos fortes temos uma biografia da Nova Esperança, que o "Líder do PSD quer antecipar congresso para o início do Verão, para relançar o Governo. Santana Lopes foi informado e decidiu assumir a sua candidatura presidencial mais cedo", e fundamentalmente o desvendar do hipotético calendário de Cavaco. Conhecendo o curriculum de quem assina os textos, e do que a casa gasta, a fonte mais que certa é o amigo do senhor professor, que em tempos se gabava de ser dono do Indy, e que é muito amigo de um certo advogado muito notado por ter aparecido no lançamento do último pisa-papeis do Lopes.
Se a ideia era, e não o era, fazer um frete a Cavaco, querendo estar bem com Deus e com o Diabo, o que passa é um absoluto atestado de menoridade a Cavaco.
Fontes anónimas, amigos próximos, confidentes, ex-colaboradores, é assim que funciona a intriga clássica mas Cavaco não precisa disso para nada, porque afinal "os portugueses conhecem-no".
No entanto a imagem que passa a quem ler o Indy, é a de um candidato clássico, completamente inserido no sistema, rodeado por cínicos e terroristas profissionais, que jogam ao mesmo nível de Lopes e companhia, e por um bando de "vencidos" da vida (a antiga "Nova" Esperança), os quais sem qualquer ponta de pudor não hesitam em se pôr em bicos de pés como que reclamando troco por favores passados, remontando alguns aos longíncuos tempos do Congresso da Figueira da Foz.
Com a farra desta sexta, depois de ontem Cavaco com uma simples frase ter posto Santana K.O. o Indy forneceu a Santana munições para semanas ...
Cavaco pode, deve, e tem de estar acima desta palhaçada toda, porque com amigos destes não precisa muito de inimigos... (Dele depende única e exclusivamente o evitar que a coisa se transforme numa novela - o que só convém a Santana, e em certa medida a Barroso)
Cavaco é afinal o único político em Portugal que não precisa de fazer compromissos, e no actual estado do País mesmo que precisasse devia recusá-los, até porque em Política, por muito injusto que isso seja, o que parece é...
P.S. 1. Parece que agora é chique desancar e vulgarizar Vasco Pulido Valente. O homem pode não ter razão em tudo o que escreve, e não tem, mas faz sempre pensar. Esta sexta acertou em cheio no porta aviões...
P.S. 2. Ainda no Indy, uma entrevista com Fukyama, o tipo que previu o fim da História, com este a dizer que Bush não tem as eleições garantidas. Eu também espero que não, mas com declarações destas o testa de ferro de Karl Rove pode dormir mais descansado...
P.S. 3. Francisco José Viegas afirma que não conhece nenhuma grande ideia a Santana Lopes. Eu também não, nem grande nem pequena, aliás não conheço nenhuma grande ideia a nenhum membro do Governo que não seja tratar da própria vidinha e assegurar a sobrevivência... já sobre Guterres e a China tem carradas de razão. Na questão fiscal manda a bola ao poste; O problema não é a obrigatoriedade moral de pagar ou não impostos, meu caro FJV, o problema é que as pessoas acham mais confortável contornar a lei, nas questões fiscais como em muitas outras, passando pelo aborto e pela corrupção, do que discutir os temas a sério. Afinal a sociedade civil somos todos nós.
P.S. 4. parafraseando VPV e sobre Santana "É na guerra que ela pensa e não aceita menos". ah, e nessa guerra quem inevitavelmente só tem tudo a perder é Durão...
P.S. 5. Uma certa noção de eugenia social e intelectual nunca foi estranha a uma certa esquerda. As declarações de Ana Gomes sobre o escândalo Casa Pia, o tal que era todo uma cabala, como justificação para o aborto são do mais infeliz que há. E depois há quem se queixe que os debates sobre a matéria não são intelectualmente sérios...
P.S. 6. Vital Moreira tem toda a razão do mundo em pedir a cabeça de Celeste Cardona por causa de "nomeações irresponsáveis". Mas em nome da coerência propomos-lhe um pequeno exercício complementar : Enumerar quantas nomeações desse tipo ocorreram durante o consulado de Guterres por indicação do Tó Zé Seguro...
Publicado por Manuel 03:04:00