A «Tanga» do Direito Constitucional ou (mais prosaicamente), de como Berlusconi se enganou no país.

O farisaísmo em que se volveu a paroxística invocação do direito constitucional no nosso país tem dado que pensar ao Mangadalpaca®.

A pretexto da defesa do bom nome e da honra das pessoas, toda a gente - juristas incluídos - desatou a clamar pelo «amparo» do direito constitucional, como se outro remédio para os ataques àqueles valores não houvesse (esquecem-se, porventura, que existem normas supra-constitucionais, como as Convenções internacionais e certo direito institucional comunitário).

Para falar verdade, o Mangadalpaca desconfia que esta «febre constitucionalista» tenha intuitos mais que inconfessáveis.

Vem isto a propósito dos últimos desenvolvimentos da novela da (afinal ainda) Presidente da Câmara de Felgueiras, dra. Fátima Felgueiras (doravante designada, por comodidade, FF), na qual, incontroversamente, assume protagonismo o sr. Presidente da República, após ter entrado em diálogo franco com o advogado brasileiro de FF.

Não tanto no que respeita ao teor do acórdão do Tribunal Constitucional (que considerou inconstitucional a suspensão de FF como presidente da Câmara, enquanto medida de coacção decretada no processo em que é arguida), o que nem sequer é dado recente, mas no que respeita ao apelo (carta aberta) que a mesma fez ao Presidente da República (de acordo com a notícia do Expresso de 24/01/04).

Isso sim, é digno de reflexão.

Tudo se passa na mesma semana em que o Tribunal Constitucional italiano considerou inconstitucional a lei feita aprovar pela maioria governativa de Itália, no sentido de blindar a responsabilização criminal de titulares de cargos políticos.

O que teve o aplauso de largos sectores da opinião pública e da imprensa democrática italianas e europeias.

Berlusconi poderá, pois, por decisão do TC italiano, vir a estar a braços com a justiça do seu país, por factos cometidos antes de ser governante.

Em Portugal, por factos cometidos no exercício de funções políticas (v.g., presidência da Câmara), os responsáveis não podem ver suspenso o mandato (para que foram eleitos).
 
Mas podem ser presos... (imaginem a dificuldade do Mangadalpaca a explicar isto aos seus filhos). Diz o advogado português de FF que, abstractamente, nada impede a sua cliente de continuar a exercer as suas funções... à distância, com o recurso às novas (novíssimas) tecnologias.

Com assinatura digital, por exemplo, pode despachar à distância, assinar licenças e alvarás e, sobretudo, receber o seu vencimento e tudo (imagina-se que acrescido de despesas de representação, por deslocação para fora do território nacional).

Bravo país. Magnífico (é certo que Abílio Curto e Cerqueira estão às portas da prisão, após convenientes perdões de penas).

Ora, é aqui que o Mangadalpaca se põe a pensar.

As críticas às disfunções do sistema judicial não podem servir só para os compadres.  E quando se aplicam aos ex-amigos incómodos?

Em termos puramente lógicos, acha o Mangadalpaca que FF terá razão. Porque não intercede o Presidente a favor dela, face a tamanho atentado aos direitos fundamentais e garantias processuais penais de FF?

Em que ficamos, sr. Presidente?

O que responde, agora, a FF?

Será que não tem razão no apelo lancinante de autocomiseração que lhe fez?

Será que há, em rigor diferença entre o caso de FF e o processo da Casa Pia? FF nem sequer está, ainda, formalmente acusada. FF goza da mesma presunção de inocência que Paulo Pedroso.

Vá lá, sr. Presidente, descalce essa bota...

Uma conclusão se impõe ao Mangadalpaca. A «justiça constitucional» não é o mesmo que o direito constitucional.

Porque não podem os cidadãos escrutinar as decisões do TC, quando as mesmas sejam iníquas nas suas consequências ...?

Acha o Mangadalpaca que se entrou na última esfera sagrada do sistema, porque não discutir a justiça constitucional como se discute a outra, a comum?

Porque não dizer «o rei vai nu»?

A dessacralização das instituições do poder não pode ter redutos imunes à crítica e ao escrutínio.

Enfim, apetece dizer ao Mangadalpaca:  - Fátima, volta, estás perdoada... Berlusconi é que se enganou no país.

Publicado por josé 20:04:00  

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