os dias que hão-de vir ...
terça-feira, janeiro 20, 2004
É da natureza humana ter medo do desconhecido.
É da natureza de um certo Portugal ter medo do futuro, do progresso, das coisas novas. Vem de trás, de muitos anos de ditadura, salazarismo e conspirações de sótão e salão, esse medo pela novidade.
Num Portugal perfeito, democrático ou não, uma casta de eleitos, falaria sobre o que interessa à plebe, seleccionaria o que deveria ser visto e consumido pelas diferentes classes (A, B, C, ...). Num Portugal perfeito, uma meia dúzia controlaria tudo, desde jornais a televisões... Num Portugal perfeito existiria espaço para meia dúzia de príncipes, mais ou menos traquinas, mas que anualmente lá iam reverenciar o altíssimo num qualquer cruzeiro pelos mares da Grécia, num Portugal perfeito, não ocorreriam escândalos como o da Casa Pia, apenas uns quantos big brothers, num Portugal perfeito não existiriam suspeições nem suspeitas, em suma o Portugal perfeito que pelo vistos o Expresso, a bíblia assumida do regime, almeja e deseja seria afinal o 1984 do Orwell tornado realidade.
O Expresso, clama em editorial que a Internet, e a blogosfera em particular, são uma ameaça à democracia. Falso!, são é uma ameaça ao próprio Expresso e ao ecossistema que ele alimenta e de que se alimenta. O Meu Pipi, não precisou do Expresso, para editar um livro, como outrora Miguel Esteves Cardoso, assim como as coisas não passam a ser mais ou menos verdade por virem escritas no Expresso.
No delírio do editorialista, o Expresso seria o grande censor, o que faria a triagem do bom e do mau, do publicável e do não publicável, do bom e do mau gosto, dos notáveis e dos outros, da casta e da plebe.
Só que, as pessoas fartaram-se e não é por acaso que Portugal é o País com mais blogs per capita, fartaram-se de ser tratadas por parvas, de só contarem quando há eleições, um jogo, onde raramente sabem onde param os dados todos.
O delicioso da net, e da blogosfera, é que é desintermediada, não há censores, nem intermediários, é, ironicamente, o mercado puro e duro - prevalecem os melhores, os mais criativos, os mais fortes, os mais coerentes.
Na net, na blogosfera, as coisas valem pelo que são, não por quem são ditas, ou pela hora a que são ditas ou pelo local onde são publicadas.
É natural que isto cause pânico a muito boa gente, do Expresso ao Independente, dos Partidos às Corporações, afinal o acesso exclusivo à (des)informação acabou.
A net, e a blogosfera, para o melhor, e para o pior, já são uma das principais fontes de informação das pessoas, precisamente porque estas não confiam nos media tradicionais, porque se sentem manipuladas. É o mercado, pela forma de peer review, pelo que passa de boca em boca, que abaliza a credibilidade ou não das prosas.
Isto por muito que custe ao Expresso não é o principio, o meio ou o fim da Democracia, é apenas o verdeiro despertar dela. É também o principio do fim de um monopólio de que o Expresso faz parte, resta-lhes adaptarem-se, que rogarem pragas como um qualquer velho do Restelo já deu o que tinha a dar...
P.S. 1. Anaximandro voltou, e em grande forma.
Não merecemos, de todo, as palavras generosas com que nos agraciou, apenas fizemos aquilo que gostaríamos que nos tivessem feito a nós, em circunstâncias idênticas. Desenganem-se pois aqueles que dizem que a net é, por definição, fria e desumana. Não é.
P.S. 2. Algures na net encontra-se a seguinte pérola
Quem souber fazê-lo pode assim incentivar o debate, quem sabe, provocar reacções no próprio programa, ou então neste espaço em que serão os próprios comentadores do programa da SIC Notícias a escolher o que é publicado e que respostas dão.
Isto não é a quadratura do circulo, é apenas um dos últimos estertores de uma certa forma de ver o mundo, e os outros... Custa ver Pacheco, que nisto foi profeta, num circo assim.
P.S. 3. Cavaco é o candidato natural a Belém. É o único que não precisa de regatear apoios, negociar financiamentos e equilíbrios. É certo que no passado cometeu erros, mas é suposto ter aprendido com eles e foi afinal o que de todos menos erros cometeu. Cavaco que se quiser paga a sua campanha, e as outras todas, só com donativos anónimos, de gente vulgar, via net (veja-se a propósito o exemplo do outsider Dean nos EUA) sabe melhor que ninguém que em política o que parece é. E o que parece é que Cavaco se está a deixar amarrar. Cavaco ainda vai muito a tempo de emendar a mão, mas seria uma pena se o neo-cavaquismo tivesse que vir a ser descavacaínado...
Publicado por Manuel 04:07:00