Devem os juizes controlar o arquivamento dos Inquéritos?
terça-feira, janeiro 20, 2004
O Presidente da República, Jorge Sampaio, no discurso de abertura do ano judicial de 2004, em 19 de Janeiro, pronunciou-se abertamente sobre assuntos candentes da justiça.
Entre algumas orientações do magistrado Supremo da Nação, o copista atentou nesta:
“Por outro lado, e deixo a questão em jeito de desafio, não deverá instituir-se o controle judicial do arquivamento de inquéritos, de tal modo que seja o poder judicial a certificar a legalidade da actuação do Ministério Público, e se dissipem insinuações que, aqui e ali, só enfraquecem a insubstituível posição desta magistratura?"
O copista analisou a magistratura de Cunha Rodrigues à frente da PGR, de 1984 até à sua saída, em Outubro de 2000, através de palavras do próprio, registadas em jornais da época e delineou o perfil do PGR enquanto actor no mundo político judicial português.
Eventualmente, a análise contorna-se em termos demasiado duros e porventura injustos para o magistrado. É um risco que o copista correu, embora seja a expressão do que pensa sobre a actuação do mesmo. Fê-lo porém, sem má-fé, sem intenção maldosa e apenas porque está convencido que a leitura do que se passou, é essa. Pode estar enganado, mas até demonstração do contrário, para o copista é essa a expressão da verdade aparente.
Não foi intenção do copista, atingir a honra e consideração da pessoa do Dr. Cunha Rodrigues. E esta nota impõe-se porque a leitura do escrito pode permitir essa leitura, se esta não for guiada pela contextualização, a análise crítica do consulado do PGR Cunha Rodrigues e a indicação daquilo que para o copista, em concreto, foram os erros do mesmo. Erros graves, no entender do copista e a crítica dura que aí transparece, não é recente, como também não o é a defesa daquilo que o PGR Cunha Rodrigues fez de muito positivo.
Essa análise é mais política do que técnico-jurídica, porque a função do PGR também o é. Como alguém já escreveu por aí, grandeza da figura de Cunha Rodrigues suscita ódios e paixões (como se estas emoçõe não fossem filhas da mesma mãe...). Porém, o copista não odeia ou execra o PGR Cunha Rodrigues. Apenas entende que os factos falam por si e em política o que parece, é, como dizia o outro.
Contudo, sobre o problema concreto agora levantado no discurso do PR, o PGR Cunha Rodrigues sempre teve uma posição de princípio clara e notável. E no entender do copista, correcta.
Na extensa entrevista ao Público, de 9 de Novembro de 1997, os entrevistadores António Arnaldo Mesquita, Ana Sá Lopes, Eduardo Dâmaso (este jornalista, aliás, tem assinado no Público, artigos e editoriais notáveis e que o copista subscreve sem muitas reservas) e Paulo Carriço, perguntaram ao então PGR , fizeram perguntas acerca do Estatuto do MP.
Público- Mas os princípios de auto-governo e auto-inspecção permanecem intocáveis...
PGR Cunha Rodrigues- O procurador-geral da República é escrutinado pelo poder político. Tem uma legitimidade que assenta no Presidente da República, no Governo e indirectamente na AR. Poucos órgãos do Estado têm essa legitimidade. No Conselho Superior, há representantes da Assembleia da República e do Governo. O cidadão pode controlar o MP como assistente, requerendo e acusando. O tribunal controla o MP. Digam-me qual o órgão sujeito a formas tão plurais de controlo?
P- O senhor procurador move-se apenas na leitura puramente formal das instâncias de controlo do MP. A realidade pode ser outra...
R- É a realidade e a prática. Todos os dias acontece que o MP arquiva um processo e o assistente não concorda e requer a instrução. O mesmo se passa com o arguido relativamente à acusação. O MP por regra não tem o poder de levar ninguém a julgamento.
P- Isso não se verifica nos crimes sem vítima...
R- Nos crimes sem vítima são o Estado e a sociedade os lesados e é o Ministério Público que deve representá-los.
P- A cultura do país não é propriamente propícia a esse tipo de atitude...
R- Olhem que é. Por exemplo, a figura do assistente é genuinamente portuguesa e tem uma vitalidade que tem surpreendido muitos observadores de outros países.
P- Não seria melhor um juiz sindicar os despachos de arquivamento?
R- Sindicar porquê? Representa o Estado ou a sociedade? Há alguma exigência de terciaridade no caso? O Minsitério Público não tem estatuto constitucional de magistratura? Deverão os princípios submeter-se a interesses profissionais? Não deveriam os tribunais ocupar-se mais das questões dos direitos e das liberdades? Sabem os senhores que tem causado perplexidade no estrangeiro a frequência ocm que , em Portugal, O Ministério Público recorre no interesse da defesa, por exemplo, sustentando que seja substituida a medida de prisão preventiva aplicada pelo juiz contra o parecer do Ministério Público?
PGR Cunha Rodrigues- O procurador-geral da República é escrutinado pelo poder político. Tem uma legitimidade que assenta no Presidente da República, no Governo e indirectamente na AR. Poucos órgãos do Estado têm essa legitimidade. No Conselho Superior, há representantes da Assembleia da República e do Governo. O cidadão pode controlar o MP como assistente, requerendo e acusando. O tribunal controla o MP. Digam-me qual o órgão sujeito a formas tão plurais de controlo?
P- O senhor procurador move-se apenas na leitura puramente formal das instâncias de controlo do MP. A realidade pode ser outra...
R- É a realidade e a prática. Todos os dias acontece que o MP arquiva um processo e o assistente não concorda e requer a instrução. O mesmo se passa com o arguido relativamente à acusação. O MP por regra não tem o poder de levar ninguém a julgamento.
P- Isso não se verifica nos crimes sem vítima...
R- Nos crimes sem vítima são o Estado e a sociedade os lesados e é o Ministério Público que deve representá-los.
P- A cultura do país não é propriamente propícia a esse tipo de atitude...
R- Olhem que é. Por exemplo, a figura do assistente é genuinamente portuguesa e tem uma vitalidade que tem surpreendido muitos observadores de outros países.
P- Não seria melhor um juiz sindicar os despachos de arquivamento?
R- Sindicar porquê? Representa o Estado ou a sociedade? Há alguma exigência de terciaridade no caso? O Minsitério Público não tem estatuto constitucional de magistratura? Deverão os princípios submeter-se a interesses profissionais? Não deveriam os tribunais ocupar-se mais das questões dos direitos e das liberdades? Sabem os senhores que tem causado perplexidade no estrangeiro a frequência ocm que , em Portugal, O Ministério Público recorre no interesse da defesa, por exemplo, sustentando que seja substituida a medida de prisão preventiva aplicada pelo juiz contra o parecer do Ministério Público?
Ainda sobre a dificuldade da investigação da corrupção, área em que o copista entende ter havido grande défice de actuação e claudicação perante poderes, tendo sido colocada pelos jornalistas a eventual culpa do MP, por não estar tecnicamente apetrechado, o PGR de então dizia ...
PGR - Não falemos de culpas. Falemos antes de entropias que resultam, ainda aqui, de servidões socioculturais e de uma tradição histórica. Não existe qualquer desconfiança em relação à polícia. Mas subsiste um problema de funcionamento do Estado de Direito. A intervenção das magistraturas, particularmente em certos domínios, potenciaria a eficácia das polícias. Mas se querem que aprofunde as causas, não me escuso a esclarecer que as magistraturas continuam a não ter uma formação específica na área da investigação criminal e que, por seu lado, a polícia Judiciária tem uma enraizada cultura de funcionamento distanciado das magistraturas.
E mais adiante...
“Não sou adepto dos modelos que vigoram na generalidade dos paises da Europa: polícias fragmentadas e destacadas junto das magistraturas. Continuo a pensar que o nosso sistema é, nas suas linhas gerais, correcto".
Para terminar esta saga continuada sobre o papel do magistrado Cunha Rodrigues enquanto PGR, é justo reconhecer, sem querer dar uma no cravo e outra na ferradura, que sobre estes assuntos, as ideias do homem forte do MP foram sempre muito claras e, no modesto entender do copista, inteiramente correctas. Não pode o mesmo ser dito, de toda a gente com responsabilidades nesta área...
Nota apócrifa (com a devida autorização do copista) - O actual PGR, Souto Moura, no discurso de ontem, na abertura do ano judicial, disse, entre outras coisas ...
"Que fique claro de uma vez por todas que a preocupação do Ministério Público é encontrar a verdade material regendo-se por critérios de legalidade e objectividade"
Para muitos, este "statement" é o chamado "óbvio ululante". Não obstante, ainda há muita gente para quem isso não só não é óbvio, como continuam a tratar o MP como se fora parte no processo penal, numa acepção civilista e que implica a defesa de um interesse próprio e por isso, a imputar-lhe, enquanto órgão colectivo, intuitos perversos e obscuros de perseguições medievais e inquisitoriais.
Deve dizer-se em abono da verdade que se mostra a toda a gente (em política, o que parece, é...) que a actuação do actual PGR Souto Moura não traz essa pecha maldita e ignominiosa. E esse, é o melhor cartão de visita para um PGR.
Resta saber se o poder político tolera tal "independência"...
Publicado por josé 10:07:00
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