Do Mangadalpaca ...

O Presidente da República, propôs, na Cerimónia de Abertura do Ano Judicial (em 19/01/04), em jeito de desafio – além de outras coisas eventualmente interessantes -  que os despachos de arquivamento do Ministério Público fossem fiscalizados por um juiz, para se certificar a legalidade do mesmos.

E isto, segundo o sr. Pesidente, para evitar insinuações sobre o papel insubstituível desta magistratura. m Nem mais.

Em primeiro lugar, o Mangadalpaca acha, modestamente, que essa é mais uma insinuação, alinhando, afinal, com as tais, que tal solução pretenderia esconjurar.
Depois, o Mangadalpaca pensa que, a partir do momento em que um juiz possa certificar a legalidade do arquivamento, essa magistratura deixará de ser tão insubstituível.

Pois é, sr. Presidente! Não deu pelo paradoxo da proposta! A vossa tese prova demais....

O Mangadalpaca pergunta, sr. Presidente, se acaso essa ideia tem algo a ver com um despacho de arquivamento do MP num processo, relativamente a matéria factual que englobava a existência de uma carta anónima que aludia à sua pessoa (Despacho esse que, em rigor, deveria permanecer em segredo de justiça, mesmo depois de a acusação ser pública) ?

O Mangadalpaca não comete a injustiça de pensar que o sr. Presidente não sabe o que é a instrução. Para isso, aliás, terá assessores. E dos bons, presume-se.
 
Mas... saberá para que serve?



Sabe qual a função sistémica da faculdade de requerer essa fase processual?

Sabe que é justamente para se poder sindicar da correcção do arquivamento por parte do MP?

Sabe que possibilidade de o assistente requerer essa fase processual para esse fim? E que essa fase é dirigida por um juiz?

Lembra-se, por outro lado, que é justamente ao MP que compete defender a legalidade democrática?

Mas, como democrata que julga ser, o Mangadalpaca acha que não há tabus. Tudo é discutível...

Mas, admitamos que a proposta ia avante. E depois?

Se o juiz não certificasse a legalidade do despacho de arquivamento?

Mandava o MP acusar? Mandava o MP fazer mais diligências de prova para tentar acusar alguém? Dava ele a acusação? Mandava fazer o quê?

Ou quer apenas um nihil obstat ou um «concordo» cego, por parte do juiz? (Há que concretizar a proposta, sr. Presidente, há que ser consequente! Não se pode ficar por meias palavras)

Não se assumiu, ainda, que o MP é uma magistratura dotada de autonomia face ao poder executivo, subordinando-se apenas à lei e directivas e instruções determinadas nos termos da lei? Que o MP é composto por magistrados responsáveis (em todos os sentidos semânticos do termo)? Que quando se concebeu o novo Código de Processo Penal, o MP foi pensado como um verdadeiro órgão auxiliar da administração da Justiça penal (por contraposição a um modelo de subalternização, em que o MP era uma magistratura vestibular da magistratura judicial)?

Quem propõe isso é por não ter ouvido (certamente por falta de atenção, nessa altura, a tais matérias) dizer Mireille Delmas Marty, na Assembleia da República, que ela tinha «um sonho, para o processo penal» e que «invejava Portugal, por tê-lo feito já realidade».
 
Estava o Mangadalpaca posto em sossego quanto a esses princípios, presumindo que o mais alto magistrado os tinha por assimilados, e eis senão quando, vem propor isto...

Sr. Presidente, convém conhecer o terreno. Saber os magistrados que temos. As condições de funcionamento dos Tribunais. Saberá que há juizes de instrução, em algumas comarcas do País, que despacham esses processos (de instrução) a um prazo de 8 meses? E muitas vezes adiam as diligências marcadas há 8 meses, por terem diligências urgentes nesse dia?

Lembrar-se-á do que foi a experiências dos (em boa hora) extintos Tribunais de Instrução Criminal ?

Saberá que houve processos de homicídio que prescreveram nesses «Tribunais» (sem que ninguém falasse ou fale disso, mas se apresse a falar de uma ou outra prescrição no MP quando os processos lhe são remetidos quase no fim do prazo prescricional)?

É este o cenário que se pretende recuperar?

Ou quer deixar campo livre às teses do improvável duo Proença de Carvalho/Miguel Sousa Tavares?

O Mangadalpaca também propõe, prosaicamente, em jeito de desafio, ao Sr. Presidente, como mais alto magistrado, que faça uma Presidência aberta (ou opaca, como lhe aprouver) aos Tribunais.
 
Deixe de frequentar o Salão Nobre do STJ só nas cerimónias.

Mangadalpaca©



Entretanto o  artigo de Vital Moreira, no Público de 20.1.2004, merece alguma atenção. Apesar de não mostrar soluções, aponta complicações e ajuda a desconstruir o mito do segredo de justiça.

Citando ...

“Por um lado, parece evidente que o segredo de justiça não tem a mínima eficácia se não obrigar os jornalistas. Por outro lado, o segredo de justiça só pode vincular os jornalistas se isso não implicar uma limitação desmesurada da liberdade de informação.”

Aí está o círculo que se pretende quadrado!

Como esticar-lhe o “pi” e arranjar-lhe os vértices que ainda não tem?

Vital M
oreira não diz a receita completa. Aponta alguns preparados para a mistura, mas não dá o cardápio constitucional ou legal e ficamos com pena que o mestre de direito constitucional e professor de direito, de cátedra feita, não se aventure para além da taprobana da conversa de café (que o mesmo é dizer, de blog ou artigo de jornal) e descubra o caminho para lá do conflito de valores constitucionais que aponta - e mais além.



Teremos, outra vez, que nos fiar nos suspeitos do costume e clamar pelo inevitável Costa Andrade, pelo incontornável Figueiredo Dias ou até pelo inenarrável Germano M. Silva?! Give us a break!

Nessas pistas em busca de vértices para a quadratura do círculo de giz, diz Vital que será necessário proceder a duas operações, redução drástica do âmbito temporal e processual do segredo, encolhendo-o ao mínimo necessário, tipo bikini tropical, a tapar só o essencial; e conceder ao juiz (mas porquê ao juiz?!) poder casuístico e por um lado, discricionário, a la common law, com o temível contempt of court” ou, por outro, um poder vinculado à lei, concretizando as excepções que esta admitir em abstracto. É esta a proposta do constitucionalista emérito! Parca ração, para tão grande ambição!

Desde logo, a referência ao juiz deixa pano para mangas de alpaca e copistas glosarem, continuamos, nas cátedras de direito constitucional, a insistir em checks and balances a esmo e sem pensar duas vezes, com um medo atávico do...  sabe-se lá o quê!

O Ministério Público não é o dominus do Inquérito?

Não é magistratura de pleno direito? O segredo de justiça não se destina acima de tudo a preservar a integridade da investigação e dos investigadores?

Mais do que o interesse subjectivo dos indiciados em não verem o nome nas páginas dos jornais ou propalados nas conversas de café (ou blogs), não deverá sobrelevar o interesse da investigação?



E se não é assim, porque raio de motivos anotou na Constituição, (pág. 791 da 3ª edição revista da Constituição, Coimbra editora, 1993) que o MP até faz parte dos tribunais enquanto órgãos do Estado?!




Publicado por josé 21:06:00  

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