A cópia da noite.

No Público de 24/01/04 lê-se num artigo de Ralf Dahrendorf:

«A administração da lei não é o mesmo que democracia, nem uma coisa garante necessariamente a outra. A administração da lei é a aceitação de que são as leis regulamentadas não por uma autoridade suprema, mas pelos cidadãos, que governam todos – os que estão no poder, os que e estão na oposição e os que estão fora do jogo do poder...

Contudo, é mais difícil usar a administração da lei para minar a própria lei do que usar a votação do povo contra a democracia.

Por conseguinte, o significado de «eleições mais» deve ser democracia mais adminsitração da lei.

Correndo o risco de ofender muitos defensores da persuasão democrática, cheguei à conclusão de que a administração da lei deveria vir em primeiro lugar quando o constitucionalismo é trazido para uma ex-ditadura, secundado pela democracia. Os juízes independentes e incorruptos têm ainda mais influência do que os políticos eleitos por maiorias esmagadoras.

Felizes os países que têm ambas, e que as fomentam e protegem "a administração da lei e a democracia"».


O autor refere-se no artigo à importância da administração da lei (law enforcement, conceito anglo-saxónico difícil de traduzir, mas que corresponde à necessidade de reforçar o cumprimento da lei, em sentido amplo) nos países em fase de instituição de sistemas democráticos. De forma lapidar, expõe-nos as tensões entre a lógica do regime democrático, das tentações totalitárias e a da força da lei.

Noutro passo do artigo, escreve o autor, «...as eleições não são tudo em democracia».

Donde, a legitimação do sistema democrático estar em crise profunda.

A ler e reler, para se aprender. Com recomendação especial aos que se dedicam à causa pública da política, no sentido nobre do termo.

Tal como este pequeno excerto de uma obra maestra e pouco citada pelos nossos mais relevantes penalistas:

Justice, the basic structure of society (...) Justice is the first virtue (...) no matter how efficient and well arranged must be reformed and abolished if they are unjust. Each person possesses an inviolability founded on justice that even the welfare of society as a whole cannot override’ [John Rawls, A theory of Justice] “

O excerto epigrafa um documento de trabalho, de Maio de 2003, preparado por dois ilustres conselheiros do STJ - A. Lourenço Martins e M. Simas Santos – e que é um documento notável, reflectindo um esforço da secção criminal do STJ, em bloco, para ajudar a resolver os probelmas mais candentes da justiça processual penal.

Sobre esse documento importará referir que foi elaborado e enviado à Procuradoria Geral da República, ao Ministério da Justiça e à Assembleia da República. Segundo um dos autores do documento, todas as entidades acusaram a recepção!

Porém, notícias recentes e já referidas por um certo copista, indicam que a Comissão respectiva da A.R. optou por convidar ilustres professores de direito e mais alguns (um deles foi Rui Pereira que é professor de Direito e faz parte do Conselho Superior do Ministério Público e que a acreditar em declarações que prestou ao Público de 3.12.2003, acha que não deve haver juizes com menos de 35 anos... a aplicar penas!!!). Segundo se diz, a Comissão nem se dignou dar qualquer satisfação aos ilustres e laboriosos conselheiros. Assim vai a política criminal geral, em Portugal!

Ouvem-se mais depressa os teóricos do que os práticos e relegam-se estes para o olvido dos gabinetes carunchosos. Está tudo dito, se assim for e vamos ter mais do mesmo, nos anos que virão. O que não é inédito, pois os nossos governantes costumam aplicar à letra o velho e revelho ditado português, o que vem de trás, toca-se para a frente! Ora bem...

Publicado por josé 22:01:00  

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