Ainda os segredos de polichinelo ...

Notícias recentes, dão conta da preocupação de certos meios políticos, acerca do segredo de justiça em processo penal.

O segredo de justiça significa a proibição legal de conhecimento público do conteúdo de actos e diligências processuais.

Tais preocupações não são de agora, mas é evidente o interesse súbito e urgente que suscitam neste momento os escândalos do caso da Casa Pia e o envolvimento de pessoas com imagem pública a preservar.

Sobre o segredo de justiça, as opiniões dividem-se, desde o tudo em segredo ao tudo em aberto, há um leque de possibilidades que nem sequer é muito alargado.

A medida exacta do segredo contende, a meu ver, com a necessidade de preservar a investigação que deva ser feita, por quem de direito.

Apesar de também se equacionar o interesse e o direito ao bom nome de quem se vê sujeito a investigação criminal, aquela vertente parece-me que deve sobrelevar a este interesse mais subjectivo.

Por uma simples razão, quem foi indiciado e preso, neste caso e noutros, já se conhece e por isso não há segredo nenhum que consiga preservar essa identidade secreta, na sociedade mediática em que estamos.

Não é possível esconder da opinião pública que determinada figura pública foi indiciada por este ou aquele crime e muito menos se houver prisões ou ameaça delas.

Aliás, presumindo-se inocente quem quer que seja, até que transite em julgado uma sentença e acontecendo isso só depois de um julgamento e seus recursos, como compatibilizar tal segredo com o princípio de que as audiências de julgamento são públicas e por isso abertas?!

Em boa lógica, e a aceitar a soberania total desse princípio, deveria manter-se o segredo até ao fim... o que é absurdo!

No caso concreto, o segredo aproveita a quem?!

A quem não queira que se saiba o que foi feito e o que se está a fazer. E aproveita aos magistrados e investigadores que dessa forma não serão pressionados pela opinião pública evitando-se também a manipulação.

Existe, por isso, um interesse em preservar o dever de objectividade e liberdade de actuação de quem investiga.

O segredo, neste caso, protege a investigação?! Talvez sim, se ela for bem feita e se depender desse segredo a obtenção de provas, dentro da legalidade.

Mas pode ser um pau de dois bicos, basta pensar naquilo que poderia ser trazido ao processo e as provas (contra e a favor dos indiciados) que se poderiam recolher, por quem estivesse interessado em esclarecer a verdade!

Nesta perspectiva a ausência de segredo seria um plus, seria mais fácil conseguir alcançar a verdade material e ficaria mais longe a possibilidade de se conseguir apenas uma verdade formal, constituida pelos elementos legalmente recolhidos. E permitiria que determinado indiciado se defendesse e pudesse contrariar indícios existentes de forma mais consequente e mais célere.



Este interesse do indiciado ficará prejudicado, se houver segredo?! Nem por isso, se lhe forem revelados, mesmo em segredo, os factos que lhe são imputados.

A quem aproveita a má investigação?! Só aos culpados, se os houver. E eventualmente aos advogados que cobram honorários...

O processo penal destina-se essencialmente a punir culpados, mas só os culpados e para isso é essencial a reconstituição de um facto ou acontecimento. Daí os meios à disposição dos investigadores e as regras para a obtenção das provas.

O segredo, legalmente instituído, para obtenção dessas provas, justificar-se-á por uma ou duas razões:

  1. Permitir que se façam as investigações, sem perturbação da opinião pública, através de inevitáveis pressões sobre os investigadores que no caso da Casa Pia foram e são evidentes.
  2. Permitir que os indiciados possam gozar de alguma, ainda que pequena, protecção da intimidade e vida privada.
Assim, perante estes interesses em causa, que fazer?!

Reforçar a exigência de segredo e aumentar a penalização para a sua violação?!

Humm! Só por causa do relevo dado a uma carta em que é visado o PR ou por causa da divulgação de escutas telefónicas em que se viram envolvidas diversas figuras públicas de relevo na vida política?!

Se assim for, e não se descortina para já outro motivo relevante, perante as razões expostas, estará a dar-se relevo à dimensão subjectiva, de defesa da honra e da reserva de intimidade de pesssoas visadas nas investigações.

Não é certamente para proteger essas investigações que tal alteração se fará...

Atentos os fundamentos para a consagração do segredo, parece suspeito que se dê tal importância à protecção da intimidade, tendo em atenção que o único problema visível e em causa contende com políticos que de maneira alguma querem ver na praça pública o que em privado congeminam.

E sabendo que o processo não fica eternamente em segredo, não se vê como se hão-de proteger essas coisas.

Talvez só mesmo fazendo apelo à lei do segredo de Estado...


Sobre o segredo de justiça, um outro blog já se pronunciou sucintamente e com muita acuidade!

Publicado por josé 14:35:00  

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