"Portugal visto do cabeleireiro" ...

Miguel Carvalho hoje na Visão Online traça um retrato desencantado, quase apocalíptico, do nosso País, à beira-mar plantado.

Escreve o Miguel:


O professor Marcelo Rebelo de Sousa é a pessoa mais respeitada e ouvida no País. Eu sei. Disse-me uma cabeleireira. Fala por ela e pelas clientes. À segunda-feira, entre uma tesourada e uma permanente, lá vem a pergunta sacramental: «Ouviu o Marcelo, ontem?». Por mim, não preciso de mais sondagens. Esta chega muito bem. Se o Marcelo já chegou aos cabeleireiros, Durão Barroso que se cuide porque os comentários de domingo do professor podem bem tornar-se a tosquia deste Governo.

Explico: quem me corta o cabelo é a Cristina, cabeleireira da Baixa do Porto. Fartei-me dos barbeiros porque as conversas tinham futebol a mais e bom senso a menos. E poucas revistas cor-de-rosa para ler enquanto se espera. No cabelereiro da Cristina estou em boas mãos. E não é só por me tratar o cabelo por tu. Ali, tenho toda a variedade de revistas da moda à disposição e uma fornada sempre quentinha de comentários e fofoquices a propósito dos mais diversos temas. Da pedofilia à gravidez da Barbára Guimarães, passando pelos mais nobres assuntos de Estado.

Pelo cabeleireiro da Cristina passa o Porto chique, o Porto remediado e o Porto maltraplilho. A senhora da Foz com vivenda e piscina, a sopeira do empregado bancário e a empregada de limpeza dos dormitórios dos arredores da cidade. É um cabeleireiro interclassista e termómetro muito fiável da temperatura do País. Quando a Cristina me diz que Portugal anda angustiado, eu acredito. Ela sabe do que fala. Passam-lhe pelo cabeleireiro dezenas de mulheres por dia, seis dias por semana. E para todas a Cristina tem uma palavra, uma meiguice, um tempinho. Elas aproveitam e falam também dos maridos, dos namorados, dos amantes, dos filhos. E eu, à espreita e caladinho, fico também com uma boa sondagem sobre o que pensa o macho português e o que pensam as mulheres deles que eles andam a fazer quando não estão com elas.

Há dias, a Cristina disse-me que o País está muito mal. E eu, uma vez mais, acreditei. Ela diz que as pessoas estão fartas do folhetim da pedofilia porque começam a perceber que o processo vai acabar bem para os poderosos. Também estão fartas do Big Brother, mas com «zapping» a mais ou a menos, não têm alternativa a não ser convidar todos os dias a televisão para jantar.

De resto, ela ouve cada vez mais queixas sobre o comportamento das televisões, acusadas de serem cada vez mais a voz do Governo e só darem notícias para entreter ou chocar. Uma ementa de incêndios, assaltos e pedofilia é servida todas as noites «e não se fala do que é mais importante». Se é verdade que as pessoas se viram para as telenovelas da vida real e as outras, isso tem uma explicação: diz ela que o supérfluo é um escape. Por isso lhe entram pela porta, todos os dias, histórias de famílias endividadas.



No cabeleireiro, a Cristina ouve cada vez mais relatos de um País a necessitar de consulta psiquiátrica. Diz ela que as pessoas andam deprimidas e oprimidas. Sobretudo no local de trabalho. Ainda há dias, conta, o marido foi chamado à administração da empresa onde trabalha para explicar o que queria dizer quando respondeu «faz-se o que se pode» em relação ao andamento de um serviço. E está na iminência de ir «descansar» para casa com um processo disciplinar.

A Cristina diz que a precaridade do emprego, a tirania dos chefes e o salve-se quem puder praticado pelo coleguismo no local de trabalho têm mantido as pessoas atadas, anestesiadas e viciadas em anti-depressivos. É só por isso que ela acha que esta revolta interior nunca fará saltar a panela de pressão. Quando muito, as pessoas «fugirão do País» como já fizeram «muitos bons chefes de família»: emigram seis meses e regressam mais aliviados. Da cabeça e do bolso.

A Cristina, que não tem partido, vai percebendo que o povo está mortinho por deitar este Governo pela borda fora, mas poucos parecem tentados a votar num PS em tão mau estado. É por isso, talvez, que a Cristina ouve cada vez mais as clientes dizerem que faz falta um Salazar «que ponha isto na ordem por muitos anos». Tão depressa diz isto como se arrepia. Desabafa então, quase resignada: «E andaram uns tipos a fazer uma revolução para isto».

Nós, que somos nesta matéria insuspeitos, vamos dar ao Miguel Carvalho alguns motivos de alegria e optimismo:

A revolução pode não ter servido para muita coisa, mas pelo menos sempre vai permitindo que muitos como o Miguel se vão expressando livremente e sem grandes censuras (e depois temos sempre a blogosfera).

Naquilo que MC vê secura e amargura, nós vemos o emergir de uma consciência cívica, ausente por demasiado tempo, que mais tarde ou mais cedo vai acabar por contaminar, no bom sentido, os aparelhos partidários na prática destruindo-os. Não sabemos quanto tempo vai faltar para existirem em Portugal caucus partidários à americana mas que são inevitáveis são.

É um facto que há motivos para preocupações como o populismo maniqueista e requintado do pretensamente elitista Marcelo aos domingos (apesar de tudo causador de danos limitados. Marcelo já provou ser bom a deitar terceiros ao chão mas tambem já provou que não consegue manter-se firme e hirto por muito tempo), Os delírios periódicos do Lopes de Lisboa ou o discurso terceiro-mundista do Monteiro, marioneta do Adriano M.

Mas por muito que se preocupem, e contorçam com o clamor pelo fantasma de Salazar, que está bem morto e enterrado, Portugal tem boas e sólidas referências para o Presente e para o Futuro !

Dois nomes apenas : Anibal Cavaco Silva e António Borges ...

Publicado por Manuel 22:04:00  

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