A Esquerda, camarada.

(este texto demora cerca de três minutos a ler)

Na discussão sobre a Esquerda e a Direita, há um ponto de ordem que se torna mister seguir de início: a definição de uma ideia de Esquerda ou até uma de Direita.

Partir para a discussão, como se essas ideias fossem dados adquiridos, releva mais da imaginação criadora dos arguentes do que de uma verdadeira epistemologia do conhecimento ideológico.

Assim, como definimos hoje, a ideia de Esquerda? Que referências se podem buscar, para lhe traçar o contorno preciso e reconhecível pela generalidade dos observadores, na sua matriz original?

Há um lugar e uma referência básicas e imediatamente consensuais: o partido comunista português, o PCP, porque fiel depositário de todas as ideias de Esquerda, conforme as mesmas foram alinhadas ao longo de décadas e seguidas pelos seus defensores de ontem, hoje e possivelmente amanhã.

Hoje, o PCP, publica bimestralmente a revista O Militante, cujo teor é um roteiro seguro do pensamento ideológico dos comunistas, neste século XXI.

No número de Maio-Junho, agora saído, o Militante, do PCP, consagra um suplemento da revista, a...Marx, por ocasião dos 160 anos do Manifesto Comunista.

Nele se podem ler os fundamentos do marxismo, do leninismo e das bases do comunismo como o PCP o concebe, desde sempre e sem alterar uma vírgula ao discurso identitário que o define como o único partido de Esquerda, coerente e assente em ideias típicas da Esquerda, tal como a mesma se concebe, na matriz original e sem qualquer desvio social-democrata, para o chamado socialismo democrático.

O que espanta na leitura d´O Militante, é a colaboração de filósofos como Pedro Santos Maia ou José Barata-Moura que escreve sobre “A Actualidade do manifesto”, para concluir que “O Manifesto não perdeu actualidade , nem poder de actuação, porque fala de um modo estruturante de produzir e de reproduzir o viver económico e social que, transformadamente, persiste na sua matriz e lógica fundamentais- e para cujas contradições e assimetrias, crises e misérias importa preparar , e lutar por estabelecer, uma base de sustentação nova, nas condições e à altura das exigências do tempo, que, removendo e superando a existente, recoloque a humanidade em caminhos de desenvolvimento qualificante.” Ufa!

Domingos Abrantes a páginas tantas, escreve também sobre o Manifesto e o PCP e cita um prefácio de Engels à edição alemã do Manifesto, onde se esplanam as ideias fundamentais da Esquerda, sobre a sociedade e o Estado.

É nestas passagens que se nota a cristalização do PCP, nas ideias dos idos do século passado, sem uma ruga ideológica; sem uma prega do tempo que passou e com o lustro da luta anti-fascista sempre presente e associada ao capitalismo e à sempiterna luta de classes que no fim de contas sempre explicou o destino do Homem e do Mundo.

A História da Humanidade, para o PCP, continua a ser a história da luta de classes.

É essa a Esquerda que compreendo, respeito e combato ideologicamente, sempre que me ocorre. Como agora.

Depois de fixada esta noção taxionómica, outras distinções que se proponham cindir a Esquerda da Direita, com base em argumentos de relevo ao “social”, à “igualdade”, aos direitos sociais dos trabalhadores e ainda ao papel do Estado, na preservação dos direitos dos trabalhadores, sem os distinguir das empresas privadas e na defesa das empresas públicas, cada vez mais geridas segundo critérios da economia de mercado, é pura e simplesmente aldrabar os conceitos e introduzir na ideia de Esquerda o que nela não cabe, porque não precisa de caber. A Esquerda desmaiada do sangue vital do marxismo-leninismo fica uma ideia morta de sentido real e coerente. Mesmo assim, os desiludidos do catecismo velho e revelho, agarram-se aos despojos do muro , como a um soro identitário , fazendo desse ersatz, o seguro da sua vida política, perante os trabalhadores que ainda vêem, na velha perspectiva marxista-leninista.

A Esquerda, é o Socialismo e não é o democrático, mas apenas o que Marx, Engels e Lenine, defenderam como caminho para a Humanidade global.

A discussão de Vital Moreira e Cardoso Rosas neste contexto ( e que parece ter estiolado) é uma desconversa, um logro, um embuste, ao lermos a defesa da ideia de Esquerda por quem defende ( Vital Moreira) uma prática que não pertence à Esquerda nem pode pertencer, de acordo com a dicotomia clássica da luta de classes, entendida como aferidor máximo dessa definição.

Aqui fica a prova de que o PCP não alterou uma vírgula ao seu discurso do século passado, baseado em ideias fixas, sobre o marxismo-leninismo. E se as apresentar ao público em geral, como deveria apresentar, na Assembleia da República, e como fazia Vital Moreira, nas bancadas de 1976, ficaria com o panorama claro e visível para toda a gente: um dos últimos partidos marxistas-leninistas em todo o mundo, incluindo os países em que tal modelo foi amplamente experimentado ao longo de longas décadas, mais longas que o período obscurantista do fascismo que tanto vituperam para se credibilizar por um contraste, inexistente, no que às mais amplas liberdades se refere.

( Basta fazer toc na imagem para aumentar e ler. O texto demora cerca de três minutos a ler. Os textos da revista um pouco mais, mas valem a pena ler.)
























Publicado por josé 19:43:00  

6 Comments:

  1. Pedro said...
    Os textos não são tão fáceis de rebater assim. De qualquer dos modos, achei curioso que o Mestre diga que é de duvidar de tudo, e os apóstolos da foice espalhem as certezas da Revolução. Muito engraçado.
    josé said...
    A realidade nua e crua dos países onde a receita foi aplicada, rebatem os textos com toda a facilidade dos exemplos retumbantes.
    Contra factos, não costumam sobrar grandes argumentos. O problema é que os comunistas portugueses, costumam negar os factos, para acomodar os argumentos e nem a evidência dos mesmos, os faz recuar no grande desígnio de fazer vingar ideias erradas e comprovadamente catastróficas, para a própria noção de igualdade que ousam promover.
    zazie said...
    Estes problemas semânticos são uma grande farsa.

    É perfeitamente verdade o que o José diz, que o discurso de Esquerda é uma aldrabice.

    Mas, também começa a ser verdade é que é a partir dessa aldrabice que se querem legitimar outros "discursos" ditos liberais, que pura e simplesmente usam o espelho em negativo.

    E com isso diabolizam questões tão simples e realistas como a necessária protecção social dos mais pobres ou a necessária tributação de impostos.

    Já li por aí coisas mais loucas. Como o "arrebatamento" que o modelo chinês provoca, onde os gastos com saúde e educação são praticamente nulos.
    E isto para depois dizerem que toda a Europa é socialista.

    Está tudo louco. As ideologias são uma praga. Ainda não largaram uma já estão a agarrar os restos para traficar mais do mesmo.

    E os Vitais traficam votos à custa da aldrabice.

    Mas também traficam coisas piores- o jacobinismo. E esse sim, é marca de que não abrem mão.
    Pedro said...
    A Zazie tem razão em dizer que as ideologias são uma praga. Também está certo que o Comunismo não resultou e que a comunada é mestre na falsidade. O que me parece, e era isso que eu queria dizer, é que a ideologia que se opõe ao Comunismo é tão falsa como este. Aliás, na semântica e no fanatismo, são gêmeos no tom inflamado e salvífico. Se é certo que a canalha do Avante é completamente passada da cabeça, não sei até que ponto o mesmo não se aplicará a alguns liberais, capitalistas, qualquer coisa que lhes queiram chamar. Quanto ao Vital, espero impacientemente a sua tomada de posição acerca da evocação do Demónio feita pelo ministro Pinho, numa total falta de respeito pela laicidade e insenção religiosa que se exige, vigorosamente, ao Estado português. E rezo para que nenhum representante da Igreja Católica se disponibilize a prestar auxílio ao Pinho, senão lá teremos de gramar com os discursos de igualdade de tratamento da Câncio e do Oliveira, pois o Diabo não figura apenas na Teologia Cristã. Com um Vital, por trás, a sussurrar, Um pouco mais de rigor, sff.

    Boa noite
    Vasco said...
    http://pt.mondediplo.com/spip.php?article184

    Infelizmente, nem tudo o que parece é. Nós, ser humano, temos a tendência para encarar o nosso período de vida como absoluto, esquecendo que este não existe e que nada se constroi num dia nem nada cai num dia. Nem Feudalismo nem Capitalismo, só para citar os mais recentes. Nenhum vingou à primeira tentativa. E todos têm esqueletos no armário. E que são cada vez mais à media que o fim de do modelo se aproxima, e que muitos de nós jamais veremos. Mas mesmo assim recusamos-nos a pensar alternativas achando que o fim do mundo, da História, é o nosso período de vida. E é, o mundo para nós acaba quando nós morremos... Mas continua para as gerações que ficam, futuras. Marx, Engels e muitos outros construiram uma obra a partir da qual se podem encontrar alternativas duradouras. Muito poucos o fizeram tão bem nos últimos 200 anos. Apesar de tudo... E apesar das nossas merecidas críticas, sem eles e sem o seu trabalho de reconhecida importância e envergadura (ao contrário de muitos dos seus detractores que nada têm para apresentar mas que se apelidam de intelectuais...) hoje não teríamos, muito provavelmente, férias pagas, segurança social universal, tantas conquistas por eles influenciadas... haja espírito crítico. Mas acima de tudo temos que nos saber posicionar com consciência e conhecimento relativamente aos tempos em que vivemos, aos que se viveram e aos que faltam viver. Que herança queremos nós deixar aos nossos filhos?
    Tal como não achamos a Física (ciência) maligana só porque nos deu a bomba atómica e muitos outros "males", também Marx e Engels não são satãs porque houve "Estalines". Eles já nem sequer cá estavam aquando desses monstros nem foi esse o propósito a que dedicaram as suas vidas e o seu trabalho... no limite tudo se resume aos Homens e à meneira como usam os instrumentos à sua disposição. E não me parece que instrumentos de interpretação/explicação do sistema predatório vigente sejam más... Mas tenho a certeza de que "Sócrates e companhia", nacionais e estrangeiros, o são.
    Vasco said...
    Apesar de tudo o que se possa dizer vale a pena ler e conhecer

    http://www.monthlyreview.org/080526foster.php

    vale bem a pena o esforço.

    Provavelmente fruto das profundas contradições e desigualdades que sempre dominaram a sua existência, alguns dos melhores pensadores vêm do outro lado do Atlântico. A Monthly Review, sendo mais influente fora do que nos EUA, é um dos seus melhores produtos de exportação.

    Fica a referência para quem não conhece nem nuca ouviu falar.
    Não é propaganda. Apenas mais uma ferramenta para nos ajudar a entender e pensar melhor o triste mundo em que viemos.

    Bem haja.

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