As regras do jogo

Há notoriamente um problema de comunicação entre os jornalistas e os profissionais de outras áreas, mais específicas, da actividade humana. Os jornalistas lidam com as notícias veiculadas por agências, ou as recolhidas directamente pelos mesmos. São mensageiros.

Os jornalistas dão a conhecer realidades diversas de outros tantos campos de actividade e conhecimento. Os jornalistas são repórteres de casos vividos; de ideias documentadas e de acontecimentos que modificam vidas, costumes e atitudes políticas.

O jornalismo, nessa actividade, é fascinante para quem depara todos os dias, com a vida que vai correndo, ao ritmo acelerado da necessidade de dar a conhecer aos outros, factos e realidades, para assim levar a vida.

No que se refere a determinadas actividades específicas da vivência em comunidade há, da parte desses profissionais da notícia e do relato de acontecimentos, uma atitude , muito bem espelhada num comentário de um leitor- henrique- ao postal sobre jornalismo e justiça, sobre esse assunto específico. Diz assim o comentador,sobre o comentarista que escreveu o postal:

Segundo o 'comentarista' José, até a mais óbvia constatação sobre matéria de Direito está reservada ao pedestal da classe. Logo, só ao alcance da opinião pública quando os iluminados descerem aos jornais para dar brilhante, isento e rigoroso parecer. Recordo-lhe que o sensacionalista em causa, não sendo doutorado em Direito e consequentemente na sua humilde ignorância, se limitou a fazer uso do pouco que sabe: ler e escrever.

Sendo uma evidência que um henrique, mesmo sem pretender ser sensacionalista, pode muito bem sê-lo, malgré lui, ao usar e escolher palavras e conceitos que apanha en vol d´oiseau, pela leitura de um documento técnico que pretende explicar uma realidade, será interessante reflectir brevemente nesse fenómeno.

Um jornalista que pretenda relatar um acontecimento sobre futebol, mormente um jogo, bastar-lhe-á observar o jogo em si, sem lhe conhecer as as regras mínimas?

Seria razoável esperar um bom relato de um jogo de futebol americano, feito por um jornalista europeu que nunca viu um melão a saltar num campo marcado por linhas e traços semelhantes, mas completamente diferenciados dos do futebol?

Passando da comparação futeboleira e lúdica, para os assuntos da Justiça que lidam com realidades comezinhas, da vida do cidadão mais comum, será de esperar um bom relato jornalístico de uma decisão judicial, que se seguiu a um processo de Inquérito, formal, com regas processuais específicas e muitas vezes difíceis de entender e interpretar para os próprios profissionais da área, sem que o jornalista perceba minimamente como se enunciam essas regras?

Será suficiente, a um jornalista que não pretenda sensações estrepidantes de primeira página, conhecer os factos naturais, adaptando o juizo comum que deles fará, às decisões judiciais que tomam esses factos como factos jurídicos e lhes emprestam um valor próprio?

Ao escrever sobre assuntos judiciários que lidam com aspectos da vida corrente, como sejam um acidente de viação, um homicídio, assalto ou corrupção,fenómenos que toda a gente entende na sua singela ocorrência naturalística, bastará ao jornalista essa simples gnosiologia, esse entendimento corrente de que qualquer pessoa média é capaz, para julgar, aplicando a lei vigente , com a propriedade exigível aos tribunais e agentes judiciários?

É esse o problema que a resposta do comentador coloca. O jornalista corrente, tal como o comentador henrique, acha-se capaz de aquilatar o acontecimento , muitas vezes sem os factos integrais, e ainda julgar os julgadores, desconhecendo ao mesmo tempo os critérios que conduzem esses mesmos julgadores, às decisões concretas.

Esta atitude jornalística, espalhada e corrente, significa o mesmo, retomando o exemplo anterior, que um relato de futebol americano efectuado por um relatador de futebol europeu.

Há duas equipas; há disputa de uma bola; há correrias e faltas; há golos ou marcações de pontos; há regras comuns. Há observadores que entendem um e outro e todos entendem o essencial: quem ganha ou perde. E no entanto, os relatos são necessariamente diferenciados.

Para um bom relato, é necessário conhecer as regas básicas e algumas específicas.

Do mesmo modo, um jornalista pode comentar um acórdão, como o apresentado sobre um acidente de viação, com referências factuais que todos entendem, excepto as que são específicas da profissão de jurista e que existem para servir a verdade material, em primeiro lugar, mas por vezes não servem . Algumas dessas regras necessitam de descodificação por profissionais. E isso acontece na Justiça como noutras áreas.

Como essa verdade pode ser cognoscível pelo apresentação e relato naturalístico dos factos, o jornalista cria a ilusão de que domina os factores de argumento e passa a conhecer toda a realidade aparente, ao ler um acórdão em que a mesma, por vezes, está oculta em jogos de argumentação juridicamente específica.

Esta realidade, em muitas ocasiões, não dispensa intérprete. É por isso que reafirmo que nos jornais, os assuntos judiciários deveriam ser acompanhados por especialistas que entendam bem as regras, algumas delas difíceis, que se aplicam nos processos, aos casos aparentemente simples.

Enquanto tal não suceder, continuaremos a ler cachas altas em que se proclama sem qualquer rebuço deontológico que “Birra na justiça deixa morte sem castigo”.

A primeira vítima desta guerra de cachas para vender papel, tal como na guerra a sério, costuma ser a...verdade. Neste caso, é mais do que isso: é a presunção de inocência, em prol daquilo que alguns apelidam, impropriamente, de... "justicialismo".

Publicado por josé 23:26:00  

3 Comments:

  1. Laoconte said...
    No fundo, ainda acredita na imparcialidade da Imprensa.
    Unknown said...
    CÓDIGO DEONTOLÓGICO DOS JORNALISTAS



    "1.O jornalista deve relatar os factos com rigor e exactidão e interpretá-los com honestidade. Os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso. A distinção entre notícia e opinião deve ficar bem clara aos olhos do público.

    2.O jornalista deve combater a censura e o sensacionalismo e considerar a acusação sem provas e o plágio como graves faltas profissionais.

    3.O jornalista deve lutar contra as restrições no acesso às fontes de informação e as tentativas de limitar a liberdade de expressão e o direito de informar. É obrigação do jornalista divulgar as ofensas a estes direitos.

    4.O jornalista deve utilizar meios leais para obter informações, imagens ou documentos e proibir-se de abusar da boa-fé de quem quer que seja. A identificação como jornalista é a regra e outros processos só podem justificar-se por razões de incontestável interesse público.

    5.O jornalista deve assumir a responsabilidade por todos os seus trabalhos e actos profissionais, assim como promover a pronta rectificação das informações que se revelem inexactas ou falsas. O jornalista deve também recusar actos que violentem a sua consciência.

    6.O jornalista deve usar como critério fundamental a identificação das fontes. O jornalista não deve revelar, mesmo em juízo, as suas fontes confidenciais de informação, nem desrespeitar os compromissos assumidos excepto se o tentarem usar para canalizar informações falsas. As opiniões devem ser sempre atribuídas.

    7.O jornalista deve salvaguardar a presunção de inocência dos arguidos até a sentença transitar em julgado. O jornalista não deve identificar, directa ou indirectamente, as vítimas de crimes sexuais e os delinquentes menores de idade, assim como deve proibir-se de humilhar as pessoas ou perturbar a sua dor.

    8.O jornalista deve rejeitar o tratamento discriminatório das pessoas em função da cor, raça, credo, nacionalidade ou sexo.

    9.O jornalista deve respeitar a privacidade dos cidadãos excepto quando estiver em causa o interesse público ou a conduta do indivíduo contradiga, manifestamente, valores e princípios que publicamente defende. O jornalista obriga-se, antes de recolher declarações e imagens, a atender às condições de serenidade, liberdade e responsabilidade das pessoas envolvidas.

    10.O jornalista deve recusar funções, tarefas e benefícios susceptíveis de comprometer o seu estatuto de independência e a sua integridade profissional. O jornalista não deve valer-se da sua condição profissional para noticiar assuntos em que tenha interesses."
    Laoconte said...
    Basta ver o "Prós e Contras" da RTP para conhecer a realidade deontológica dos jornalistas.

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