A ética da Lei
segunda-feira, novembro 05, 2007
Do editorial do Público de hoje, assinado por Manuel Carvalho, sobre o montante astronómico ( mais de 180 milhões de euros), reservado no Orçamento de Estado , para pagamentos de estudos, pareceres e consultadorias diversas :
“ (…) sobra a inevitável suspeita: que a encomenda de pareceres a escritórios de advogados, a empresas de engenharia ou empresas especializadas em consultoria, se tornou um negócio florescente patrocinado pelo Estado. E se assim é, não faz sentido que esse negócio continue a processar-se sem a total garantia de transparência. Quer ao nível da contratação, que em muitos casos se faz pelo simples método do ajuste directo, quer ao nível da sua justificação técnica. Neste particular, o Governo tem o dever de explicar que competências existem no exterior que os seus serviços sejam incapazes de providenciar.”
Esta alusão clara ao esquema de atribuição de subsídios encapotados de estudos e pareceres, aos diversos dependentes de profissão liberal, para solidificar escritórios de advocacia, economia e similares, em decadência ou em renascença, suscita uma viva apreensão a quem dedicar uns minutos ou até uns breves segundos, a ponderar o assunto. O editorialista do Público e outros, deram conta da perplexidade legítima e questionam, também legitimamente, o que tem de ser questionado- e respondido.
O Estado, na vertente administrativa, governamental, ao longo dos anos, dotou-se de gabinetes, assessorias, conselhos consultivos e outros gabinetes de burocracia legal, para ajudar os decisores políticos naquilo que é matéria tecnicista, reservada aos conhecedores das leis e regulamentos.
Pelos vistos, não chegam para as encomendas e do ano transacto para o actual, aumentou exponencialmente a necessidade de recurso sistemático a consultores externos à governação e ao Estado, para cumprir as tarefas que só a este deviam competir. Pelos vistos há objectivamente, incompetência. Então, que estão lá a fazer os consultores, assessores e conselhos vários?
É óbvio que aqui há gato- que não está constipado, antes pelo contrário, anda de boa saúde- escondido também e, legalmente, com o rabo vistoso, de fora.
Em 2005, no auge da polémica, suscitada na própria AR, a propósito da compatibilidade dos deputados com o exercício da profissão liberal de advogado, a Comissão de Ética, chamada a pronunciar-se acerca de António Vitorino, deputado do PS e advogado na sociedade GPCB&Associados, considerou-as perfeita e legalmente compatíveis.
O problema colocava-se então por causa da sua dupla qualidade de deputado e negociador em nome da Galp, e pelo facto de receber a dois carrinhos do Estado: o do Parlamento e o do Governo. Um dia, deputado; outro, advogado-negociador da Galp. Ou então, uma manhã como deputado e uma tarde como advogado; ou vice-versa. Neste assunto, porém, o presidente da Comissão de Ética, também advogado de profissão, entendeu abster-se de participar na votação- por uma questão de ética…
A Comissão de Ética, porém, a este propósito, nenhum entrave ético lhe encontrou. Qual o argumento de peso? Pois, este: os advogados são sócios de sociedades civis. Não são sociedades comerciais, percebem?
Questionado a propósito deste estranho conceito de ética, o também deputado e multitalentoso, Pina Moura, declarou sem peias que “a ética da República, é a ética da lei” . Que ele e os outros, em maioria absoluta, aprovaram.
Sendo assim, como é, a eventual polémica sobre os estudos e pareceres destinados ao outsourcing liberal, está amplamente justificado: o Orçamento tomou a forma de Lei… do Estado a que chegamos.
Publicado por josé 19:04:00
E não quero sujar a Grande Loja.