Ciclo Clarice Lispector - capítulo I


«Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: pelo menos entender que não entendo.»


Quase quatro anos depois do primeiro post que lhe dedicámos, a Grande Loja regressa hoje a Clarice Lispector, escritora nascida na Ucrânia, e que passou grande parte da sua vida no Brasil.

Vale sempre a pena voltar a Clarice, sobretudo porque, quase três décadas depois do seu desaparecimento (no próximo dia 9 de Dezembro, fará 30 anos que morreu), a sua obra permanece numa estranha penumbra reservada a certos meios académicos e intelectuais.

Escritora de visão única, mulher avançada para o seu tempo, escrevia no limite - à pele, muitas vezes, numa expressão de dor, raiva e verdade.

Autora de obras de enorme qualidade, como «A Hora da Estrela», «A Paixão Segundo G.H.», «Sopro de Vida», «Perto do Coração Selvagem» ou «A Maçã no Escuro» (todas elas editadas em Portugal pela Relógio D'Água), Clarice Lispector era perita em frases curtas, incisivas e certeiras.

Dá vontade de recordar dezenas delas e, por isso, em homenagem a uma das maiores escritoras mundiais do século XX, faremos um Ciclo Clarice Lispector até ao próximo dia 9 de Dezembro.

Aqui vão algumas das frases marcantes de Clarice:

«Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome»
in «Perto do Coração Selvagem»

«Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero uma verdade inventada»

«O que verdadeiramente somos é aquilo que o impossível cria em nós»

«Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta o nosso edifício inteiro».

«O amor é tão mais fatal do que eu havia pensado, o amor é tão mais inerente quanto a própria carência, e nós somos garantidos por uma necessidade que se renovará continuamente. O amor já está, está sempre. Falta apenas o golpe da graça - que se chama paixão.»
Em breve recordaremos mais...

Publicado por André 01:10:00  

5 Comments:

  1. MARIA said...
    É absolutamente fabulosa no modo como sente, como pensa e como escreve.
    De uma intensidade infinitamente bela a que não é possível ser-se indiferente.
    Belíssimo.
    um beijinho, André.
    Maria
    José António Barreiros said...
    Parabéms pelo que escreve.
    Dediquei a esta extraordinária escritora um blog, por partilhar de idêntica admiração: http://haialispector.blogspot.com/
    Cumprimentos
    jab
    André said...
    Caro José António Barreiros,

    Obrigado pelo elogio, duplamente registado por ter vindo de quem vem.

    Não conhecia o seu blog, mas vou ler com atenção.

    Um abraço, dr.
    André said...
    Maria,

    obrigado pelas palavras bonitas, sempre atentas ao que se vai publicando nesta humilde Loja.

    Um beijinho,
    André
    MARIA said...
    É um privilégio muito especial conhecer esta Loja de tão elevada qualidade e bom gosto.
    Quem vos lê é que fica grato e elevado em face da diversidade de temas tão inteligentemente tratados, ao que acresce a distinção, o humor, a classe e o gosto muito elevado.
    Logo, não poderia deixar de ter para aí, sempre voltado o meu olhar mais atento .
    Eu é que agradeço.
    Um beijinho.
    Maria

Post a Comment