Segurança, precisa-se

Don Corleone é personagem de um livro de Mário Puzo, publicado em 1969 e que passou ao cinema, no início dos anos setenta, com o título sugestivo de O Padrinho.

Em 1984, o escritor publicou O Siciliano, sobre a vida breve de Salvatore Giuliano, um herói e bandido romântico que nos anos quarenta combateu diversas forças, incluindo o comunismo local e pretendia fazer da Sicília mais uma província dos EUA, no rescaldo da guerra. Depois de matar e mandar matar, morreu, por sua vez, ainda com menos de trinta anos, em 1950, atraiçoado pelos seus próximos.

No início dos anos oitenta, o clã de Corleone, cidade siciliana com o mesmo nome e com Totó Riina e Bernardo Provenzano à cabeça, começou uma guerra sangrenta de conquista de poder e influência, matando dezenas, centenas de rivais. O método Riina, para com as autoridades que o perseguiam por esses crimes, foi o puro terror. Homicídios escolhidos para infundir um medo extremo e de uma arrogância inaudita até então, conduziram ao assassinato, a tiro de metralhadora, do general Della Chiesa, tido como impoluto e que se destacara no combate ao terrorismo italiano dos anos de chumbo dos setenta.

O clã de Corleone foi apontado como o responsável e Totó Riina o seu mandante directo. Seguiu-se mais uma onde de violência extrema que desgostou um antigo mafioso, agora fugitivo: Tomasso Buscetta (falecido de morte natural em 2000). Este, decidiu colaborar com as autoridades, tornando-se pentito, arrependido, depois de uma tentativa de suicídio, na prisão. Conversou então, em 1988 e 89, longamente, com o juiz Giovanni Falcone, já encarregado de certos processos relacionados com a Máfia siciliana, em que lhe contou os segredos da Mafia da altura.

Numa entrevista de meados de 1992, já depois do homicídio de Falcone, ocorrido em 23 de Maio de 1992, numa explosão gigantesca que abriu uma cratera de vários metros, na autoestrada para Palermo, e que destruiu cinco carros e matou cinco pessoas, incluindo a mulher de Falcone e três guarda costas, Buscetta comentou [ entrevista publicada na revista brasileira IstoÉ, de 12.8.1992]:

Hoje [um jovem que entra na Máfia] pode ser atraído por ganhos fáceis, mas nos meus tempos era atraído pelo respeito que podia receber das outras pessoas porque se tornava o rei do lugar. Era considerado um homem de honra.”

A Cosa nostra é única, não tem imitações porque ninguém consegue imitá-la. A máfia espera, a máfia não tem pressa. A máfia condenou certa vez à morte, uma pessoa que saía sempre á rua com um menino, seu filho. Eu devia atirar. Ele estava sempre acompanhado do filho e eu não podia assustar a criança. Se o fizesse, os meus colegas poderiam dizer: “Você fez mal, assustou o menino!” E então esperamos doze anos. Depois de 12 anos…não fui eu…mas esperamos que o menino crescesse.
-O sr. atirou?
- Sim.
- Naquele momento o sr. se considerava um justiceiro ou um assassino?
- Eu me considerava alguém que devia cumprir o seu dever. Estava fazendo o que era justo e o que devia ser feito. Não era o juiz, claro. Estava fazendo o que tinham ordenado que eu fizesse. “

Esta pequena história, ainda não tem epílogo. Nestes últimos anos, Riina foi preso (em Janeiro de 1993); Provenzano também, ( só no ano passado) e quase toda a estrutura organizada da Cosa Nostra, o foi no devido tempo, porque todos os chefes e pequenos chefes foram sendo substituidos. A guerra foi ganha pela ordem estabelecida pelo Estado? Nem por isso.

Nada disso impediu a Mafia italiana de prosperar, nem evitou a recente onda de assassínios que ocorreram na região calabresa. A Mafia mudou apenas de poiso.

Segundo os jornais italianos, a mafia calabresa, a NDrangheta, uma designação derivada da noção de homem de valor e coragem, tomou conta dos negócios da droga e de armas, anteriormente e até aos anos oitenta, nas mãos dos sicilianos da Cosa Nostra.

A Ndrangheta, com poucas excepções ( o juiz Scopelliti e um deputado democrata cristão, António Ligato) nunca cometeu o erro de começar a matar personalidades públicas, como o fez a Cosa Nostra, aparecendo assim como a “irmã menor” da família criminosa mafiosa. Hoje, o polvo calabrês, é o que estende mais os tentáculos, por ser o maior.

O que mudou a essência e a estrutura criminosa da Mafia, foi a droga e os seus lucros elevados.

Aqui, em Portugal, as drogas, incluindo as sintéticas, são um negócio que dá lucros, também elevados. As apreensões de mercadoria, pelas polícias, ocorrem na maior parte das vezes, em situação de trânsito, para outros países. Não tem havido incursões nos circuitos internos mais escondidos.

Na chamada noite, em todas as cidades de Portugal, proliferam os lugares de diverso tipo e modo de estar, junto a um balcão de bebidas. São os bares, de alterne ou de convívio; de prostituição ou de mero engate e ainda de acesso reservado ou franqueado a quem o deseja.

A gravitar, neste mundo da noite, apareceram há alguns anos atrás, uns maduros de recorte e sem profissão definida que se foram agregando em empresas de segurança, algumas delas profissionalizadas, outras nem tanto.

A primeira vez que esta fauna da noite, mostrou o seu lado obscuro, de modo literalmente explosivo, foi em Amarante, numa discoteca de Mea Culpa. O balanço trágico, levou directamente à regulamentação legal dos grupos.

Mesmo assim, algum tempo depois, outro acontecimento trágico, levou a morte à própria polícia de investigação, na mesma zona deste norte de Portugal, com uma violência inusitada.

Depois disso, falou-se em mafias de leste e em banditagem de alto coturno que anda por aí à solta, a praticar realisticamente, car jacking, o que apenas se via, até então, em jogos virtuais para a play station.

Em tempos mais recentes, alguma da fauna da noite que se ocupa da segurança, foi inequivocamente associada, no Porto, pelo menos, a um clube de futebol e à sua claque que se borrifa para os apitos dourados. Os seus elementos de segurança privada, fizeram gala de aparecer publica e impudicamente a afrontar os seguranças do Estado que lograram deter e ouvir um dos seus mais dilectos heróis. Este aceitou e não se demarcou da segurança oficiosa, aparecendo bem na sua pele.

Agora, com estes “quatro assassínios na noite do Porto”, como titula hoje o Público, já não parece haver qualquer dúvida: a noite do Porto, está entregue aos seguranças. Um deles, segurança na discoteca River Caffé, foi assassinado e o River Caffé há anos que deveria estar encerrado. O motivo para a demora administrativa, tem a ver com uma circunstância prosaica: o desconhecimento do paradeiro dos proprietários.

Protejam-se.

Publicado por josé 21:56:00  

6 Comments:

  1. Anónimo said...
    Este comentário foi removido pelo autor.
    Luís Negroni said...
    Ó zézito, então tu achas que a "noite" de lisboa é + "mansa"? Então explica-me lá como é que segundo números constantes de relatório do próprio ministério da administração interna relativo ao ano de 2006, a violência em lisboa é quatro vezes superior à que ocorre no Porto! É que tendo lisboa, como julgo que saberás, o dobro da população do Porto, isso quer dizer que relativamente ao Porto lisboa tem o dobro da violência! Porque é que não associaste à cosanostra e à ndrangheta o que se passa em lisboa em vez daquilo que acontece no Porto? Fazia + sentido, ou não te parece? Ou tu achas que em lisboa e arredores não há gangs, não há "gangs" de seguranças e que não se matam uns aos outros? E ouve lá, se em lisboa alguém for assassinado ou assassinar e esse alguém for do benfica isso quer dizer que o clube da ave de rapina (isto não é uma ofensa, apenas uma constatação) tem forçosamente alguma coisa a ver com esse assassinato? Em quantos assassinatos o benfica não estaria envolvido, coitadinhos!
    Mas porque é que será que são estes vermelhuscos da cidade do Porto e arredores os mais ferozes anti-Portistas? Tudo e mais alguma coisa, por + rocambolesca que seja, lhes serve para dar vazão ao ódio figadal que nutrem pelo FCPorto! Com + um bocadito de imaginação e a completa ausência de escrúpulos que demonstras ainda dizias que é o FCPorto que controla a ndrangheta e a cosanostra juntas!
    josé said...
    Ó luis! Aprende a ler, pá. E que a cegueira tripeira não te tolde o bestunto, porque não me lembro de ver o "orelhas", protegido por seguranças de claques de futebol.


    Nem qualquer outro, aliás, para além daquele que tu bem sabes.
    A noite do Porto, com seguranças à mistura, confunde-se nessa fauna, porque a cidade é pequena e já nem se distinguem os ginásios dos salões de baile de antigamente e os bares nocturnos.

    Aliás, quem são os empresários da noite, no Porto? Haverá algum deles com assento na bancada de honra do clube?
    Como soi dizer-se diz-me com quem andas...
    josé said...
    E mais uma coisa, luis:

    As pessoas do Porto, incluindo jornalistas, têm medo desta fauna. É por isso que nem escrevem o que deveriam escrever e denunciara esta promiscuidade mafiosa.

    Disse mafiosa? É que é mesmo isso, como agora se comprova.

    Os jornalistas e comentadores, sempre corajosos em denunciar os desmandos dos matadores de milheirais, nem se atrevem a pôr nomes aos matadores de pessoas reais.
    Matadores, assassinos, ouviste bem, ó luís?
    Luís Negroni said...
    Bastaram uma ou duas provocaçõezitas, para vir à tona tudo o que estava subjacente ao post "Segurança, precisa-se"!
    Tens razão: Deus, na sua imensa sabedoria, pôs os maus todos no Porto (cidade e clube) e os bons todos em Lisboa! Se não estou enganado, nos bares e discotecas de Lisboa (que até são em bastante maior número que no Porto), quem faz a segurança são anjos e santos gentilmente cedidos pelo pai do céu! Nunca há qualquer sombra de violência ou crime, nem de noite nem de dia, é tudo paz, amor e harmonia! Os números divulgados pelo Ministério da Administração Interna, relativos a 2006 e a Lisboa, evidenciando a existência de 4 vezes + crime e violência que no Porto, são completamente falsos e não passam de um embuste bem montado para evitar que o interior de Portugal continue a despovoar-se, já que, assim, os "provincianos", apesar das melhores condições em emprego, infra-estruturas, saúde, educação, lazer, cultura, existentes em Lisboa, já pensam duas vezes antes de se mudarem para lá, com este "embuste" da muita violência!
    É "evidente" que tens toda a razão!
    Luís Negroni said...
    Caro José, está para breve a publicação do "Segurança, precisa-se, Parte 2" ou ainda tarda muito? É que "já não parece haver qualquer dúvida: a noite de Lisboa, está entregue aos seguranças." (e para já, os frequentadores da discoteca Nell´s, no Campo Grande, que o digam)! Espero que mantenhas essa fibra denunciadora exibida mas agora com a violência da "noite" de Lisboa!

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