Uma democracia moderna e independente

Em 11 de Março de 1999, a revista Visão, publicou uma parte de um relatório do SIS, sobre a Universidade Moderna, efectuado durante o ano antecedente. Segundo a revista, o SIS interviera numa investigação a pedido de Jorge Coelho, então ministro socialista tutelador da administração interna, por causa de “crescentes rumores sobre a universidade e a ocorrência de factos insólitos em torno dos seus principais dirigentes”.
Entre os vários factos insólitos, então relatados, avultavam a explosão de uma granada junto à residência do secretário-geral da universidade, a descoberta de microfones em gabinetes da reitoria e um alegado assalto à sede da Maçonaria Regular, a Casa do Sino, em Dezembro de 1996. A existência de negócios imobiliários e na comunicação social e as alegações de negócios internacionais de tráfico de armas e droga, para além de fortes suspeitas de tráfico de influências de altas figuras públicas nacionais, misturadas com interesses de obediência maçónica, deram o motivo e o pretexto legal para a intervenção do SIS, por ordem do ministro Jorge Coelho.

O relatório preliminar publicado na Visão, apresenta conclusões de uma gravidade extrema, para justificar plenamente a intervenção da secreta portuguesa, sob dependência do governo, tais como: utilização da Universidade em negócios imobiliários de grande amplitude, com ilícitos fiscais à mistura. Tentativa de criação de uma rede clientelar, a instalação de um centro de sondagens, o investimento na comunicação social e ainda tentativas de controlo da Maçonaria Regular. Tudo isso, para o SIS de então, indiciava que “poderia já estar em condições de exercer fortes pressões sobre os meios políticos e governamentais, bem como sobre altos funcionários da Administração Pública”!
Devido às queixas de lesados, a universidade e os seus dirigentes de cooperativa Dinensino, já estavam, aliás a ser investigados criminalmente, pela PJ, por crimes de natureza pública, de ordem patrimonial.
No fundo, qual era o motivo legalmente justificativo para a intervenção do SIS, numa investigação de segurança interna? O abalo do Estado de Direito, pela família dirigente da universidade? O tráfico de armas e droga, suposto? Como é óbvio, apenas um motivo de ordem pública, suficientemente grave e atentatório dos fundamentos da segurança do Estado de Direito o poderia justificar. Justificou mesmo?

Na mesma semana da notícia da Visão, o Público de 10 de Março de 1999, relatava que o M.P de Cunha Rodrigues, PGR de então e numa antecipação curiosa de um futuro enquadramento de política criminal, tinha dado uma directiva à Polícia Judiciária para afectar todos os meios necessários à investigação do caso Moderna. Dirigia então a PJ, Fernando Negrão, um juiz em comissão de serviço, hoje deputado pelo PSD.
O que é que isto deu, em concreto?
A mesma Visão, de 21 de Janeiro de 2001, relata o teor de “toda a investigação da Judiciária no caso Moderna”.
Foram então acusados pelo MP, três membros da família Braga Gonçalves por crimes patrimoniais, falsificação e de corrupção. Mais dez indivíduos, foram acusados de crimes como administração danosa e englobados numa espessa teia de uma associação criminosa. Condenados, no final de 2003, em pena de prisão efectiva, apenas um- o filho do reitor, cumprindo sete anos e meio que se foram reduzindo a quatro, até sair em liberdade condicional em Outubro de 2005. Declarou que os falsos amigos o traíram…
Sobre o tráfico de armas, droga, branqueamento de capitais e tutti quanti, tinha justificado a intervenção pronta e atenta do SIS, nada de nada.

Sobre o abalo aos alicerces do Estado de Direito e sobre o direito de intervenção do SIS, também nada se apurou. A questão principal, resumiu-se a…dinheiro. Muito dinheiro que circulou por várias mãos e arruinou a universidade que chegou a ter 10 mil alunos e actualmente conta com algumas centenas.

Porém, um pormenor não escapou à imprensa do tempo e um acusado principal, José Júlio Gonçalves subscreveu no recurso da sentença que lhe foi desfavorável, em Fevereiro de 2004, que o processo tinha sido consequência do acordo de coligação política entre Paulo Portas pelo CDS e Marcelo Rebelo de Sousa pelo PSD. O penalista Germano Marques da Silva, advogado no processo confirmou nesse recurso, o processo intencional de ver no PS o principal interessado e beneficiado com a investigação. Afirmou-o com base meramente teórica, porque não tinha elementos factuais…
O ataque aos alicerces do Estado de Direito, que sustentou a intervenção do SIS, estava por isso justificado. Ou não? Si non e vero e bem trovato, diria um cínico. Mas ninguém se preocupou em saber se tal se justificou ou não.
Porém, era a mesma revista Visão que, na edição de 30 de Abril de 2003, afirmava que “O julgamento da Moderna tem cada vez mais uma dimensão política”. Porquê? Paulo Portas, evidentemente, e nessa altura…por causa de uma factura mal explicada no processo e no julgamento!
Em 25.3. 2000, “O mau da fita”, José Braga Gonçalves, o único condenado no processo em prisão efectiva, declarava ao Independente a sua indignação pelo conteúdo do relatório do SIS, eventualmente da responsabilidade de um advogado, Ricardo Sá Gomes e que dava aulas na própria UM, sobre branqueamento de dinheiro e tráfico de droga. A entrevista de José Braga Gonçalves é um modelo de explicações de alguém acossado por vários lados e sem defesa possível que aliás, o julgamento e condenação em finais de 2003, confirmaram de algum modo, deixando a desejar a explicação para a investigação do SIS.

Agora, com a Universidade Independente, felizmente, nada disto se passa. O SIS aparentemente não quer saber; não há realatórios apócrifos, com autoria negada pelos serviços como então houve; embora as denúncias sejam quase as mesmas e até envolvam tráficos vários, neste caso de diamantes e o habitual branqueamento de capitais.
A PJ prendeu alguns dos suspeitos e o MP já disse que está tudo na PJ e no DCIAP, o que parece factual.
Aparentemente, não há cabalas directas, só as indirectas por causa do diploma do aluno exemplar.
Aparentemente também, voltou a normalidade democrática, depois do estado de terror de 1999, em que o Estado de Direito perigou a sério…e levou à intervenção pronta e atenta do ministro Jorge Coelho.
O mesmo que diz agora estarmos perante uma cabala, no caso da Independente…



Cabala ou não, parece que o MP, através do DCIAP, se encontra a investigar o caso. Seja como for, estamos muito longe de 1999, e do tempo do MP de Cunha Rodrigues, como atesta a imagem junta, onde se dá conta da directiva à PJ, para "afectar todos os meios necessários à investigação do caso Moderna".
O PGR, entretanto mudou. O governo, esse, é quase o mesmo...



Ainda mais actual:

No blog Mais actual, o repórter da Visão, Rui Costa Pinto glosa esta prosa, em termos equívocos. Esclareço, então: Aqui não há conclusões apressadas. Nem precipitações intensas. Há apenas ironias esforçadas. E muito- que isto não dá riso algum e até é bastante triste. E para reforçar a meia palavra para entendidos, ficam aqui imagens de época.

A primeira é de 11 de Março de 1999, sem assinatura RCP:




A segunda, é de 21 de Junho de 2001, já com assinatura RCP, a meias:




A terceira já é totalmente RCP:


Podia ainda vir aqui uma outra, totalmente RCP, de 1 de Maio 2003: a história do quarto 106, com imagens de portas de hotel.

Publicado por josé 21:36:00  

2 Comments:

  1. touaki said...
    Uma chamada de atenção:

    http://reinodamacacada.blogspot.com/2007/05/o-regresso-da-inquisio-ou-um-novo.html

    Não vem muito a propósito mas convém estar atento!
    CCz said...
    "Uma democracia moderna e independente"?

    Então Deus, que é eterno, baixou a cabeça, começou a chorar e disse:

    -Oh! Nunca verei esse dia...

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