Saneamento insano

A avaliar pelo que tem vindo a público, o caso “Prof. Charrua” tem, no plano formal, duas vertentes.

Uma, é consubstanciada num processo disciplinar, que está pendente. A outra, prende-se com a inopinada cessação da requisição do Prof. Charrua para exercer funções na DREN, depois de instaurado o dito processo disciplinar.

O conspícuo silêncio do Ministério da Educação sobre as razões dessa cessação, veio credibilizar a suspeição pública de que se trataria de uma sanção atípica, de um desvio de poder, que, à revelia de processo disciplinar, visava castigar um técnico malquisto por delito de opinião.

O tempo das suspeitas acabou ontem. A certeza de que a cessação da requisição do Prof. Charrua se tratou de um saneamento político, puro e duro, foi dada, de viva voz, na Assembleia da República, pelo insuspeito Deputado do PS João Bernardo.

O preclaro (e até então obscuro) parlamentar, afirmou, como se lê no “DN” de hoje, que o Prof. Charrua foi afastado por falta de confiança política. Isto porque “... foi requisitado à sua escola para desenvolver uma política educativa de determinado Governo...” e esse regime de requisição “...pressupõe um elo de confiança”.

Estou em crer que o Senhor Deputado é pouco versado na legislação que delimita as funções da administração pública que pressupõem confiança política. Esse pressuposto não é matéria de opinião, está regulado na lei. E não há nenhuma disposição legal que permita – com fundamento exclusivo em razões de confiança política – fazer cessar as funções que eram exercidas pelo técnico em causa, ao abrigo da requisição. Ao invocar um tal fundamento, o Deputado João Bernardo limitou-se a comprovar, de forma insofismável, a ilegalidade e o carácter persecutório do acto. No plano político, a insensatez está consumada. No plano jurídico, o Governo ainda vai a tempo de repôr a legalidade.

A excepcionalidade e a transparência que devem vigorar em matéria de nomeações sujeitas ao crivo da confiança política foi, aliás, uma das bandeiras reclamadas pela actual maioria. Esse propósito, esteve na base, designadamente, da aprovação do novo regime das nomeações para altos cargos dirigentes da administração pública.

O Deputado João Bernardo, calhando, não esteve presente - ou terá estado particularmente desatento – na sessão plenária de 23 de Junho de 2005. A bernarda em que se meteu, poderia ter sido evitada, se tivesse em mente as enfáticas palavras então proferidas pelo Ministro dos Assuntos Parlamentares:


Esta lógica de comissariados político-partidários na estrutura dirigente da
Administração Pública acaba hoje: porque, por um lado, o Parlamento definirá com
rigor o tipo de funções que, por estarem investidas da execução de políticas
definidas pelos Governos, devem ter os respectivos mandatos vinculados aos dos
executivos; e isentará todas as restantes funções dessa mesma
vinculação.

A Democracia faz-se com leis. Mas não existe sem democratas e sem uma genuína prática democrática. Não basta andar de cravo ao peito no ofício anual do 25 de Abril.

Publicado por Gomez 18:37:00  

3 Comments:

  1. naoseiquenome usar said...
    Estou em crer que o regime de requisição é um equívoco, só "possível", pelo facto de a pessoa em causa se encontrar noutro que não o local de origem há já 19 anos. A figura jurídicda correcta deveria ser a de comissão de serviço. E essa é inequívocamente de confiança política.
    Gomez said...
    S.m.o., a comissão de serviço pressupõe confiança política apenas e só em certos casos previstos na lei (v., por ex., o regime jurídico "linkado" no post). Nos demais casos, não (como defendeu o Min. dos Ass. Parlamentares).
    A intenção do legislador no sentido de despartidarizar / desgovernamentalizar a generalidade das nomeações na administração pública parece inequívoca, em teoria. Já a prática é outra coisa...
    naoseiquenome usar said...
    S.m.o, a pratica colide inequivocamente com a teoria e muito terá que mudar, a passar pelo figurino mental dos portugueses... :)

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