A independência constitucional r.i.p.
quarta-feira, maio 16, 2007
O catedrático de Coimbra, Gomes Canotilho, anotou na excelente revista da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Julgar ( cujo primeiro número, dirigido por Mouraz Lopes, saiu em Março deste ano), um artigo assaz curioso sobre a arte de julgar e decidir.
Referindo-se aos “tribunais académicos”, os que decidem acerca do valor e classificação dos chamados doutoramentos, Gomes Canotilho enumera os critérios de avaliação:
Apreciação pública da dissertação; os juízos de valor dos arguentes e as performances dos candidatos, a análise da artesania no trabalho, traduzida no esforço de pesquisa e na intertextualidade demonstrada; o contributo da dissertação para a inovação e conhecimento do ramo do saber em que se insere; a honestidade intelectual do candidato na desocultação da sua estratégia retórica e discursiva; o rigor e plasticidade na linguagem escrita ( mas também oral) e a comparabilidade do mérito da dissertação com outros trabalhos universitários anteriormente julgados e decididos no mesmo quadrante disciplinar.”
Referindo-se aos “tribunais académicos”, os que decidem acerca do valor e classificação dos chamados doutoramentos, Gomes Canotilho enumera os critérios de avaliação:
Apreciação pública da dissertação; os juízos de valor dos arguentes e as performances dos candidatos, a análise da artesania no trabalho, traduzida no esforço de pesquisa e na intertextualidade demonstrada; o contributo da dissertação para a inovação e conhecimento do ramo do saber em que se insere; a honestidade intelectual do candidato na desocultação da sua estratégia retórica e discursiva; o rigor e plasticidade na linguagem escrita ( mas também oral) e a comparabilidade do mérito da dissertação com outros trabalhos universitários anteriormente julgados e decididos no mesmo quadrante disciplinar.”
Esta linha de orientação do julgador, encontra ainda assim, outros critérios mais subtis e que se ligam à decisão propriamente dita que não é inteiramente explicada por esses critérios de baliza aberta.
Canotilho fala na “memória institucional”, na “lei mental”, na “lei de boas razões”, para dar racionalidade a “um encapuçado de pragmatismo decisório-ponderador”, numa manifestação da insondável arcana praxis, questionando a necessidade de encontrar garantias de racionalidade na praxis das decisões.
Este paleio mesmo arcano, esconde de algum modo, as singelas questões de sempre: a necessidade de isenção e ausência de arbítrio enviesador de decisões que provocam efeitos jurídicos e pessoais, na esfera dos direitos alheios.
Na mesma altura, o então presidente do Tribunal Constitucional, Artur Maurício, concedia ao Público, uma entrevista de fim de mandato.
Artur Maurício, declarava solenemente que “No TC não há pressões políticas”. E acrescentava que na última polémica sobre pareceres acerca da Lei de Finanças locais, lhe pareceu um absurdo haver alguém que entendesse tal apresentação como um condicionamento da actividade do TC.
No entanto, numa mostra de sensatez esclarecida, acabava por dizer que “ Não há leituras inocentes da lei, e muitas vezes não é consciente este processo, em que se reflectem as ideologias, as visões do mundo e do direito”.
E no entanto, Artur Maurício, não acreditava então que o atraso provocado pelo PS, na eleição dos novos juízes, substitutos dos que agora saem, se ficasse a dever a cálculo político: “Teria que partir do pressuposto de que essa intenção é um facto, mas para mim está longe de o ser. O atraso nas eleições é diminuto [foram a 29 de Março e estava-se em 20 do mesmo mês] , não tem sentido em absoluto, e tenho muita dificuldade em pensar que é deliberado.”
Seria interessante escrutinar algumas decisões do TC, à luz daqueles critérios apontados por Canotilho, referentes ao acto de julgar, com forte componente subjectiva e alta influência idiossincrática.
Sempre tive curiosidade em perceber “a memória institucional”, a “lei mental” e a “lei das boas razões” para saber como foi possível ao juiz Bravo Serra, que entretanto saiu do TC, enredar-se em considerações sobre crimes formais e de outra natureza e decidir que Leonor Beleza poderia ter cometido um crime continuado, cujo início para efeitos jurídicos, contava desde o primeiro acto e não do último como até então era jurisprudência pacífica e indiscutida. A decisão mereceu então votos de vencido, mas a decisão de fundo sempre me pareceu aquilo que poderá ser: um jeito, mesmo que o não seja.
Sempre tive curiosidade em perceber exactamente, outras decisões pontuais sobre aspectos processuais, relativos a processos altamente mediatizados como foi o da Casa Pia.
Vem isto também a propósito da nomeação e eleição formal, pelo Parlamento dos novos nomes do Tribunal Constitucional e a saída de um dos juízes nomeados e eleitos, Rui Pereira, jurista de profissão e destacado militante do PS que agora integra o Governo, na pasta da Administração Interna.
Os juízes que saíram em Março e os novos que entraram, foram escolhidos pelos representantes do povo, na Assembleia da República, particularmente pelos partidos políticos e mais especificamente pelos directórios partidários.
Que critérios, publicamente conhecidos, presidem a estas escolhas e nomeações? Isso, para além do facto constitucional ( artº 222 nº2 CRP) de seis deles terem obrigatoriamente de ser escolhidos entre juízes dos restantes tribunais e os demais serem obrigatoriamente juristas?
São colocados em discussão pública os nomes escolhidos pelos partidos? E como é que os partidos vão escolher juízes de tribunais que à partida são ou devem ser forçosamente, por natureza das funções que exercem, “ independentes e imparciais”?
Por exemplo, qual o critério de destrinça que preside ao grupo parlamentar do partido comunista português, ou dos outros partidos, em escolher os nomes para o tribunal constitucional?
Será que os membros do grupo parlamentar conhecem pessoalmente os indivíduos em causa? E como é que conhecem? Por convívio democrático?
E sendo esses juízes de carreira forçosamente independentes e imparciais nas suas decisões, como é que se escolhe alguém que “agrade” ao grupo parlamentar em causa, para se nomear para um tribunal cuja função específica, é muitas vezes a de declarar (in)constitucionalidades de leis, aprovadas por aqueles que escolheram? Se o TC é um tribunal com uma função específica de administrar a justiça constitucional, como assegurar a Justiça, em toda a latitude da sua importância prática e em conformidade com princípios indiscutíveis?
A independência e imparcialidade dos juízes – quaisquer juízes- são valores de sempre e para sempre. Exigem que os juízes sejam livres e imparciais nas decisões, e implicam que os mesmo se atenham aos factos e à lei.
Para tal, é imprescindível que os juízes sejam imunes a pressões políticas, legislativas, de interesses de grupo, dos media, do próprio público, das pressões financeiras e mesmo das pessoais.
Tornando-se óbvia a tendência para escolher alguém que seja “dos nossos” e o realismo político aconselha a assim pensar e entender ( em política o que parece, é), como se poderá evitar a escolha de nomes sectários e que assegurem minimamente as características de independência, inamovibilidade, imparcialidade e irresponsabilidade, garantidas também a estes juízes, a par das incompatibilidades dos juízes dos restantes tribunais? - artº 222, nº 5 da CRP.
Perante estes critérios, como aceitar a razoabilidade na designação de uma pessoa como Rui Pereira ( ou um também aventado Vital Moreira), para um cargo de juiz de tribunal superior, ainda para cima, com a expectativa de uma designação antecipada da presidência que depende dos pares?!
Perante esses critérios, como é que se pode aceitar a escolha de juízes, de um tribunal constitucional, extraídos da mais genuína cepa endogâmica?
Os juízes que saíram em Março e os novos que entraram, foram escolhidos pelos representantes do povo, na Assembleia da República, particularmente pelos partidos políticos e mais especificamente pelos directórios partidários.
Que critérios, publicamente conhecidos, presidem a estas escolhas e nomeações? Isso, para além do facto constitucional ( artº 222 nº2 CRP) de seis deles terem obrigatoriamente de ser escolhidos entre juízes dos restantes tribunais e os demais serem obrigatoriamente juristas?
São colocados em discussão pública os nomes escolhidos pelos partidos? E como é que os partidos vão escolher juízes de tribunais que à partida são ou devem ser forçosamente, por natureza das funções que exercem, “ independentes e imparciais”?
Por exemplo, qual o critério de destrinça que preside ao grupo parlamentar do partido comunista português, ou dos outros partidos, em escolher os nomes para o tribunal constitucional?
Será que os membros do grupo parlamentar conhecem pessoalmente os indivíduos em causa? E como é que conhecem? Por convívio democrático?
E sendo esses juízes de carreira forçosamente independentes e imparciais nas suas decisões, como é que se escolhe alguém que “agrade” ao grupo parlamentar em causa, para se nomear para um tribunal cuja função específica, é muitas vezes a de declarar (in)constitucionalidades de leis, aprovadas por aqueles que escolheram? Se o TC é um tribunal com uma função específica de administrar a justiça constitucional, como assegurar a Justiça, em toda a latitude da sua importância prática e em conformidade com princípios indiscutíveis?
A independência e imparcialidade dos juízes – quaisquer juízes- são valores de sempre e para sempre. Exigem que os juízes sejam livres e imparciais nas decisões, e implicam que os mesmo se atenham aos factos e à lei.
Para tal, é imprescindível que os juízes sejam imunes a pressões políticas, legislativas, de interesses de grupo, dos media, do próprio público, das pressões financeiras e mesmo das pessoais.
Tornando-se óbvia a tendência para escolher alguém que seja “dos nossos” e o realismo político aconselha a assim pensar e entender ( em política o que parece, é), como se poderá evitar a escolha de nomes sectários e que assegurem minimamente as características de independência, inamovibilidade, imparcialidade e irresponsabilidade, garantidas também a estes juízes, a par das incompatibilidades dos juízes dos restantes tribunais? - artº 222, nº 5 da CRP.
Perante estes critérios, como aceitar a razoabilidade na designação de uma pessoa como Rui Pereira ( ou um também aventado Vital Moreira), para um cargo de juiz de tribunal superior, ainda para cima, com a expectativa de uma designação antecipada da presidência que depende dos pares?!
Perante esses critérios, como é que se pode aceitar a escolha de juízes, de um tribunal constitucional, extraídos da mais genuína cepa endogâmica?
Perante a saída, agora conhecida, do novel juiz do Constitucional, Rui Pereira, para o Governo, há quem diga que tal facto significa a admissão mais chã e evidente de que o Tribunal Constitucional perdeu de vez a máscara de uma honra que embora aparente, se afixava nos seus estatutos.
A independência e a honra profissional, sendo apanágio de qualquer juiz, é algo que deve existir e parecer que existe.
No caso do Tribunal Constitucional, os recentes acontecimentos, indicam que já não existe.
Alguma vez existiu, ou temos apenas mais uma réplica do que se passa noutras insituições?
A democracia pode conviver muito tempo com este estado a que chegamos?
Publicado por josé 22:15:00
4 Comments:
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Em 1985, o meu Professor de Ciência Política e Direito Constitucional - José Maria Gaspar -, já arengava (e não só ele) contra a falta de legitimidade e de independência do TC. De então para cá tenho verificado que, bastas vezes, em especial em sede de fiscalização preventiva, este «Tribunal» tem dado o seu contributo para a relativização dos preceitos e comandos constitucionais...
E errado pensar que se esta perante um fatalismo...nao ha nada a fazer, pois nos outros paises tambem e assim
Bom, e preciso comparar com sao feitas as escolhas, quais as condicoes em que se pode ser "eleito" noutros paises. Nao basta dizer que tambem sao escolhidos pelo Parlamento. E preciso saber qual o nr de votos para eleicao de cada Juiz...portanto o facto de serem escolhidos no Parlamento, tb noutros paises, nao significa que o sistem seja exactamente o mesmo.
Acresce que o facto de "la for a" se fazer o mesmo nao significa que , so por isso, o sistema esteja certo! Este tb costuma ser um argumento tipicamente portugues que "descansa as almas".
Porem, ha paises, sobretudo norte Europa em que pura e simplesmente o TC nao existe, E o supremo qy=ue tem uma camara especial para assuntos constitucionais.
Como e composta esta camara?Somos um Estado independete e pofdemos cruiar um modelo inspirado, mas nao copiado , sobretudo tendo em atencao as licoes que vamos tirando da nossa pratica politico_constitucional.
Ai, entrarim os criterios de escolhae, porque nao, a formacoa especifica para o efeito...
Interessante seria debater uma formula que prevenisses eventuais riscos muito portugueses.
É o que acontece, tb, nos EUA, cujo sistema, de resto, não pretendo copiar, até porque, tanto quanto sei, o Supreme Court of the United States tb tem designação política (pelo Presidente sob confirmação do Senado).
Importa, isso sim, que os juízes sejam verdadeiramente independentes do poder legislativo/executivo... Em Portugal, que me lembre, as decisões relativas às matérias mais conroversas foram sempre conformes a opinião da maioria parlamentar da altura.