Cartas marcadas

Não é no povo que zurzo. É em mim próprio, enquanto observador descomprometido com partidos políticos ou grupos de influência política, por muitas vezes não entender este povo que virtualmente vota como vota.
Ao longo dos anos, aprendi a respeitar a vontade popular, mesmo contra as minhas ideias, por ter achado que afinal as escolhas que foram sendo feitas, tiveram sempre a sua lógica que denotava alguma inteligência colectiva que nos definia um perfil. Mesmo assim, acho que houve grandes erros cometidos, pelos quais ainda pagamos facturas elevadas.

No entanto, mesmo agora, com toda a perplexidade que estas sondagens apresentam, continuo a pensar que estes resultados derivam do estado actual a que chegamos: um Estado de dependências várias, com uma forte componente de funcionários e uma parte importante de empregados por conta de outrém que pensam de outro modo, diferente dos funcionários, mas não conseguem articular harmonias no sistema que temos e herdamos.
Não acredito na luta de classes, mas acredito na luta entre classificados do funcionalismo e dos privados das empresas. Este governo pode muito bem estar a governar como deve ser, embora todos saibamos que há várias formas de o fazer. Quem vai dizer o contrário, com suficiente autoridade para tal?
O PSD pode dizer com absoluta verdade que a alternativa que promete é diferente e melhor? Há alguém no PSD que faça esse discurso bem feito e de modo a convencer o povo?
Há alguma alternativa na Esquerda totalitária que ainda temos? O CDS constitui alternativa com crédito, depois do que fez na coligação com Santana?
Não será isto mesmo que o povo intui e vota em conformidade, indo ao essencial do que lhe parece ser o essencial?

Neste estado de coisas, a discussão séria que se apresenta sobre o carácter de um indivíduo como o primeiro ministro, ou sobre a competência mediática de um ministro como Mário Lino, será assim, no entender deste povo que vota, completamente despicienda. Não devia ser? Pois não, mas a verdade é que parece mesmo que é.
E no entanto, é por aqui que se tenta o desgaste, com toda a legitimidade dos princípios de rectidão moral e dos valores democráticos.
Mas…quem é que liga a isso, tirando os opinadores dos media, quando se sabe que muitas vezes, são eles próprios os interessados em fazer valer um discurso de método de apear o califa e tomarem o lugar do califa? Que crediblidade merece um discurso de método que se afigura cínico, acima de tudo?

Por que razão Mário Lino está completamente debaixo de fogo mediático, já gozado por plagiadores e um outro Mário, Gago de apelido, já o não está? Mistérios insondáveis da opinião pública e publicada.
Por que razão um fenómeno como o desaparecimento de uma menina estrangeira, no Algarve, atingiu o mediatismo global como atingiu? Mistérios insondáveis do imponderável mediático.
É neste jogo de imponderáveis, de incertezas mediáticas e de agendas impossíveis de programar que reside todo o interesse e acompanhar a realidade política.
Mas por outro lado, só é possível entrar neste jogo, com algum sentido de humor, porque uma boa parte das vezes, o jogo tem cartas marcadas e os truques não são visíveis. Et pour cause.

Publicado por josé 11:41:00  

9 Comments:

  1. Carlos Medina Ribeiro said...
    Aqui vão trê dicas:

    1ª - Sobre a confusão que vai na cabeça de certo povo, ver o delicioso sketch:
    http://www.youtube.com/watch?v=XmnnnHcDQuU

    2ª - Gago é pouco atacado porque aparece pouco. Inversamente, Mário Lino (como Correia de Campos) fala pelos cotovelos e - o que é pior - acha que é muito engraçado. Pode até ter piada (conheço-o mal, apesar de termos andado no mesmo IST), mas o humor tem "modos e tempos" para ser usado, e ele não domina essa arte.
    Acresce que, pelo que vimos na TV, ao proferir o "discurso acerca do deserto" parecia - claramente - estar com os copos.

    3ª - Quanto à criancinha desaparecida, o mediatismo tem a ver com a proximidade. É o caso da vizinha, referido por Eça e, à parte o exagero mediático, é mesmo assim que os sentimentos funcionam.
    zazie said...
    Pois é, o José não está sozinho. Assino por baixo estas perplexidades.

    Como se endireita o que nasce torto, se nasceu torto sendo democrático.
    zazie said...
    Penso que só vale a pena com o tal nonsense de disparar caso a caso.

    Não se muda a estrutura mas dá-se-lhes trabalho.

    Sempre é menos um, quando tivermos de mandar embora uns tantos para deixar entrar outros tantos.

    É um misto de pedagogia à Clint Eastwood com enredo de Swift
    Dylan T. said...
    Caro José

    O povo não só se penitencia, envergonhado, que o senhor doutor não lhe zurza, como lhe agradece, certamente, a humildade de ter aprendido a respeitar a vontade popular. Ainda que tenha sido uma evolução ao longo dos anos, como diz, é uma boa evolução.
    Registo a sua perplexidade com as sondagens, estas ou outras, aprendendo que o pobre e incauto povo, o que não é abençoado pela leitura reveladora desta Grande Loja, pode ver o mundo de forma tão incompreensível. Aqui, iluminados e iluminando, o mundo em scroll, e lá fora não compreendem... Não há direito...
    Soubessem escutar-nos a sensatez, afastando os escolhos da tenebrosa política, e saberiam escolher a justiça verdadeira, uma... uma república de juízes, talvez...
    Podemos também aprender que, por Grande que seja a Loja, poderá ser tacanho o balconista.

    Atentamente
    josé said...
    dylan:

    Não se diminua, escondendo o tomas.

    Aproveite e tome um chàzinho para essa azia constante.

    Depois de lhe passar, leia outra vez e escreva direito o que pretende mesmo dizer. Ou seja, não tresleia.
    Dylan T. said...
    Caro José

    Pois sugere-me, com elevação que aprecio, que eu pretendo dizer coisa diferente do que escrevi?!
    Bem, então vamos lá, que não me apraz tresler.

    "Está provado que quem vota maciçamente, aos milhões e ao mesmo tempo responde a inquéritos de sondagem, não lê jornais; vê a tv que lhe dão e muito menos lê blogs ou comenta assuntos do dia com propriedade e conhecimento de facto e de direito, dos assuntos"
    - Está provado? Por não responderem a uma sondagem como gostaríamos? Pobre povo ignorante que tanto tem a aprender... (registo o pormenor do povo não ler blogs ou ter conhecimentos para comentar assuntos com propriedade - estamos cá para isso!)

    "o povo em geral, está-se nas tintas(...) sobre obtenção de diplomas de licenciatura de uma pessoa que chegou a primeiro ministro"
    - Ora aí está! Totalmente de acordo consigo. Se calhar o povo em geral considera prioridades mais importantes na vida do país. Não tem vagar para comprar agendas, é o que é... Ah, essa malvada capacidade do povo em geral pensar pela sua cabeça...

    "sem se saber muito bem como nem porquê"
    - Olhe que não, José, olhe que não. São aqueles papelinhos que se colocam na urna de voto. Há quem diga que é uma tal de democracia.

    "Os comentadores de jornal e demais pessoal intelectualizado(?)nas letras e tretas, pode muito bem ficar ciente disto: vale quase nada o que escrevem"
    - Ah, valente! Para mostrar que a humildade também lhe corre nas veias, tem plena consciência auto-crítica! (aplausos)

    "a influência real e efectiva de uma opinião sustentada em certos arquétipos morais e de coerência com princípios de comportamento e de carácter, vale mesmo zero"
    - Bem, agora com esta ia-me tramando. Não é fácil competir com citações de César das Neves...

    "Continuamos a ser um povo inculto, realmente analfabetizado e desinformado por vontade própria"
    - Ui! Agora uma citação do Grande Educador. A esperança não está perdida, afinal. A utopia ainda é possível se o José ajudar o povo inculto e anafabetizado a conduzir o futuro desta nossa querida Coreia do Norte.

    - Mas depois da educação, a redenção:
    "Não é no povo que zurzo. É em mim próprio"
    - Esmagou-me.(aplauso de pé, sentido e jubilado. Este homem é um senhor, magistraturas de sabedoria...)

    Ler ou tresler?

    Seu fiel leitor

    Dylan T.
    zazie said...
    Que grande palermóide este Dylan.
    josé said...
    Dylan: como acho que não esteve bem atento... vou reler:

    1. O que está provado neste tipo de sondagens são várias coisas, parece-me: uma delas é o índice de leitura de jornais, em Portugal. Quais os mais lidos? O JN e o Correiro da Manhã, parece-me. Algum deles deu destaque especial ao “fait-divers”, de modo a tornar o assunto verdadeiramente popular, para além do aspecto anedótico e algo desconstrutivo que se gerou? Ontem num programa da SIC Notícias, o grande Luís Delgado referia que o assunto da licenciatura de Sócrates estava morto e enterrado “ e ainda bem”.
    Assim, os jornais têm relativamente pouca influência em Portugal, neste tipo de assuntos, algo complexos para a maioria das pessoas que vota.

    É também por isso que o povo que vota se está nas tintas. Não percebe os pormenores e o essencial não lhe interessa discutir. É um “fait-divers”, uma irrelevância- foi o que lhe disseram.

    2. José Sócrates foi designado para a direcção do partido, por quem, exactamente? E porquê, exactamente? Sabe dizer com aproximação e sem especulação? Aponte nomes concretos, sff.
    Além disso, as pessoas para as legislativas votam num partido e num programa, de modo que o voto numa pessoa é por vezes secundário. Não digo que seja o caso. Digo apenas que o voto não foi numa pessoa e isso não consegue desmentir.

    3. O valor dos comentaristas em geral, incluindo os dos blogs como este, é residual, pode quando muito influenciar a opinião de uma ou outra pessoa, mas na generalidade, a força dessas opinião avulsa, a meu ver, é muitíssimo reduzida.
    É uma opinião, note.

    4. Continuamos a ser um povo inculto, o que se comprova com o índice de leitura de jornais e livros ( a leitura real, note-se, que nem é bem conhecida e que por isso adianto por mero palpite, tão válido como outro qualquer).
    O analfabetismo é notório. Não é o saber ler ou escrever, como instrumentos básicos. Refiro-me ao desconhecimento generalizado que faz com que os eventos culturais tenham pequena expressão no nosso país e que não haja publicações especializadas em temas culturais como há noutros países da dimensão do nosso e que o panorama editorial seja abrangente para os best sellers e pouco mais. Vá ali a Espanha ou Itália e entre numa qualquer livraria digna desse nome de uma qualquer cidadezinha e vê logo o que quero dizer.

    Finalmente, reconheço que perante este estado de coisas, quem deve estar errado serei eu mesmo. Mas não tenho emenda.
    josé said...
    Na Itália e apenas no capítulo das revistas culturais, há logo duas ( e de esquerda): A LImes e a Micromega.

    Alguma delas chega cá? Melhor ainda: há por cá alguma revista parecida sequer? A Atlântico é uma revista de variedades culturais...não vale comparar.

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