O sistema funciona?
quinta-feira, abril 12, 2007
O estranho caso da licenciatura de Sócrates parece-me cada vez mais similar ao estranho caso Watergate que levou à resignação de Nixon.
No caso Watergate, tudo começou porque os jornalistas do Washington Post desconfiaram de um dos indivíduos envolvidos, por ter trabalhado para a CIA. Tal facto, aparentemente anódino, foi revelado na audiência preliminar de julgamento e um jornalista ouviu e interessou-se pela singularidade do caso. Não fora esse pormenor, tudo ficaria restrito ao âmbito de um vulgar assalto de terceira categoria, como aliás foi classificado inicialmente pelos responsáveis da Administração americana, na tentativa de encobrimento inicial.
No caso de Sócrates, tudo começou porque um blogger ( António Caldeira, Do Portugal Profundo) se interessou pelo percurso académico daquele do já Primeiro Ministro de Portugal, logo nos primeiros meses de 2005; fez perguntas a entidades oficiais que não obtiveram resposta satisfatória, adensando desse modo, as dúvidas e perplexidades surgidas com a esquisita licenciatura na Universidade Independente.
A questão inicial, colocada nessa altura, permanece sem resposta: foi observada toda a legalidade na atribuição de equivalências, em 1995 e na obtenção da licenciatura, em 1996, em engenharia civil, pelo então já governante José Sócrates? O actual primeiro ministro, diz que sim e que tudo não passa de um conjunto de insinuações e calúnias, orquestradas por “forças obscuras”, vindas dos confins da internet.
No entanto, a partir dessa altura, e durante quase dois anos, ninguém dos media tradicionais, deu importância ao assunto que parecia de interesse acabado.
No início de Março de 2007, com a crise na Universidade Independente, o interesse no assunto foi naturalmente retomado e, primeiro um jornal diário, (o Público) e depois um semanário ( o Expresso) , abordaram o tema pela primeira vez.
O artigo do Público, mereceu um comentário do gabinete oficial do PM, em que este se mostrava indignado, difamado e caluniado, ameaçando veladamente agir judicialmente. Não obstante, ontem, na entrevista à RTP, José Sócrates acabou por admitir a legitimidade das dúvidas expostas.
No caso Watergate, Nixon nunca admitiu, até ao momento em que resignou, em Agosto de 1974, a sua responsabilidade directa nos acontecimentos de 17 e 18 de Junho de 1972.
O que o levou a admitir essa responsabilidade foi uma prova fatal, constituida por uma gravação efectuada pelo próprio Nixon, na qual recomendava a colaboradores directos, em 23 de Junho de 1972, para se encobrir o acontecimento e afastar a polícia ( FBI) da investigação.
Perante os primeiros indícios levantados pela imprensa, com destaque para o Washington Post e os jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein, foi constituída uma Comissão de Inquérito no Senado em Fevereiro de 1973. Durante quase um ano, os indícios de malfeitorias na Administração americana, contra o partido democrata, tinham-se acumulado na imprensa, mas sem consequência grave para Nixon que tinha ganho as eleições em Novembro de 1972. Aos poucos, ia despedindo colaboradores directos, apanhados em contradições e em ligações perigosas com os assaltantes do Watergate.
Desde Fevereiro de 1973, alguns desses colaboradores directos, sob juramento e perante a Comissão de Inquérito, disseram publicamente que Nixon sabia do caso, tentara encobrir e relacionavam factos e datas.
Mesmo assim, com todo a atenção mediática ao acontecimento, Nixon manteve-se na sua posição inalterável de proclamar inocência e desconhecimento directo do caso. Até 8 de Agosto de 1974, Nixon negou o que parecia evidência para o senso comum.
Aliás, não fora a iminência de uma acção de impeachment, aprovada pelo Congresso, perante os dados conhecidos, e Nixon teria ainda resistido às provas apresentadas, porque faltava a rainha delas: a confissão que acabou por surgir com a gravação fatal, a smoking gun indesmentível e que Nixon foi obrigado a mostrar, para prevenir danos ainda maiores.
Não obstante, a conduta de Nixon, revestindo contornos criminais graves, veio a ser perdoada pelo sucessor Gerald Ford, logo em Setembro de 1974.
O estudo do caso Watergate e dos media de então, com a força que estes assumiram para assegurar o privilégio de uma informação ao público, merece destaque, ainda hoje.
No caso da licenciatura de Sócrates, a entrevista de ontem na RTP é apenas mais um episódio, se continuarmos a fazer o paralelo com o caso americano. Com algumas particularidades interessantes que se revelam porque o que está em causa, nos dois casos, é a mesma coisa: a capacidade de investigação jornalística, em relação a um assunto que alguém do poder político procura ocultar.
Em Fevereiro de 1973, por causa da insistência mediática, as forças políticas americanas , obrigaram-se a investigar o caso numa Comissão de Inquérito no Senado.
Por cá, ontem, Marques Mendes sugeriu a instauração de um inquérito, por uma “entidade independente”, a pedido do próprio Primeiro Ministro. A sugestão, obviamente não vai surtir qualquer efeito e estamos assim perante a primeira diferença de vulto: em Portugal não há possibilidade de se constituir uma Comissão de Inquérito a casos como este, com um mínimo de credibilidade, como se pôde amplamente observar nos últimos anos, a propósito dos Inquéritos Parlamentares com conclusões ao sabor das maiorias.
Por outro lado, na vertente estritamente judicial, na América de Nixon e ainda hoje, o poder judicial actua nestes casos com outra dimensão, independência e interesse investigatório que por cá são ainda meras ilusões.
A figura do Procurador Independente, aventada por cá como uma alternativa ao poder do Ministério Público investigar exclusivamente, afigura-se agora como muito interessante, perante este caso singular de investigação ao Primeiro Ministro.
O Procurador Especial, americano, mostrou ser uma forma de investigar estes casos, de modo interessante e alternativo ao sistema que temos. O último caso conhecido e aplaudido pela opinião pública americana, foi o que investigou o caso Valerie Plame/Lewis Scooter Libby, no qual esse Procurador Especial, foi amplamente aplaudido pela opinião publicada, devido ao seu exercício com independência, competência e rigor.
Por cá e perante a recusa de um Procurador Geral em investigar factos que se afiguram no mínimo de legalidade duvidosa, a alternativa a uma investigação criminal com garantias de objectividade, rigor e isenção, deixa-nos num beco sem saída.
Sabendo que os serviços inspectivos dos ministérios não são independentes e não podem pautar-se pela isenção exigível, porque têm chefias dependentes daqueles que podem ser alvo das investigações, que fazer?!
Os tempos das Inspecções Gerais dos ministérios como entidades credíveis e de isenção assinalável, vão longe e alguém fez tudo para que isso acontecesse. A Inspecção Geral de Finanças, depois dos casos Moderna e Ministério da Saúde, mudou e a responsabilidade sabe-se de quem foi: do poder político que não quer ser incomodado por dentro.
O impasse apresenta-se assim como de evidência meridiana. Na ausência de um poder verdadeiramente independente, para investigar criminalmente os actos da Administração superior do Estado e dos próprio agentes políticos de topo, que confiança podem ter os cidadãos, nesta democracia? Muito pouca e residual, é a resposta simples.
Na América de Nixon, o poder judicial actuou de modo exemplar. O juiz Sirica, que julgou os implicados no assalto, sendo então criticado pela demasiada intervenção, procurou a descoberta da verdade, quando se apercebeu das mentiras. Foi ele quem obrigou a Administração a entregar as gravações comprometedoras.
Por cá, quantos juízes Siricas há na Relação, no Supremo e no Constitucional? Haverá algum?
O Presidente da Comissão de Inquérito no Senado, Sam Ervin, no caso Watergate, não se prestou ao frete político e basta ler as intervenções públicas do mesmo, para encontrar uma dignidade que no Parlamento português, pura e simplesmente é utópico esperar. Basta lembrar o que se passou nos recentes inquéritos parlamentares, de uma risível dignidade.
O primeiro procurador especial do caso, Archibald Cox, também fez o que era esperado fazer, no seu papel de inquiridor criminal. Em Portugal, o actual PGR já disse que nada havia a investigar neste caso…e hoje desdisse o que ontem foi dito.
Nesta breve síntese comparativa, quem ler, depressa chegará à conclusão que a democracia em Portugal, precisa de afinação urgente, sob pena de a entrevista de ontem, passar por uma espécie de tribuna de esclarecimento definitivo de um problema que toda a gente séria e minimamente independente de partidos, já percebeu que não é um caso mesquinho.
Em Portugal, actualmente, em vez de Comissões de Inquérito parlamentares respeitáveis e fiáveis; em vez de procuradores especiais, dignos e credíveis; em vez de tribunais independentes e competentes e em vez de uma opinião pública esclarecida e exigente, temos isto que está à vista: um Primeiro Ministro suspeito de graves irregularidades e de mentir às pessoas que o elegeram, em assuntos sérios e que põem em causa o carácter pessoal, tem grandes possibilidades de sair absolvido na opinião pública e sair em ombros nas próximas eleições. Além disso, o partido que o apoia, já disse que não aceita investigações independentes.
Assim, para compensar a ausência de instituições credíveis, temos um ou dois jornais, cuja motivação para o tratamento do assunto já foi questionada e temos... os blogs.
No caso Watergate, tudo começou porque os jornalistas do Washington Post desconfiaram de um dos indivíduos envolvidos, por ter trabalhado para a CIA. Tal facto, aparentemente anódino, foi revelado na audiência preliminar de julgamento e um jornalista ouviu e interessou-se pela singularidade do caso. Não fora esse pormenor, tudo ficaria restrito ao âmbito de um vulgar assalto de terceira categoria, como aliás foi classificado inicialmente pelos responsáveis da Administração americana, na tentativa de encobrimento inicial.
No caso de Sócrates, tudo começou porque um blogger ( António Caldeira, Do Portugal Profundo) se interessou pelo percurso académico daquele do já Primeiro Ministro de Portugal, logo nos primeiros meses de 2005; fez perguntas a entidades oficiais que não obtiveram resposta satisfatória, adensando desse modo, as dúvidas e perplexidades surgidas com a esquisita licenciatura na Universidade Independente.
A questão inicial, colocada nessa altura, permanece sem resposta: foi observada toda a legalidade na atribuição de equivalências, em 1995 e na obtenção da licenciatura, em 1996, em engenharia civil, pelo então já governante José Sócrates? O actual primeiro ministro, diz que sim e que tudo não passa de um conjunto de insinuações e calúnias, orquestradas por “forças obscuras”, vindas dos confins da internet.
No entanto, a partir dessa altura, e durante quase dois anos, ninguém dos media tradicionais, deu importância ao assunto que parecia de interesse acabado.
No início de Março de 2007, com a crise na Universidade Independente, o interesse no assunto foi naturalmente retomado e, primeiro um jornal diário, (o Público) e depois um semanário ( o Expresso) , abordaram o tema pela primeira vez.
O artigo do Público, mereceu um comentário do gabinete oficial do PM, em que este se mostrava indignado, difamado e caluniado, ameaçando veladamente agir judicialmente. Não obstante, ontem, na entrevista à RTP, José Sócrates acabou por admitir a legitimidade das dúvidas expostas.
No caso Watergate, Nixon nunca admitiu, até ao momento em que resignou, em Agosto de 1974, a sua responsabilidade directa nos acontecimentos de 17 e 18 de Junho de 1972.
O que o levou a admitir essa responsabilidade foi uma prova fatal, constituida por uma gravação efectuada pelo próprio Nixon, na qual recomendava a colaboradores directos, em 23 de Junho de 1972, para se encobrir o acontecimento e afastar a polícia ( FBI) da investigação.
Perante os primeiros indícios levantados pela imprensa, com destaque para o Washington Post e os jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein, foi constituída uma Comissão de Inquérito no Senado em Fevereiro de 1973. Durante quase um ano, os indícios de malfeitorias na Administração americana, contra o partido democrata, tinham-se acumulado na imprensa, mas sem consequência grave para Nixon que tinha ganho as eleições em Novembro de 1972. Aos poucos, ia despedindo colaboradores directos, apanhados em contradições e em ligações perigosas com os assaltantes do Watergate.
Desde Fevereiro de 1973, alguns desses colaboradores directos, sob juramento e perante a Comissão de Inquérito, disseram publicamente que Nixon sabia do caso, tentara encobrir e relacionavam factos e datas.
Mesmo assim, com todo a atenção mediática ao acontecimento, Nixon manteve-se na sua posição inalterável de proclamar inocência e desconhecimento directo do caso. Até 8 de Agosto de 1974, Nixon negou o que parecia evidência para o senso comum.
Aliás, não fora a iminência de uma acção de impeachment, aprovada pelo Congresso, perante os dados conhecidos, e Nixon teria ainda resistido às provas apresentadas, porque faltava a rainha delas: a confissão que acabou por surgir com a gravação fatal, a smoking gun indesmentível e que Nixon foi obrigado a mostrar, para prevenir danos ainda maiores.
Não obstante, a conduta de Nixon, revestindo contornos criminais graves, veio a ser perdoada pelo sucessor Gerald Ford, logo em Setembro de 1974.
O estudo do caso Watergate e dos media de então, com a força que estes assumiram para assegurar o privilégio de uma informação ao público, merece destaque, ainda hoje.
No caso da licenciatura de Sócrates, a entrevista de ontem na RTP é apenas mais um episódio, se continuarmos a fazer o paralelo com o caso americano. Com algumas particularidades interessantes que se revelam porque o que está em causa, nos dois casos, é a mesma coisa: a capacidade de investigação jornalística, em relação a um assunto que alguém do poder político procura ocultar.
Em Fevereiro de 1973, por causa da insistência mediática, as forças políticas americanas , obrigaram-se a investigar o caso numa Comissão de Inquérito no Senado.
Por cá, ontem, Marques Mendes sugeriu a instauração de um inquérito, por uma “entidade independente”, a pedido do próprio Primeiro Ministro. A sugestão, obviamente não vai surtir qualquer efeito e estamos assim perante a primeira diferença de vulto: em Portugal não há possibilidade de se constituir uma Comissão de Inquérito a casos como este, com um mínimo de credibilidade, como se pôde amplamente observar nos últimos anos, a propósito dos Inquéritos Parlamentares com conclusões ao sabor das maiorias.
Por outro lado, na vertente estritamente judicial, na América de Nixon e ainda hoje, o poder judicial actua nestes casos com outra dimensão, independência e interesse investigatório que por cá são ainda meras ilusões.
A figura do Procurador Independente, aventada por cá como uma alternativa ao poder do Ministério Público investigar exclusivamente, afigura-se agora como muito interessante, perante este caso singular de investigação ao Primeiro Ministro.
O Procurador Especial, americano, mostrou ser uma forma de investigar estes casos, de modo interessante e alternativo ao sistema que temos. O último caso conhecido e aplaudido pela opinião pública americana, foi o que investigou o caso Valerie Plame/Lewis Scooter Libby, no qual esse Procurador Especial, foi amplamente aplaudido pela opinião publicada, devido ao seu exercício com independência, competência e rigor.
Por cá e perante a recusa de um Procurador Geral em investigar factos que se afiguram no mínimo de legalidade duvidosa, a alternativa a uma investigação criminal com garantias de objectividade, rigor e isenção, deixa-nos num beco sem saída.
Sabendo que os serviços inspectivos dos ministérios não são independentes e não podem pautar-se pela isenção exigível, porque têm chefias dependentes daqueles que podem ser alvo das investigações, que fazer?!
Os tempos das Inspecções Gerais dos ministérios como entidades credíveis e de isenção assinalável, vão longe e alguém fez tudo para que isso acontecesse. A Inspecção Geral de Finanças, depois dos casos Moderna e Ministério da Saúde, mudou e a responsabilidade sabe-se de quem foi: do poder político que não quer ser incomodado por dentro.
O impasse apresenta-se assim como de evidência meridiana. Na ausência de um poder verdadeiramente independente, para investigar criminalmente os actos da Administração superior do Estado e dos próprio agentes políticos de topo, que confiança podem ter os cidadãos, nesta democracia? Muito pouca e residual, é a resposta simples.
Na América de Nixon, o poder judicial actuou de modo exemplar. O juiz Sirica, que julgou os implicados no assalto, sendo então criticado pela demasiada intervenção, procurou a descoberta da verdade, quando se apercebeu das mentiras. Foi ele quem obrigou a Administração a entregar as gravações comprometedoras.
Por cá, quantos juízes Siricas há na Relação, no Supremo e no Constitucional? Haverá algum?
O Presidente da Comissão de Inquérito no Senado, Sam Ervin, no caso Watergate, não se prestou ao frete político e basta ler as intervenções públicas do mesmo, para encontrar uma dignidade que no Parlamento português, pura e simplesmente é utópico esperar. Basta lembrar o que se passou nos recentes inquéritos parlamentares, de uma risível dignidade.
O primeiro procurador especial do caso, Archibald Cox, também fez o que era esperado fazer, no seu papel de inquiridor criminal. Em Portugal, o actual PGR já disse que nada havia a investigar neste caso…e hoje desdisse o que ontem foi dito.
Nesta breve síntese comparativa, quem ler, depressa chegará à conclusão que a democracia em Portugal, precisa de afinação urgente, sob pena de a entrevista de ontem, passar por uma espécie de tribuna de esclarecimento definitivo de um problema que toda a gente séria e minimamente independente de partidos, já percebeu que não é um caso mesquinho.
Em Portugal, actualmente, em vez de Comissões de Inquérito parlamentares respeitáveis e fiáveis; em vez de procuradores especiais, dignos e credíveis; em vez de tribunais independentes e competentes e em vez de uma opinião pública esclarecida e exigente, temos isto que está à vista: um Primeiro Ministro suspeito de graves irregularidades e de mentir às pessoas que o elegeram, em assuntos sérios e que põem em causa o carácter pessoal, tem grandes possibilidades de sair absolvido na opinião pública e sair em ombros nas próximas eleições. Além disso, o partido que o apoia, já disse que não aceita investigações independentes.
Assim, para compensar a ausência de instituições credíveis, temos um ou dois jornais, cuja motivação para o tratamento do assunto já foi questionada e temos... os blogs.
Chegará para termos um país democraticamente, um pouco mais decente?
Claro que não chega. Que país deprimente!
Corrigido.
Publicado por josé 18:33:00
2 Comments:
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Mas a democracia funciona.Temos 230 deputados.Justiça independente e um PR com a bomba atómica.Que pode bem fazer como Sampaio fez.