Imagine-se...

Directamente da caixa de comentários do blog Do Portugal Profundo, copio uma ideia que complemento com uma história ficcionada de proveito e exemplo.

A história começa em 1975. Marques Mendes, o actual primeiro ministro de Portugal, matriculou-se em Setembro no primeiro ano do curso de Direito da Universidade de Coimbra.
Devido a afazeres da futura profissão, em Fafe, sua terra natal, onde o seu pai advogado tem uma posição de relevo político, o curso começa quase por correspondência. O jovem Mendes, passa mais tempo em Fafe do que em Coimbra e consegue passar em claro as aulas inflamadas de retórica do professor Aníbal Almeida e furtar-se às práticas dos assistentes de Introdução ao Estudo de Direito.
Mesmo assim, Mendes, que revela esperteza acima da média, consegue estudar por conta própria e matricula-se como estudante trabalhador para usufruir das vantagens da política local, em nome do PSD que se afirma, sem sofrer as desvantagens da política nacional educativa.
Ao fim de três anos consegue obter as cadeiras necessárias para se afirmar bacharel. Porém, em 1979, o PSD prepara-se para ser governo e Marques Mendes, está na linha da frente da luta política local, seja em Braga, seja em Famalicão, seja na capital. O curso fica em Coimbra e o bacharelato chega por ora.
Em 1980, vem a AD e a consagração de Sá Carneiro. Marques Mendes é figura de estilo importante e já com experiência política, no partido.

O curso de Direito fica a aguardar melhores dias, até meados dos anos noventa, altura em que Marques Mendes já é governante, no governo de maioria absoluta de Cavaco Silva. Nesse tempo de vacas gordas, o PSD no governo, tem alguns personagens do tempo de Coimbra, da faculdade de Direito que Marques Mendes frequentou, uma dúzia de anos antes.

Até aqui a história é parcialmente ficcionada, pois Marques Mendes acabou o curso de Direito em Coimbra, com licenciatura limpa e sem margem para dúvidas.
Por isso, cum grano salis, leia-se o que vem a seguir, pura ficção de proveito e exemplo e com a devida distância aos acontecimentos recentes.

Portanto, imaginemos que Marques Mendes, suposto bacharel em Coimbra, decide em meados dos anos noventa e quando era deputado com vista para o governo nascente de um PSD, acabar o curso de Direito.
Como está em Lisboa, iria para onde? Para a Nova por exemplo. Imaginemos que na Nova leccionava um professor que viera também de Coimbra; era do PSD e até tinha amigos comuns com Marques Mendes, embora este alegadamente nem o conhecesse. Imagine-se que Marques Mendes começa a frequentar o curso de Direito, na Nova, como estudante trabalhador e à noite. Imaginemos que na primeira aula, o tal professor que é de Coimbra, é do PSD e é amigo de amigos comuns, se apresenta a Marques Mendes, no fim da primeira aula.
Imaginemos agora que as cadeiras que são feitas na Nova, durante esse ano, são custosas, difíceis e o tempo não chega para tudo o que um Secretário de Estado pode fazer.
O que poderia resolver Marques Mendes, com ajuda explícita do tal professor? Mudar para outra universidade, por exemplo? Imaginemos então que a mudança se dá para a Independente, onde o tal professor também dá aulas, precisamente aos últimos anos do curso. Imaginemos que é esse mesmo professor quem assegura as equivalências de Marques Mendes, na mudança e lhe vai leccionar quatro das cinco cadeiras que segundo esse plano de equivalências, aprovado por quem nem tinha competência para tal, faltariam para concluir a licenciatura. A última cadeira do curso, é leccionada por um reitor que não existe nessa qualidade nem é sequer professor da cadeira. A prova final , é a um Domingo, como atesta o diploma entregue, assinado pelo tal reitor.

Imagine-se agora que passados dez anos se descobre num blog de um indivíduo que persiste na curiosidade em saber como tal curso se fez, que afinal não há documentação fiável e disponível para assegurar a validade formal dessa licenciatura.
Imagine-se ainda que um jornal de referência, começa a inquirir Marques Mendes, entretanto primeiro ministro de um governo com maioria absoluta na Assembleia, a propósito do percurso académico, dez anos antes e recebe como resposta, uma ameaça velada de processo judicial acompanhada de esclarecimentos que levantam mais dúvidas do que esclarecem, a menor das quais não será o facto de Marques Mendes nem se lembrar de quem lhe leccionou as cadeiras que faltavam, para concluir o curso.
Marques Mendes, então governante muito ocupado, aluno do tal professor, então colaborador do mesmo governo e partido, acaba o curso, num dia de Domingo de Setembro, com uma última cadeira leccionada pelo reitor da universidade, que se vem a descobrir depois que nunca poderia ter sido reitor, pois o verdadeiro reitor era outro professor catedrático que deu o seu nome e honra e que agora se cala e ainda se descobre que nem era sequer professor da cadeira de fim de curso, obtida de modo caricato, por correspondência.
Marques Mendes, agora primeiro- ministro, é confrontado com este problema da obtenção do seu diploma de Direito, pelo jornal que repescou uma informação publicada dois anos antes, num blog animado por um professor universitário. O professor interessou-se pelo percurso académico de Marques Mendes depois de ter desconfiado do modo como o mesmo o poderia ter obtido sendo governante e ao mesmo tempo, numa época em que a universidade Independente apenas iniciara o curso de Direito em causa.
Apesar de fustigado pela imprensa durante mais de quinze dias, para esclarecer as já muitas dúvidas que se levantam, Marques Mendes reduz-se ao silêncio, enquanto se descobrem outros pormenores através de entrevistas de responsáveis pela universidade Independente.
Os jornais não desistem e descobrem que afinal, o curso frequentado por Marques Mendes nem sequer tinha sido apresentado ao Ministério pela universidade, deixando a suspeita de que nem pudesse ter sido realizado naquele ano, quanto às últimas cadeiras dos últimos anos do curso.
Marques Mendes decide então dar uma entrevista à RTP na qual se defende dos factos conhecidos e divulgados, apresentando um diploma passado com data de Agosto do ano de conclusão do curso, desmentindo assim em directo o facto aventado de a licenciatura se ter concluído a um Domingo.
Imagine-se que no dia seguinte, se publica o facto de Marques Mendes que dissera apenas ter conhecido o tal professor enquanto aluno, ter sido aluno do tal professor, um ano antes do ingresso na universidade Independente e de ter sido o mesmo quem lhe avaliara as equivalências.
Imagine-se que Marques Mendes, afinal, dias depois, é obrigado a dar o dito por não dito e a reconhecer que afinal o diploma de curso era mesmo o do Domingo, porque se descobre entretanto, sem explicação plausível , que o diploma apresentado na Tv, está falsificado.
Imagine-se ainda que Marques Mendes confrontado com o facto, remete todas as explicações para a Universidade Independente.
Imagine-se ainda que se descobre que Marques Mendes, enquanto deputado, assinou e entregou uma ficha biográfica onde consta como profissão a de advogado e qualificações académicas, licenciado em Direito quando ainda era apenas bacharel. E que existe outra ficha rasurada. Ambas são cópias de um original que entretando desapareceu, sem explicação plausível. E que se descobre que como governante, Marques Mendes aceitou que a si se referissem oficialmente, no Diário da República, como licenciado, quando ainda o não era de todo.

Imagine-se ainda o que veio a seguir, as explicações contraditórias para os factos; a falta de documentos credíveis sobre a putativa licenciatura; as amizades perigosas que se mantiveram com o tal professor, nos anos seguintes a essa licenciatura, relacionadas com negócios que envolvem o Estado onde governavam amigos de Marques Mendes, ele mesmo e o tal professor.

Perante esta imaginação toda, prefigure-se o que diria disto tudo o líder da oposição, José Sócrates, no Parlamento e na televisão…para além do que diria toda a imprensa, rádio TSF e televisões em prise.

Ah! E o que faria o Presidente da República? Diria também que há assuntos mais importantes que este, não é assim mesmo?
E os jornais em geral? E a televisão?

Imagine-se, porque é um exercício fácil. E depois, veja-se a realidade que se nos vai deparando

Publicado por josé 21:58:00  

6 Comments:

  1. Cosmo said...
    Também directamente da caixa de comentários do blog Do Portugal Profundo, achei interessante este comentário:
    http://www.haloscan.com/comments/capuchos/117673776663527576/#247339
    zazie said...
    É que isto ainda foi pior do que se pensava. Espanta-me como não saltou cá para fora durante a campanha eleitoral. Há-de haver uma data de gente que estava a par da tramóia.

    Só não entendo uma coisa: porque é que o outro que foi de cana deu aquela entrevista com as notas tão elevadas e o famoso traquejo no Inglês técnico?

    Pois se o José apanhou logo as incongruências... se era recado já o tinha tramado
    naoseiquenome usar said...
    ... Não, com o Aníbal Almeida em Finanças Públicas e ave que este desenhava no quadro para afirmar que superavit não se escrevia superavit, mas sim superave, porque esta(va)mos em Portugal, isto, nunca poderia ser, sequer, ficcionado!!! :))
    Arrebenta said...
    Está em curso no "Braganza Mothers" uma campanha a favor do "impecheament" de José Sócrates.
    Agradece-se a leitura e divulgação.
    Isabel Magalhães said...
    Caríssimo José;

    Se fosse o Dr. Marques Mendes o 'heroi' da história, outro galo cantaria. Caía o Carmo e a Trindade, e, de 'fascista' para cima... ou para baixo, era sempre a eito.

    Continuação de um bom dia.
    H. Sousa said...
    Já lera em Do Portugal Profundo, achei bem visto. Seria uma verdadeira catástrofe nacional, basta ver que Santana foi, por simples queixas dos empresários (AIP) ao "choramingas" demitido, posto no olho da rua. E que Guterres se demitiu por causa do resultado pouco animador das autárquicas, já parece um conto de fadas. Este Sócrates, nem o Katrina o fará desgrudar...

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