Teletubbies

Por vezes, não aprecio o estilo de Vasco Graça Moura, uma espécie de Sousa Tavares um pouco mais sofisticado. Porém, ontem publicou no DN um texto de mérito sobre a TLEBS. Aqui fica, em plágio.

Há perto de um ano, abordei nesta coluna a questão da nova terminologia linguística para os ensinos básico e secundário (TLEBS).
Agora, com a serenidade olímpica e a autoridade incontestável que lhe vêm do muito saber académico, de uma longa experiência cultural e pedagógica e de um bom senso elementar, Maria Alzira Seixo, numa síntese fundamental, "A TLEBS e a educação" (Visão, 26.10.2006), põe em evidência como certos sectores da Linguística em Portugal (talvez, digo eu, por qualquer descompensação da ordem do freudiano...) se estão solenemente nas tintas para a Literatura e para o papel essencial que esta deveria ter no ensino e na aprendizagem da língua portuguesa.
Demonstra que nunca é inocente a substituição de uma terminologia gramatical por outra e anota não ser cientificamente consensual, nem isenta de muitas incoerências, a orientação universitária que foi imposta através da TLEBS e que não deveria, portanto, ter sido considerada "representativa para uma orientação ministerial".
Sublinha que nem a Gramática nem a Língua são feudo exclusivo da Linguística e estão também indissoluvelmente ligadas à Literatura e à Filosofia.
Exprime o receio, mais do que fundamentado, de que o pensamento subjacente à TLEBS não favoreça a qualificação educativa.
Denuncia o autismo teórico das concepções subjacentes à TLEBS e os "raciocínios tecnicistas e funcionais, com uma óptica exclusivista e auto-suficiente que, não dialogando com áreas centrais do pensamento humanístico, estreita a compreensão gramatical".
Aponta o lado abstruso, aberrante e incompreensível de muitos aspectos da terminologia em questão, bem como os equívocos a que isso dará lugar, tanto no plano da docência como no da discência.
E observa: "Não é por serem diferentes que as designações são inovadoras ou adequadas; Rodrigues Lapa mostrou há décadas, relacionando linguística e literatura, que a estilística da
língua matiza as categorias gramaticais e a actualiza em alterações da norma praticadas por escritores que criam valores que a categoria não contém e é a literatura que vai fixando."


A rematar, uma evidência clamorosa: "Ninguém pode obrigar um professor a ensinar mal."
Também Maria do Carmo Vieira publicou um excelente artigo, "O regresso da polémica", no JL de 25.10.2006, em que, depois de uma breve resenha da tragicomédia do ensino da Gramática, dá uma série de exemplos de pôr os cabelos em pé.
Entre outros, há pronomes indefinidos que dão agora pelos nomes sorumbáticos de "quantificadores indefinidos", "quantificadores universais" e "quantificadores relativos". Nos advérbios, encontramos coisas alucinantes como "advérbios disjuntos avaliativos", "advérbios disjuntos modais", "advérbios disjuntos reforçadores da verdade da asserção" e "advérbios disjuntos restritivos da verdade da asserção". O sujeito indefinido passa a ser o luminoso "sujeito nulo expletivo". O "aposto ou continuado" chama-se bombasticamente "modificador do nome apositivo", podendo ser do tipo "nominal", "adjectival", "proposicional" ou "frásico"...
Isto posto, o que é que leva a ministra da Educação a aceitar um conjunto de enormidades
deste tipo e a desatender as muitas objecções que, sem dúvida, lhe chegaram da parte de inúmeros professores?

Quem são os responsáveis que, no seu ministério, se vêm enfeudando a estas aberrações, conseguindo fazê-las consagrar na lei, com os resultados desastrosos que todos conhecem? Não lhes acontece nada? Ninguém pensa em pô-los na rua?
Não se vê que a avaliação dos professores, face ao novo estatuto, se vai tornar absolutamente impraticável nesta matéria? Nem que o ensino se vai degradar ainda mais?

Será isto uma política da Educação? Será assim que a cooperação com os outros países de língua portuguesa vai ser mais eficaz, no tocante ao ensino e promoção da língua comum?Não há um deputado à Assembleia da República para interpelar o Governo, uma associação de pais para protestar com energia, uma associação de professores para se recusar teminantemente a pôr em prática esta pepineira?
Assim como a sublimação implica a passagem do estado sólido ao estado gasoso, sem passar pelo intermédio, temos agora este trânsito da ignorância geral à embrulhada específica, sem se passar pelo estado intermédio e necessário de um ensino razoável e sensato.
Por alguma razão a palavra "gás" deriva de kaos. Esse será o resultado deprimente do ensino gasoso que a TLEBS nos prepara.

Publicado por josé 15:48:00  

1 Comment:

  1. Fadista said...
    Só agora é que se indignam?! Depois de mais de 30 anos de reformas, cada uma melhor que a anterior, que destruiram o que o nosso ensino tinha de bom e nada de bom acrescentaram, antes pelo contrário? Só agora é que acordaram? Agora, que temos um país tão recheado de ignorantes que, a maior parte se está bem a borrifar com o que os putos aprendem, desde que fiquem com eles nos armazéns-escolas?
    Queiram os céus que, agora, não seja tarde!
    A TLEBS vem tão somente na linha de inovação estupidificante iniciada pelo ME há já mtºs anos e, se bem me lembro, nem é novidade. Mas, pior que os curricula e conteúdos, perfeitamente abstrusos, irrealistas e inúteis, é o modo como a Escola funciona, as condições que as escolas têm,o modo como os professores são tratados por alunos e encarregados de educação e as relações que entre eles se estabelecem, a menorização que se tem feito da carreira docente, o permitir-se que qq um dê aulas, mesmo só com habilitação suficiente... Será que há, em exercício, médicos, advogados, biólogos... detendo unicamente habilitação suficiente?!
    Pois é! A escola é o início de tudo. A sociedade espelha-a e vice-versa... Seria inteligente cuidar bem da nossa Escola... seria mesmo "a prioridade", isto no caso de todos querermos o nosso País...

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