O rigorismo exacto

No espaço de blogs do Público, o Provedor do leitor, anima uma interessantíssima discussão, acerca da notícia, no mesmo jornal, sobre o alegado plágio do Equador.
A notícia, assinada por duas jornalistas, deu a conhecer ao público do Público, o facto de o escritor do “romance histórico” Equador, ter ameaçado com “pauladas” e manifestado a intenção de accionar judicialmente os autores anónimos de um blog, por causa de um alegado plágio.

Para o Provedor do leitor do Público, o essencial das críticas que dirige às jornalistas e à notícia em causa, reside na afirmação de que “as jornalistas tinham o dever de confirmar os factos. É isso que está em causa.”

Mas não parece ser apenas isso que está em causa. O Provedor do Leitor do Público entende que as jornalistas “passaram o risco” ao não confirmar os factos e infere-se da sua argumentação que as mesmas partiram de um preconceito, feito de opinião escrita. Esta, estaria traduzida na afirmação “assassina”, feita pelas mesmas de que no livro referido “Há muitas ideias parecidas e frases praticamente iguais”.

Para o Provedor do Leitor, as jornalistas, com aquela frase, emitiram opinião no sentido de insinuar a prática de plágio pelo autor ofendido.
O Provedor do Leitor, por sua vez, naquilo que escreve e argumenta, emite opinião contrária. Acusando o preconceito, incorre em idêntico preconceito, de sinal contrário.

É este, parece-me, o paradigma do jornalismo português. Um jornalismo em que a objectividade não é compreendida ( porque, segundo o Provedor, nem existe) como conceito autónomo e se confunde com “rigor, exactidão, etc”.

Um jornalismo em que um preconceito se combate com outro de sinal contrário, portanto e segundo se indicia. Valem, neste caso, outras ordens de razões: na impossibilidade(confessada) de uma objectividade, com a interferência mínima do subjectivo que inevitavelmente estará sempre presente, desloca-se o centro de gravidade deste tipo de jornalismo, para o “rigor e exactidão” que podem ser… subjectivos.
Numa notícia como a criticada, a objectividade consistia em quê, exactamente?
Em dizer o que se passava e mostrar os factos que se apresentavam ao conhecimento público. Tal e qual as jornalistas visadas pelo Provedor o fizeram. Um desses factos, porém, inelutavelmente, era a comparação entre duas obras literárias. Bem ou mal, tanto no blog anónimo, como noutro(s) não anónimos, foram apresentadas aos leitores essas comparações.
Então, que faz o jornalismo “rigoroso e exacto”? Publica opiniões. Exactas e rigorosas, claro. A opinião do Provedor é que as comparações não foram “checadas” e deveriam sê-lo. Mas…o Público tem “fact-checkers”? E se não tem, qual o papel dos editores? A cargo de quem ficará, neste caso, o rigor e a exactidão? E outra pergunta, a propósito, que isto é como um cacho de cerejas: quais as notícias em que se efectua mesmo, mesmo, mesmo, essa comprovação dos factos? Por exemplo, as que incidem sobre assuntos judiciários, são comprovadas, “a priori”? Como é que se pode julgar o jornalismo judiciário do Público, sob este ponto de vista? “Rigoroso, exacto e etc.?”

A discussão promete.

Publicado por josé 14:22:00  

5 Comments:

  1. Maria said...
    José, tem de o desculpar, o provedor ainda é novinho, está cheio de energia e ilusões, ainda tem muito que aprender ...
    zazie said...
    uma pescadinha de rabo-na-boca e muita cagufa de tocar em certas figuras públicas.
    JV said...
    “Há muitas ideias parecidas e frases praticamente iguais”.
    Se as jornalistas escreveram isto sem terem lido os livros em causa ( basta um deles) é evidente que não foram rigorosas,exactas, objectivas,etc.
    Form sim, levianas....
    Maria said...
    "Se as jornalistas escreveram isto sem terem lido os livros em causa ( basta um deles) é evidente que não foram rigorosas,exactas, objectivas,etc.
    Form sim, levianas.... "

    Foram tão levianas como qualquer outro jornalista que se baseia noutras fontes para escrever uma notícia. O que é muito comum e nunca um provedor de leitores pôs isso em causa.
    josé said...
    Coloco aqui um comentário do blog do Público, assinado por Fátima Rolo Duarte e que me parece uma maravilha. No tom certo, com o peso exacto e com um sentido de humor raro que gostaria de ler mais vezes. Aliás, nem me importaria de o ter escrito, mesmo que não o subscreva inteiramente.

    "Ex.mo Senhor Provedor do Leitor,

    Hesitei antes de escrever o que segue e que se refere ao recente «caso» Sousa Tavares por me parecer evidente que dar o corpo ao manifesto não é o mesmo que pô-lo a jeito para suportar «pauladas». Digamos que em casos desta natureza agressiva, trauliteira, talvez a estratégia da fuga fosse a mais indicada. Ninguém no seu perfeito juízo, muito menos eu, se entrega, voluntariamente, a refregas com queixas-crime à mistura, sangue, suor e lágrimas. Poupo-me e poupem-me a esse dramático teatro porque disto mesmo se trata.

    O meu nome é Fátima Rolo Duarte e chegou-me hoje pelo tradicional correio, veja bem, o recorte da página que assinou no passado dia 12 de Novembro. Não compro habitualmente «O Público» e não o assino online.

    Não me surpreende o que acabo de ler em «A Frase Mais (Parte I)» porque desde o início me pareceu que a questão se prendia com o facto de jornalistas, bloggers, opinion makers, todos de uma forma geral (exceptuando os anónimos bloggers da discórdia e outros silenciosos anónimos como eu) não possuírem, no momento preciso do «motim» a bordo da modorrenta cultura lusa, o livro da polémica «Cette Nuit la Liberté» ou a versão inglesa «Freedom at Midnight». De facto, por motivos circunstanciais, sou bibliófila antes mesmo de ser bibliófaga, passe a metáfora.

    Directa ao assunto: depois de percorrer o blog «Freedom to Copy» procurei o meu exemplar de «Cette Nuit La Liberté» e o «Equador». Dispus-me então a seguir as pistas lançadas pelo referido blog e não me foi necessário muito tempo para descobrir tal como o tinham feito o(s) blogger(s) anónimo(s), os traços literários de ambiente que, por osmose (?!) passaram das primeiras páginas de «Cette Nuit la Liberté» para «Equador». Até aqui nada de especial, tirando a constatação de alguma inépcia por parte de Sousa Tavares para se ultrapassar enquanto criador. Não considero grave que um escritor utilize em proveito próprio um bom livro de outro autor ou autores. Em alguns casos pode revelar-se particularmente útil. Prosseguindo na leitura comparada das duas obras eis-me chegada às fatídicas páginas onde o trabalho de Sousa Tavares assume contornos do maior descuido, penoso descuido. Refiro-me ao capítulo X onde se detectam, com efeito, os deslizes que vão do mais prosaico aproveitamento ao disparate completo. Não são assim tantos como isso os exemplos de trasladação. Continuo a achá-los mais patéticos que graves. Enquanto criadora, o plágio nem sequer é assunto que me interesse e o anonimato não me serve como tema porque feita a leitura dos dois livros me pareceu, desde logo, matéria lateral embora não deixe de ser assunto. Veja o Provedor Rui Araújo que escrever: «'Koh-i-nor', o fantástico diamante de duzentos e oitenta carates que fora a Jóia da Coroa do Império Moghul da Índia» (Equador, pag. 245) e encontrar na página 249 de «Cette Nuit La Liberté»: «le 'Koh-i-Noor' - 'La Montagne de Lumière', un fabuleux diamant de 280 carats qui avait été le joyau du trésor des empereurs mogols» é mais um «facto histórico» a juntar a todos os outros que salpicam, pata aqui, pata acolá, algumas páginas de «Equador» e que coincidem, pata aqui, pata acolá, com os factos históricos de «Cette Nuit La Liberté» dando de barato que a tradução nem sequer é má mas apenas distraída. Substituir o facto histórico «Altesse Exaltée» («Cette Nuit La Liberté, pág. 247) que Lapierre e Collins grafam entre aspas, como mandam as regras, pelo «facto histórico» «Sua Exaltada Excelência» (aspas minhas, inexistentes em «Equador»); («Equador», pág. 246) é, certamente, mera coincidência que não me tira o sono e ora me faz sorrir, ora me arranca sonoras gargalhadas pois parece evidente que há mais «liberdade» poética em «Equador» que entrega minuciosa, académica até, ao que, na defesa de Sousa Tavares por Sousa Tavares é «facto histórico». Assumisse Sousa Tavares o seu gosto pelo sampling, a sua condição de escritor hip-hop e «pump up the volume» (entre aspas).

    Entenda o Provedor Rui Araújo que antes de não me levar a sério permito-me, por esse mesmo motivo, rir de mim tal como espero que os outros o saibam fazer em causa própria. Serve este mergulho na perplexidade para lhe explicar o óbvio? De modo algum. Vejo a «coisa» do ponto de vista humorístico. O que já não me parece assunto para rir é o que se prende com o tratamento jornalístico do caso. E aqui encontro matéria mais que suficiente para fazer da comunicação social a notícia antes e depois da notícia.

    Não lhe roubo mais tempo. É com muita pena que assisto ao descambar progressivo do jornalismo em Portugal servido por condutores (de) ligeiros e com que cartas de condução? Foi o que li nas suas palavras embora a sua presença me pareça sinal de alguma esperança.
    Melhores cumprimentos
    Fátima Rolo Duarte
    Posted by Rui Araújo | 3:43 AM "

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