Afirma Pais


Alertado pelo Eduardo Pitta, fui ler a entrevista do director do Teatro Nacional São João do Porto, Ricardo Pais, no Público. Pais aparentemente perpetuou-se num livro escrito por outra pessoa e esse é o pretexto para a conversa. Que nos diz Pais? Desde logo, e devidamente aconchegado pelo orçamento de Estado e por Isabel Pires de Lima, zurze metodicamente em Rui Rio, que Eduardo Prado Coelho, num acesso metafísico, apelidou outro dia de "extrema-direita". Estão lá todos os clichés habituais contra Rio por causa de um Rivoli que Pais também deve cobiçar. "Arcaico", "pré-histórico", "invalorizável" constitui o essencial da adjectivação. Depois vem o comentário mais extraordinário e, sobretudo, revelador do conceito de democracia dos nossos sublimes "criadores": "O dr. Rui Rio tem um problema pessoal grave de relacionamento com os agentes culturais, os seus munícipes e a sua cidade. E este problema tem de ser resolvido." Tem? Como? Correndo com ele a pontapé? Rio, não sei se o Ricardo se tem isso presente, foi reeleito e com uma maioria absoluta dada pelos munícipes do Porto e não pelos "agentes culturais". Rio não o bajula, Ricardo? Paciência, ele andou na escola alemã, não é exactamente um "balzaquiano". "Recuamos 30 anos quando começamos a falar em saneamento versus cultura. A cultura é um factor de desenvolvimento como outro qualquer", afirma Pais. Plenamente de acordo. Acontece - e o Ricardo, fechado no seu labirinto, decerto ignora - que há para aí uma percentagem muito razoável de portugueses que não dispõe de água canalizada em 2006. Eu sei que isto é dum "reaccionarismo" e de um "populismo" primários, mas imagino que não faltem torneiras ao Ricardo. Por outro lado, sendo certo que a cultura é um "factor de desenvolvimento", não se deve daí concluir que os nossos agentes culturais sejam indistintamente "um factor de desenvolvimento". Nem sequer é preciso dar exemplos. Podemos ficar logo pelo Porto. A tirada infeliz sobre os comentaristas, "tropas de elite", na versão Pais - "a maior parte dos quais são "subsídio-pagos" através de instituições como o Instituto de Ciências Sociais, no pressuposto (certo) de que estão a fazer investigação histórica, mesmo que a História se considere ou não uma arte" -, fala por si. Que eu dê por isso, só costumam aparecer "comentaristas" e abaixo-assinados que andam ao colo com a "causa" da D. Regina e do sr. Alves contra Rio que é, aliás, o "correcto". Pais também tem a sua privada politicazinha do espírito: "A cultura é a área por excelência da ignorância. Como nós temos uma classe média muito inculta e uma série de comentaristas autocomplacentes, nunca perguntamos a estas pessoas se elas porventura não estarão a falar daquilo que desconhecem." Cá está um aproveitamento heróico-soviético do "lugar-comum" (o termo de Sócrates para a classe média) embrulhado na superioridade intelectual do criador. Ricardo, você vale mais do que esta pequenina pesporrência. Não será essencialmente essa gente que não vai ao teatro que o paga através dos seus impostos? Pais ainda tem tempo e lata para converter Cintra e o Teatro Aberto em monumentos nacionais - já são, é verdade - que "deveriam estar há muito tempo estabilizados com fórmulas próprias inscritas no Orçamento de Estado". Na cabeça do director do São João "não é o Estado que está a subsidiar o teatro, são as companhias que estão a subsidiar o teatro". Leu bem isto, profª Pires de Lima? Poupe rapidamente dinheiro. Volta-se a Rui Rio. "O programa do dr. Rui Rio não dizia que se iria privatizar o Rivoli, anexar o Rivoli ou parar com a política cultural que tinha sido seguida até ali (...) A expressão é dura [Rui Rio traiu os eleitores], mas é esta que eu usaria." Só o Rio, Ricardo? Acha que os munícipes que pagam o Rivoli (é teatro municipal) e outras coisas concordam consigo e com a D. Regina, ou com o presidente da câmara? Quando ocorrerem eleições, não é o Ricardo quem vai a votos nem as dezenas de "ocupas" do folclore do mês passado. É Rio. Logo se verá. Finalmente, Ricardo Pais, na sua falsa modéstia, insinua que "ainda" não sabe o que vai fazer quando o São João for uma EPE e avança com a sua "conversa" recorrente nestas alturas: "O que está escrito na lei é que o meu trabalho como encenador residente funciona como eixo principal da estratégia de gestão da casa. E isto não muda quando o teatro passar a EPE: o presidente do conselho de administração continuará a ser o director artístico e encenador residente. Mas há aqui uma coisa que gostaria de esclarecer: numa entrevista recente, transparece que serei inevitavelmente o presidente da futura EPE (...) Não, não sou de todo, embora o pressuposto da tutela [Ministério da Cultura] seja o de que continuarei". Pergunta: "Não gostaria de ser presidente do TNSJ pelo menos nos primeiros tempos de passagem a EPE, para assegurar uma transição tranquila?" Resposta: "Não disse que não gostaria de ser. Ainda estou a pensar". Pois, Ricardo. O que seria deste pobre e ignorante país sem portugueses clarividentes e humildes como você?

Publicado por João Gonçalves 21:59:00  

2 Comments:

  1. José Manuel said...
    "há para aí uma percentagem muito razoável de portugueses que não dispõe de água canalizada em 2006"

    Pois é. Normalmente corta-se na cultura, mas também~os portugueses que não têm água vão continuar sem ela.

    Rui Rio corta na Cultura, mas ao mesmo tempo a limpeza da cidade está cada vez pior.
    Ljubljana said...
    "Não consigo imaginar a minha vida se tivesse de optar todos os dias entre comer, vestir, comprar um livro, tomar banho ou ir ao cinema, sabendo de antemão que uma escolha impediria a priori a realização de qualquer outra."

    Joclécio Azevedo - Coreógrafo, director artístico do Núcleo de Experimentação Coreográfica - Porto
    (declaração feita no espaço de opinião do site da Câmara Municipal do Porto em Julho deste ano, a propósito da polémica do Rivoli)

    Este tipo de declarações só pode ter sido feito por uma pessoa de cultura que vive harmoniosamente e abastadamente à custa dos nossos impostos, sem ter que fazer concessões nem escolhas nas suas modestas pretenções diárias. Acontece que muitos milhões de cidadãos incultos deste país, que suportam o nível de vida deste senhor da culrtura, têm todos os dias que fazer esse tipo de escolhas, que ele próprio se recusa fazer, porque supostamente, pode. É também claro que este senhor nunca estudou sequer os rudimentos de economia que explicam estas escolhas. Nunca ninguém ensinou a este culto senhor, desde que ele nasceu, o conceito básico de que "os recursos são escassos, por isso, temos que fazer escolhas". Pois, ele é um homem de cultura e está muito acima destes comesinhos conceitos. Este modesto senhor da cultura, referido pelo João Gonçalves, deve ser amigo destoutro que eu aqui cito.

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