Brandos costumes
segunda-feira, junho 26, 2006
Dirigentes da Juventus, do Milan, da Fiorentina, da Lazio, o presidente da Liga e vários árbitros começam depois de amanhã a ser julgados em Itália por crimes de corrupção. O escândalo veio a público há pouco mais de um mês, mas a sentença deverá ser pronunciada já em Julho. Compare-se isso como o nosso pelintra "Apito Dourado", que está de novo suspenso na sequência de mais um pedido de recusa de um magistrado feito por um dos arguidos (e outros se anunciam). Serão os magistrados italianos melhores que os portugueses? Não, a diferença entre a justiça italiana e a portuguesa reside, fundamentalmente, nas leis. E quem faz as leis são os políticos, não são os magistrados. Ora o nosso Código de Processo Penal oferece aos arguidos com meios para pagarem advogados a tempo inteiro possibilidades ilimitadas para, com incidentes de toda a ordem e a propósito de tudo e nada, bloquearem o andamento dos processos. O resultado é a prescrição da maior parte daqueles em que há "poderosos" envolvidos. Por isso é que, ao contrário do que fizeram os dirigentes desportivos italianos mal foram constituídos arguidos, nenhum dos acusados do "Apito Dourado" se demitiu. Porque todos têm boas razões para acreditar que nunca chegarão a ser julgados."
Partindo desta crónica de Manuel António Pina no JN de hoje, que mais uma vez se subscreve na íntegra, adianto alguns comentários:
No texto Preambular no nosso Código de Processo Penal de 1987, e da responsabilidade de quem o elaborou, escreve-se assim:
“Procurou-se , em particular, tirar vantagens dos ensinamentos oferecidos pela experiência dos países comunitários ( Espanha, França, Itália, RFA), com os quais Portugal mantém um mais extenso património jurídico e cultural comum; países, de resto, todos eles, empenhados num processo de profunda renovação das insituições processuais penais.”
É sabido, em meios académicos e não só que o Código de Processo Penal Português, aprovado em Janeiro de 1987 e entrado em vigor um ano depois, se baseou, em muitas das suas disposições, no Código de Processo Italiano que ainda nem estava em vigor à data( só foi aprovado na Itália, em 22 Setembro de 1988 e entrou em vigor um ano depois) , mas cujo projecto já era conhecido do legislador português e por ele foi seguido.
O código de Processo Penal Português, por força de vicissitudes variadas e conhecidas, sempre a propósito de processos célebres com “famosos” da política e da vida social portuguesa, o último dos quais, é o famigerado processo casapiano, sofreu ao longo dos anos de vigência, alterações pontuais que se contam já por dois dígitos, sendo a maior delas, a operada com a Lei 59/98 de 25 Agosto, com Comissão revisora, presidida pelo Professor Germano Marques da Silva e que motivou entrevista rara do presidente da Comissão Revisora de 1987 e que aprovara o diploma original. Figueiredo Dias, de seu nome, declarou que a revisão deixara intactos, apesar de tudo, os fundamentos estruturais da sua obra original…
É esta obra, aliás já revista, que agora vai ser profundamente remodelada, com mais uma revisão, para a capar de veleidades que apesar de tudo ainda permitiam umas escutas “à italiana” e umas detenções “à maneira” da PJ que temos ( tínhamos?).
Esses procedimentos, conhecidos do Conselho da Europa ( muito citado no preâmbulo do Código, pela Comissão de 1987), e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, foram sendo gradual e rotundamente questionados pelo nosso Tribunal Constitucional, sempre que estiveram em causa interesses fundamentais, de terceiros notáveis. Basta ler as decisões em processos célebres já prescritos.
Então, surge naturalmente a pergunta lógica:
Se o nosso Código é, em certas partes, uma cópia do italiano, o que justifica que um processo de corrupção desportiva seja investigado por lá em tempo record, com o apoio de instrumentos legais e processuais, idênticos ou semelhantes aos nossos, com ampla informação da opinião pública , e por cá, esteja já tudo encaminhado para um desfecho de rato a sair de montanha, ou mesmo de anulação absoluta de todo o processado e arquivamento geral, como previsto por um constitucionalista como Gomes Canotilho e acompanhado de ameaças de procedimento contra magistrados e investigadores e pedidos de faraminosas indemnizações ao Estado, por violação de “direitos fundamentais”?
Em Itália, havendo famosos, poderosos e influentes até ao limite que o dinheiro pode atingir ( veja-se o caso Berlusconi), mesmo assim, as instituições judiciárias funcionam de um modo inaudito por cá: fazem-se buscas impensáveis que seriam criticadas por cá, ao ponto de obrigarem a mudanças de lei; fazem-se escutas, que por cá são sistematicamente anuladas com base em razões legais improváveis ( a impossibilidade de um único juiz poder ouvir 15 mil horas de escuta e controlar as mesmas, por exemplo);e a estabilidade das leis italianas, não se demove com ventos de interesses suspeitos.
Em Itália, a democracia funciona e o princípio da igualdade dos cidadãoes perante as leis, não encontra escolhos constitucionais de relevo; por cá, é sempre, sempre a mesma coisa: processo mediático que envolva pessoas influentes, é processo morto à nascença. E o problema grave, como escreve Manuel A. Pina, é que as pessoas já sabem e contam com isso mesmo, não sendo esta afirmação, uma figura de retórica argumentativa. É uma realidade demonstrável!
Lembro, no início do processo casapiano, a afirmação críptica de uma figura senatorial e do nosso Estado e que presidiu à AR: "as testemunhas podem estar a mentir..." .
Esta situação, comparada com a Itália, ou até mesmo com a França, que até tem outro modelo, envergonha-nos como país, como democracia e como povo. É intolerável e devemos dizer. Basta!
A respostas a estas perplexidades, deveriam ser dadas, em primeiro lugar, por Figueiredo Dias e Germano Marques da Silva, ambos professores catedráticos de Direito Penal, encarregados de serviço público de organização de leis fundamentais e que não se deveriam furtar a, democraticamente, esclarecer o povo, do modo como aplicaram os seus conhecimentos e porque razões as soluções que encontraram para os problemas têm dado no que têm dado e que todos vêem.
Mas para isso, é preciso que lhes coloquem as perguntas…e até agora, só o jornal O Diabo o tem feito. Os outros, fazem reportagens extensas, tipo novo jornalismo neo- realista.
Publicado por josé 13:10:00
A nossa lei NÃO É BEM igual à deles!
O que parece ser igual, é a estrutura básica e certas soluções concretas para problemas de processo penal, relacionados com direitos e garantias.
O problema da investigação propriamente dita e dos meios disponíveis; o problema das escutas e de quem as controla; o problema das detenções provisórias e a aplicação da prisão preventiva; o problema dos recursos e do modo como se efectuam.
Esses problemas estão resolvidos de alguma forma no Direito italiano e não se discutem sempre e de cada vez que pessoas influentes ( prefiro esta expressão a dizer "poderosos"), são presas ou incomodadas pela Justiça, como por cá acontece.
É essa a questão.
Outra ainda, é a de a investigação criminal em Itália, se efectuar de modo diferente e com outros meios que por cá não existem PORQUE O PODER POlÍTICO nunca o quis.
E esta razão, é suficiente, para se poder dizer que a nossa democracia é pior do que a deles.
Basta ler os jornais italianos para perceber o que se passa.
Por cá, sempre que alguma notícia saía a envolver alguns notáveis, aqui d´el rei que foi violado o segredo de justiça! E foi! O pior é que foi mesmo!
A diferença começa logo por aí...
Lá, os dirigente demitiram-se e encolheram-se em explicações coxas. Por aqui, nunca lhes faltou a arrogância de quem sabe que pouco ou nada lhes vai suceder em termos reais e que doam.
Assim, pode perguntar-se:
O mal reside nos magistrados portugueses, em comparação com os génios italianos?!
Ora, ora, caro atento.
Acabo de ler no DR que o ministro da Presidência nomeou para adjunta do seu Gabinete, " a licenciada Vera Ritta Branco de Sampaio".
Acha que devo escrever algo sobre isto, ou fica mesmo assim?!
Parabéns pela coragem do exercício moral e pela excelência do texto, José.