um balanço
terça-feira, janeiro 17, 2006
Quer seja eleito à primeira volta, quer não seja sequer eleito, quer seja reeleito daqui a quatro anos, a carreira política de Anibal Cavaco Silva, para todos os efeitos, terminará no próximo domingo, 22 de Janeiro. Tal como Soares, antes dele, Cavaco ficará para a história 'apenas' com o primeiro ministro que foi, e que mudou a face de Portugal, sendo o seu eventual mandato presidencial uma mera nota de rodapé. É inevitável. Fruto das opções tomadas nos últimos meses, fruto de uma estratégia tão profissional e tacticista que acaba a razar a ingenuidade, Cavaco vai alcançar, tudo o indica, uma vitória de Pirro.
Cavaco Silva abdicou nesta campanha de fazer um discurso 'duro', concreto e realista, um discurso 'duro' não 'contra' o Governo, ou a esquerda, mas um discurso sobre a realidade da crise e dos sacrifícios que se impõe, a todos, e que são inevitáveis. Aparentemente a conselho dos marketeiros, por sinal os mesmos que guindaram Sócrates, adoptou um discurso híbrido e delicodoce, onde pretendia aparecer como tudo, aos olhos de toda a gente. Acabou com maior ou menor vigor acantonado e catalogado como o candidato da 'direita', de uma direita sem alma nem memória, que até já canta embevecida a 'Grândola Vila Morena', e a quem só falta mesmo é elogiar Saramago.
Cavaco Silva podia ter sido o candidato da mudança, podia ter introduzido na campanha e no discurso elementos substantivos de reforma e de ruptura mas não. Apresenta-se como o candidato da continuidade, do regime, eventualmente da transição. Podia ter feito uma campanha sem recurso a aparelhos partidários, mas não resistiu, podia ter feito uma campanha sem líderes partidários mas não arriscou, podia até ter ido à Madeira sem pedir autorização ao regedor lá do sítio, Alberto João, e sem ceder à exigência de um ter que ouvir a grunhir num seu comicío, mas não ousou.
Será, sem dúvida, um bom presidente, sóbrio, sensato e respeitável, mas não mais do que isso. O discurso e a estratégia que adoptou, assim como a rapaziada, simpática, obdiente mas politicamente acéfala, de que se rodeou, não lhe permitirão muito mais do que isso. Por muito que se agitem fantasmas, não só por causa de uma hipotética 'reeleição' mas também por isso, a sua relação com Sócrates, e com o Governo, será pacífica e cordata, na exacta medida da relação deste com o eleitorado, e com as sondagens.
A Cavaco faltou a irreverência, a ousadia, Cavaco não apresentou, para além da competência, conceito vago e nebuloso, muitas vezes estragado pelas companhias, um modelo alternativo, e é por isso, pelas razões erradas, que, tudo o indica, chegará a Belém. Os portugueses não vão votar maioritariamente em Cavaco por quererem uma inversão de rumo, não vão sequer votar por razões ideológicas, vão votar em Cavaco sobretudo por descargo de consciência. Com Cavaco em Belém ficam com a consciência tranquila, Cavaco em Belém, apresentado por muitos dos seus apoiantes como um salvador omnipotente e omnisciente, resolverá os problemas todos e isentá-los-á, a eles eleitores, de sacríficios e responsabilidades adicionais. Não deixa de ser irónico, que quanto mais folgada, mais fácil, for a vitória de Cavaco, mais estreita será a sua margem de manobra, o que, bem vistas as coisas, não é necessariamente mau.
Numa primeira fase a imprensa, os analistas, e os intriguistas do regime, vão ver todas as intenções, em todos os actos, numa primeira fase PSD e PP vão continuar atordoados e desnorteados, como agora, em que abdicaram de praticamente fazer política com vista a não (!) 'ofuscar' Cavaco, mas depois, todos, inevitavelmente, vão ter de fazer o que não fizeram nos últimos 20 anos - reinventarem-se, porque Cavaco não os vai salvar - não tem, nunca teve, 'gente' para isso. O estado actual do PSD e do PP em que tudo ou quase tudo pode ser explicado por acontecimentos remotos no século passado não pode durar muito mais tempo, e não vai durar.
Quanto a Sócrates continuará entregue à sua sorte, com um PS em mutação. Vai ter que escolher entre uma via de esquerda 'pura', o que quer que isso seja, e uma via 'social-democrata', à Blair, que tanto pode encolher o PSD, como acabar com o PS fracturado, como aconteceu ao SPD alemão.
Sobre Alegre não há, ao contrário do que por aí se diz, muito para dizer. Vai ter votos, não pelas suas ideias, que ou não tem, ou são completamente insustentáveis, e contraditórias, mas tão simplesmente porque foi o que a esquerda encontrou de mais parecido com o estilo e a pose de Cavaco. Ao contrário de Louçã e de Jerónimo, 'simpáticos' radicais, Alegre não choca, não hostiliza, e sobretudo não impressiona. Junte-se um certo ar quixotesco (contra tudo aquilo que o manteve à tona nestes 30 anos) e está explicada a 'onda'.
No fundo estas eleições não são sobre 'política', são sobre a negação da política, são um passo, mas nunca um fim. E se calhar é melhor assim, que todos percebam que a 'salvação' não vem de cima, mas de todos nós, e de cada um, quando deixarmos de abdicar das nossas responsabilidades, e de as imputar a terceiros.
Dito isto, o meu voto vai para Cavaco, sem quaisquer ilusões, por ele, e só por ele.
Publicado por Manuel 15:24:00
Felizmente fala pouco, de contrario ainda o veriamos confundir o Almeida d'Eça com o Eça de Queiroz, o Thomas Mann com o Thomas Morus, a´Pasion com a Passionária...
Pobre país que se apresta para eleger tal individuo!
Por todas as razões que enumerou e mais algumas é que não votarei Cavaco.
Quatro?! Já estão a cortar nos poderes presidenciais do homem!