Será?


Ainda as escutas, sempre as escutas (José António Barreiros)

Uma pálida ironia a propósito das escutas telefónicas deu origem a comentários respeitáveis, que me fazem pensar que a questão subiu de tom. Para que se não perpetue uma polémica sobre meras palavras e eu nela seja tido como pensando o que não penso, eis o que [certa ou erradamente] tenho como conclusão quanto a esta matéria, fruto de ter participado na feitura da lei processual penal, tê-la visto aplicar e ter já sofrido na pele os seus efeitos:

1.º As escutas são um meio de obtenção da prova e por isso deve o escutado ser confrontado com elas em audiência, para que as explique e esclareça, em declarações ou depoimento, consoante o caso, pelo que não concordo que valha a mera audição ou leitura em audiência de excertos, quantas vezes desgarrados, do material escutado [ou muitas vezes nem isso] e tal possa se usado como «prova».

2.º As escutas são um meio excepcional de obter a prova e por isso o MP que as requer deve ser adstrito a fundamentar claramente porque motivo não pode ser feita a prova de outro modo e o juiz que as decide deve fundamentar de igual forma, para que não valha um sistema em que meros pressupostos formais legitimam um meio tão intrusivo, que em relação a certo tipo de crimes acaba por se tornar a forma mais cómoda de investigação.

3.º Sistema que permite um relevante poder a quem o detém, em função da natureza do material escutado, deve ser implementado um sistema nacional de controlo judicial que permita saber quais as escutas que estão a ser feitas [número de telefone, data de início e termo, processo em que foram determinadas, quem (nomimalmente) as requereu e ordenou e quem (nominalmente) as executou, identidade do escutado], tudo acessível pelos interessados [sujeitos processuais] logo que termine o segredo de justiça ou, independente disso, em casos tipificados em que haja razão legítima para o saber, para que não haja quem [magistrado ou OPC], através das escutas, obtenha informações sobre a vida política, financeira do país ou privada dos cidadãos sem que se saiba quem foi, como, porquê e para quê [para já não perguntarmos para onde vão futuramente essas pessoas e que uso dão a essa informação privilegiada] .

4.º Deve ser fixado legalmente um prazo estrito e curto durante o qual a escuta pode ser efectuada, para que não suceda haver escutas que duram meses, num sistema de pesca à linha que é uma autêntica devassa geral à vida das pessoas e exercício de «voyeurismo» abusivo.

5.º As escutas são um meio oral por excelência em que conta o dito e o modo como é dito e, por isso, autorizadas as intercepções por juiz, deve ser gravado tudo o que for escutado, sem selecção nem transcrição e cabe aos sujeitos processuais, sob o controlo de um juiz, requererem a audição do que tiverem por relevante para o caso, tendo o juiz meios oficiosos de suprir a iniciativa dos sujeitos, determinando a audição de mais excertos do que os requeridos, para que se ponha termo ao problema da selecção arbitrária e da contextualização.

6.º Deve ser controlado judicialmente, através de assessoria técnica especializada, o funcionamento do sistema de gravação pelos OPCS, do material escutado e a sua utilização como informação policial de referência, pois que o uso de tal material independentemente da ordem judicial de destruição, transforma as polícias em causa em polícias de informações, sendo certo que já foi reconhecido que em muitos casos o sistema Paragon mantém registos de escutas sobre as quais foi emitida ordem judicial de destruição e sendo certo que há duplicados [incontrolados] de CDS's atinentes a escutas sobre as quais incidiu ordem de destruição.

7.º Deve ser elaborado pela Assembleia da República, com a audição das entidades intervenientes [incluindo as operadoras] um livro branco sobre as escutas telefónicas, de que resulte uma visão objectiva da extensão e do modo como elas se processam, para que o assunto passe da retórica argumentativa em que se move [com arroubos de corporativismo e de ideologia] para o terreno seguro da constatação dos factos.

Como muito disto não é lei, legisle-se. Se for asneira, rasgue-se.

P. S. Todos falamos nas escutas da PJ. Mas uma pergunta que mostra que andamos a tentar equivocar-nos uns aos outros: mas é só a PJ quem escuta?
(Esta é, obviamente um pergunta para ser respondida aqui (do mesmo autor))

Publicado por Carlos 19:39:00  

0 Comments:

Post a Comment