O Relógio parado
domingo, janeiro 29, 2006
No blog Esplanar, um postal oportuno colocou tónicas sílabas na questão magna dos arranjinhos dos criticadores e critiqueiros dos autores literários e artísticos indígenas, nos jornais.
Alguns exemplares da fauna rara, mas preciosa, dos que escrevem bem e costumam receber por isso, já pegaram em armas para defender os coutos. Algumas prosas, são defensivas, de trincheira; outras, de formação para ataque cerrado. Outras ainda, declaram-se neutrais, como se estivessem na terra do relógio de cuco.
Ora, cucos, é o que não falta, nesta terra de louvaminheiros profissionais.
Não costumo ver os verbetes no Jornal de Letras nem as recensões para a gente Ler.
Porém, de todos os visados, virtualmente atarefados, um se destaca pelo compromisso: Pedro Mexia escreve em blog e nos jornais também.
Devo declarar que gosto da escrita, uma das mais escorreitas que apareceu entretanto e gosto dos temas, mesmo em croniqueta de canto de página, a recensear livrinhos que são para ler.
Dito isto, que leio eu no blog em causa de Estado Civil?
Um postal a avisar sobre um grande educador chamado Lester Bangs. E o texto pequeno, estende-se assim:
“Ando a ler Mainlines, Blood Feasts and Bad Taste, o segundo volume dos textos escolhidos de Lester Bangs. E confirmo: Bangs é o Arnaldo de Matos da crítica rock. E digo isto (estranhamente) como um elogio.”
Quem assim elogia o Arnaldo Matos da crítica pop, não pode a seguir, dar-se por achado na polémica da crítica exposta no Esplanar.
Escrever a preceito sobre música pop, no universo das revistas da especialidade, nos anos de brasa dos sixties/seventies, era um feito reservado a poucos. Escrever bem, quero dizer. Escrevinhar baboseiras, qualquer um o fazia. Além disso, o que poderia acrescentar-se, sempre que se ouvia cantar em sonoridade anglófona “WopBopaLoobopLopBamBoom”?!
Talvez aduzir: “BebopaLula” ou “TuttiFrutti” ou ainda “Rock, rock, rock”!
Apesar da limitação séria na escolha de adjectivos para qualificar a idiossincrática produção musical da época, alguns excederam o naipe disponível e tiraram cartas da manga para baralhar leitores.
Um deles foi Lester Bangs, na revista americana Creem(!).
As críticas publicadas a discos momentaneamente transcendentais, como os dos Black Sabbath( arghh!), dos Stones ou até do próprio Bob Dylan, fizeram escola entre os escribas das revistas pop-rock que publicavam algum texto, excepcionando-se àquelas que vendiam “posters” de parede para adolescentes na puberdade, como a Pop alemã ou a Salut les Copains, em França. Em finais dos sessenta, apareceram a Rolling Stone , a Creem e a Crawdaddy na América; na Inglaterra há muito que havia o NME e o Melody Maker sobre o mesmo assunto e que faziam companhia ao Disc music and echo que no início dos setenta, por cá se traduzia em publicação com o título e logótipo copiado: Disco, música e moda .
Porém, só com o aparecimento de Bob Dylan, a “escrítica pop” se tornou interessante. Greil Marcus, da Rolling Stone, assinou algumas das melhores páginas sobre a música de Dylan e não só, escrevendo ainda em 1975, uma obra de referência para o entendimento da cultura popular norte-americana- Mistery Train, sobre os prolegómenos à roda de “WopBopaLooBop”. Lester Bangs, ocupou-se depois do “BlamBamBoom” e o espaço para a crítica reduziu-se drasticamente. Sobraram alguns atarefados do Tutti Frutti, como Robert Christgau na Village Voice; Jonathan Cott e Dave Marsh, também da RStone. Este, em Dezembro de 76, escreveu na Rolling Stone, duas crónicas numa coluna intitulada American Grandstand, e que subintitulou Critic´s Critic.
Começava assim:
“There´s been nothing but grief since Newsweek (or was it the Sunday New York Times?) decided that rock critics invented Bruce Springsteen. Only a moron would have made such a claim. Yet it was dignified by serious consideration.More ran the obligatory dissection of the so called hype. Robert Christgau, the Village Voice putative Dean of the American Rock Critics, discerned a Rock Critic Establishment consisting of himself, John Rockwell of the daily Times, freelancer Paul Nelson, semi-retired Jon Landau an me.” Mais á frente, adianta: “ Little rock criticism is concerned with music, because most rock critics are less concerned with sound than sociology. This can have depressing consequences.” Oribem…
No número seguinte da revista ( 13 Janeiro 1977), terminava a teorização sobre o rock com esta passagem de antologia:
“The punk rock critics, led by Lester bangs and Richard Meltzer, clebrate cultural garbage- televised wrestling, franchised foods, Quaaludes- and often wander into racism and sexism. Unfortunately for the punks, some mass culture artefacts are just garbage- Bangs and Meltzer usually knows the difference but most of their followers and fellow punk critics do not, as a glance at an issue of Creem, their main outlet, quickly shows.
Pseudoacademics, on the other hand, insist that rock parallels literature and the resulting articles are often as opaque and obtuse as the worst scholarly papers. “
Esta lucidez na análise crítica aos críticos dessa forma de expressão popular que é a música rock, pode paralelizar-se com a crítica que vamos tendo por cá.
Em Março de 1977, o mesmo Dave Marsh, intitulava uma crónica “Hey Rocky, what´s a punk?” para escrever sobre uma forma de música ainda mais primitiva do que o celebrado “WopBop a LooBop”, encontrando-lhe no miolo uma ética inesperada:
“Punk to me as never just music or style, bur a set of standards, a code of behaviour, founded on friendship, acting on principle.”
Em Portugal, nessa mesma época, ninguém se importava muito com esse tipo de crítica elaborada. Basta folhear a única revista dedicada à música que então apareceu – a Música & Som, saída em 11 de Fevereiro de 1977, ou folhear o jornal semanário Sete, também dessa altura. Os textos de João David Nunes, Manuel Cadafaz de Matos ou até de João de Menezes Ferreira ou Jaime Fernandes, não figuram em nenhuma antologia imaginária. Nem poderiam aspirar a tal, perante o compromisso da capa, onde figura Art Sullivan e os Abba, mesmo que por baixo de uma imagem de palco dos Pink Floyd! É mistura a mais para um gosto de menos.
Foi preciso esperar pelo mês de Junho de 1980, para ler isto, num título de jornal – O Jornal - a falar de música rock:
“Coque o roca, identifique o frique” ( Guia da fauna musical Lusitana). E de seguida uma página inteira a elencar estilos e géneros. “Os Punques ( vomitus vulgaris).2.Do inglês “punk” que significa rufia. 3.Punkrácio,Pancão ( segundo o Dic. Cândido de Figueiredo : homem maníaco, telhudo). Substantivos colectivos: Puncalhada, Pancaria. O feminino é Punquette. 4. Música punk, anti-música regida pelas técnicas da surdez e da inaptidão com vocais tipo ardina rouco e letras sobre a destruição absoluta da sociedade através da apatia.”
No número seguinte o título variava para “ Dar azo a um Jazo, ou ares de Muzaque a Mozart” Os jazos são os “Bluenotius Biliosus” e os Muzaques são os “Labregus Parolus” e definem-se pela raiz “muzak”, “deturpação da palavra “música” e significando isso mesmo”.
O autor destas prosas inovadoras e aliteradas, tinha um nome composto :Miguel Esteves Cardoso e a crítica musical portuguesa nunca mais foi a mesma.
Não obstante, em França, por exemplo, não esperaram por tão serôdias inovações para refinar a escrita sobre música popular.
Em Abril de 1977, numa recensão crítica a um disco de um artista antes estimado ao paroxismo- Nils Lofgren e o LP I Came to Dance- o crítico implacável da Rock & Folk, Philippe Manoeuvre, desdenhava da obra nestes termos traduzidos como é possível:
“Este disco não merece uma grande crónica.(…)A primeira vez que ouvi o primeiro lado, quase adormecia, de tal forma é monótona. Estava á espera de “Happy”, e de repente, tchac, vrrrrt! Bem…já acabou? Tomado de um horrível pressentimento, o suor a escorrer costas abaixo, pouso a agulha no último trecho…Sim, era isso mesmo! “Happy”, mas em 16 rotações, pegajoso como uma mistela de cola! Ila va râler, Keith! Même Bowie, au pire de sa période mégalo, n´aurait pás osé en faire autant! Et rien ici ne permetd´indiquer que Nils va revenir ensuite au rockn´roll! Supposons juste que l´un de cês morceaux fasse un hit aux États Unis? Ça y est, c´est foutu pour toujours! “ e como remate: “Il est rare que je casse un álbum, mais celui-là gît au fond de ma poubelle. C´est un cauchemar.!”
Deste tipo de textos, por cá e até então, não havia. A estética da Gaiola Aberta, não conta para este campeonato. E de MEC, passou a haver umas variações. Porém, sempre no mesmo estilo e com os temas a esgotarem-se ao longo dos anos. Hoje, parecem esgotados de todo. O estilo continua vivo; a essência está morta.
O interesse pela escrita de MEC, hoje, jaz no fundo do caixote…do lixo.
Assim, retomando a polémica, espero ver sair da luta escrita em punhos de renda , algumas novidades. Pode ser que arrebitem a estamina e provoquem a língua escrita.
Pode ser…mas não tenho grande esperança, como se confirma pelo tom conciliatório dos últimos postais. A vidinha, pois...
Afinal, andamos atrasados no relógio do tempo, em relação à civilização, quanto? 20, 30 anos?! Bem, se assim for, estamos quase a chegar lá…
Aditamento em 30.1.2005:
Depois deste postal, no Esplanar, João Pedro George retoma a polémica, colocando novamente os pontos nos ii.
Não há tergiversações nem paninhos quentes ou punhos de renda. O recado é directo e sem hipocrisias. Raro.
Melhor, no género e sobre assunto de teor idêntico, só mesmo aqui, no Dragoscópio!
Publicado por josé 18:21:00
1 Comment:
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- zazie said...
2:34 da tarde, janeiro 30, 2006é verdade. Comecei a dar-lhe atenção desde a entrevista ao Luí Pacheco e fiz uma busca aos históricos que me agradou. O George não é para paninhos quentes, escreve muito bem e com imenso sentido de humor