O advento
quarta-feira, janeiro 18, 2006
Talvez valha a pena recordar um texto publicado nesta Loja, já em 2004, agora que se fala na substituição do PGR.
A revista Pública, em 12 de Janeiro de 1997, publicou um extenso panegírico de 16 páginas, consagrado a “Zé Narciso”, profusamente ilustrado, com fotos que só poderiam ter saído dos álbuns do próprio panegirizado. A carreira de Cunha Rodrigues, segundo Áurea Sampaio, a autora do escrito:
“...em Fevereiro de 1975 é convidado para vir para a Procuradoria Geral, como procurador-adjunto ( deve referir-se que CR era á época juiz de direito, nota de copista).
A família fica no Porto (...) . Um ano depois, já Almeida Santos era ministro da Justiça, o Governo decide fazer a adapatação do sistema jurídico à nova Constituição. Era necessário não só proceder à revisão dos códigos, mas também adequar todo o sistema judiciário à separação das magistraturas. Com esse objectivo, o ministro reúne no seu gabinete um conjunto de entidades, entre as quais o procurador geral Arala Chaves, que levava consigo o jovem magistrado Cunha Rodrigues. “Eu não o conhecia, mas as intervenções que fez e as impressões que trocámos depois revelaram uma clareza de pensamento e uma profundidade de conhecimentos que me levaram a pensar : é este o meu grande auxiliar para este processo”, diz Almeida Santos.
Esteve ano e meio no Ministério e trabalhou tecnicamente em todas as leis orgânicas, nos estatutos dos magistrados judiciais e do Ministério Público, Organização Tutelar de Menores, Lei do CEJ...
A sua grande vantagem era aquilo que, nos meios jurídicos, é considerado um conhecimento “verdadeiramente enciclopédico” na área do Direito Comparado. Admite que o assunto é uma das suas “manias” e que isso lhe permite chegar junto dos responsáveis políticos, mostrar as soluções neste ou naquele país e propor caminhos. Mas reage algo violentamente quando apelidado de “arquitecto” do actual sistema judiciário: “Não, o sistema tem sido muito pensado por mim e muito estragado por outros”.
Assume a postura de técnico que teve “alguma influência” e assistiu , decepcionado, ao desvirtuar da sua obra. “ As leis, em vez de terem progredido, foram perdendo a sua identidade e a sua raiz.” Porquê? “Porque não correspondem ao modelo desenhado en 25 de Abril. Foram criadas normas e feitas reformas que não correspondem a esse paradigma”.
O Procurador não gosta nada de se lembrar disso e recrimina-se: “Aí tenho culpa, porque eu próprio podia, a certo momento, fazer a ruptura com o sistema ou então entrar nele para o mudar.”
E continua o artigo de Áurea Sampaio:
Por trás da nomeação de Cunha Rodrigues como Procurador Geral da República esteve um conflito( mais um) entre Mário Soares e Ramalho Eanes, então presidente da República. Estava-se em 1984 e o Governo era de Bloco Central, com PS e PSD coligados. Surge então a polémica sobre se o cargo de Procurador devia ou não estar sujeito a limite de idade. O Executivo achava que sim, argumentando que toda a administrção pública estava abrangia por esse limite e o facto de isso não acpntecer no caso do PGR conferia ao cargo “uma natureza política que não devia ter”, segundo recorda Rui Machete, entáo ministro da Justiça. Por seu lado, o Presidente entendia justamente o contrário. Isto é, “o cargo não devia estar limitado por nenhuma baía”, coomo relembra o general Eanes. Na altura,”pesava tanto o cargo de PGR que este só devia sair se não houvesse confiança nele”, adianta.Neste jogo de empurra, e sem qualquer comunicação pévia ao PR, Mário Soares avança publicamente com o nome de Cunha Rodrigues para substituir Arala Chaves, que chegava aos 70 anos. Estava-se no auge da guerra entre S. Bento e Belém e Soares terá fintado o Presidente, que desejava ser ouvido na escolha.Quem sugeriu o nome de Cunha Rodrigues foi Almeida Santos, que com ele trabalhara, anos antes, na reforma do sistema jurídico. “Mário Soares não o conhecia bem, mas confiou em mim e o dr. Mota Pinto também já tinha dele boa impressão”. Também Rui Machete já fizera as suas “démarches” e, entre vários nomes, chegara à mesma conclusão. Com “padrinhos” desta monta é natural que o Conselho de Ministros acabasse por aprovar a indigitação de Cunha Rodrigues, que assim derrotava Pinheiro Farinha ( depois nomeado presidente do Tribunal de Contas) e Marques Vidal, então vice-Procurador e considerado o natural sucessor de Arala Chaves.Quem não via a indigitação com bons olhos era o Sindicato dos Magistrados. É Maximiano Rodrigues que o revela. “ Em 84 eu integrava uma corrente que não apoiava Cunha Rodrigues, tido como figura próxima do PSD, o que se entendia ser negativo para uma magistratura muito formada em 75”. Hoje arrepende-se dessa análise. “Verifiquei que o comportamento dele não tinha nada a ver com essas correntes (PSD), nem com quaisquer outras”.Embora considerando “não terem sido apresentados contra-argumentos suficientemente convincentes” para contrarias as suas razões, Eanes acabou por nomear o novo Procurador. “ Para não criar perturbações”, justifica. Ou por não ter outro remédio...”
Publicado por josé 17:53:00