"Quid Juris?"
sexta-feira, dezembro 09, 2005
E a propósito: em que é que deram as investigações da judiciária e do ministério público sobre o alegado branqueamento de capitais e fraude fiscal no sistema bancário português ? Alguém sabe alguma coisa? O manto de silêncio que caiu sobre o assunto deve-se, com certeza, ao respeito devido pela sacrossanta instituição do segredo de justiça, zelosamente guardado pelas autoridades judiciais portuguesas sempre que semelhantes diligências incidem sobre, digamos, matérias sensíveis.
Tamanha consideração só é suplantada pelo sentido de responsabilidade com que a imprensa nacional encara estas mesmas delicadas bizarrices da justiça. Quando os assuntos objecto de investigação são "sensíveis" nem mesmo ao mais atrevido estagiário da TVI passa pela cabeça questionar este status quo. Sempre que o objecto de investigação é "sensível", ou melhor, sempre que os personagens objecto da investigação são "sensíveis" (coitadinhos...), o segredo de justiça fica mais forte que o dever de informar. E são de conhecimento geral os zénites de sensibilidade que os banqueiros nacionais conseguem atingir em determinadas circunstâncias. Os angariadores de publicidade da nossa imprensa, escrita e falada, que o digam.
Não tivessemos nós ficado a saber, pela boca de Ferro Rodrigues, o nível de consideração de que goza a dita sacrossanta instituição em certos círculos de poder, semelhante, aliás, ao demonstrado pela generalidade da imprensa na cobertura do processo da Casa Pia, poderíamos até confiar e esperar ansiosos o aturado e silencioso labor investigativo das formiguinhas da judite e do MP.
Só que as coisas não são bem assim. Em Portugal sempre que alguém publicamente se afoba em proclamar a sua imensa fé nos tribunais ou defende com um ardor de condestável o segredo de justiça é certo e sabido: o interesse no desenlace da questão é nulo (vide Apito Dourado). Os mecanismos da justiça no país beneficiam prevaricadores e relapsos que, não raro, recorrem eles mesmos aos tribunais quando querem ver a resolução de um assunto postergada ad aeternum. Do mesmo modo, o segredo de justiça viu o seu fundamento pervertido e serve apenas para ocultar a ineficiência, a falta de meios ou mesmo as cunhas, a pequena corrupção e a má-fé corporativa que minam todo o sistema judicial português.
São no entanto inúteis as críticas tão recorrentes ao funcionamento da justiça em Portugal que têm como alvo principal os seus agentes. Não depende deles a elaboração da reforma judicial. Tal competência é exclusiva da Assembleia da República, onde os partidos políticos (que funcionam como abrigo ou suporte de alguns dos lobbyes que nos últimos tempos têem usado os tribunais como arena para encarniçadas disputas) andam há anos a trombetear a necessidade da reforma redentora. O que é certo é que, apesar de todos concordarem com a urgência da empreitada, de todos saberem exactamente quais são os verdadeiros problemas e onde estão os pontos de estrangulamento e de não existirem divergências irreconciliáveis sobre o âmbito e conteúdo do projecto, os resultados produzidos em sucessivas legislaturas foram incipientíssimos, para não dizer nulos. Ou seja, não existe verdadeiramente vontade política para mudar.
Para quem risca alguma coisa em Portugal, as coisas estão muito bem como estão.
in Gândavo
Publicado por Manuel 14:52:00
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