o estado da Arte


Noutras áreas de investimento financeiro, esse acesso privilegiado ("inside trading") é fiscalizado e punido, mas o álibi da cultura recobre alguns mercados de uma aparência de pura virtude.

Alexandre Pomar



Compreender o fenómeno (e o atraso) cultural em Portugal passa também pela análise das teias e cumplicidades que no meio se criam e alimentam um sem número de “negócios” de intencionalidade mais do que duvidosa. Raríssimas são as excepções que, contra a corrente da indiferença, tem vindo a denunciar esquemas perversos que vão desde o “negócio consigo mesmo” ao “tráfico de influências”. Um exemplo dessa acção cívica e, diria mesmo, de prestação de um serviço público é a denúncia diária da confusão que há entre servir a causa pública com negócios privados à mistura que o blogue Formiga Bargante tem vindo a denunciar a propósito do Museu do Chiado, em Lisboa. Ontem mesmo, republicou um artigo que o crítico e jornalista do Expresso, Alexandre Pomar, há cerca de dois anos escreveu neste jornal e de onde se retirou a epígrafe a esta posta por resumir o essencial do panorama cultural português. Tudo é feito às claras e com o maior dos descaramentos e por vezes, mesmo, com o ar de que se está a fazer o maior dos fretes. Tal só acontece porque existe total conivência dos poderes públicos que facilmente se endeusam com as excelências que colocam ou herdam à frente das entidades que deveriam tutelar, permitindo que estas continuam a pôr e a dispor a seu bel prazer na condução do que deveriam ser políticas culturais, totalmente públicas e acima de qualquer suspeita.

Isto também a propósito da audiência parlamentar que ontem a ministra e o secretário de estado da cultura foram submetidos a propósito do modelo institucional da Casa da Música [Porto] e aonde o último estabelece como princípio O director artístico deverá ser um grande profissional, uma espécie de José Mourinho que não aceita quaisquer condições de trabalho. Por isso deverá ser escolhido pelo Conselho de Administração por maioria classificada, esquecendo-se que um bom director artístico não é aquele que fazendo-se, e sendo, caro para as reais possibilidades do país exige condições de trabalho ideais, mas sim aquele que com poucos recursos atinge igualmente, quando não para melhor, a excelência no resultado. Trate o senhor secretário de estado da cultura de conhecer e estudar case studies como o La Monnaie, em Bruxelas, ou mesmo alguns centros de arte na Grã Bretanha e verificará que o salto qualitativo que estes tiveram não foi por causa das condições ideais – que nunca se obtêm - mas sim devido a uma mudança de actuação provocada pela escassez de recursos, passando esta pela escolha de pessoas e perfil que, sem perder o norte da missão e da identidade do projecto, souberam casar a arte com a eficácia e a eficiência, arredando-a do espectro das contas mal feitas ou por fazer.

Publicado por contra-baixo 14:56:00  

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