o 'cheiro'...
domingo, novembro 13, 2005
Luciano Amaral assinou, quinta-feira, no DN, um artigo pretensamente fulminante a propósito dos recentes eventos em França. O título é pomposo, 'cheiro a Weimar', e o final apocalíptico (!?), e, pelo meio, como contraponto a uma série de clichés esquerdistas temos uma série de clichés alegadamente 'não-esquerdistas', mas que enfermam do mesmo vício de forma dos da 'esquerda'. Não descrevem a realidade, mas tão somente descrevem visões 'confortáveis' e convenientes da mesma. Para Luciano Amaral resume-se tudo a três questões as quais, diz ele, 'ninguém na Europa quer discutir a sério, o comportamento demográfico dos europeus, a imigração, o Estado Social e o radicalismo islâmico'. Ora, sendo estas três questões prementes não me parece que sejam elas que estão no epicentro dos fenómenos recentes em França, antes estão a ser usadas como 'tampão' para, muito convenientemente, evitar discutir assuntos ainda mais sérios e preocupantes. Sobre a imigração, está por provar que a vaga de incidentes em França seja provocada, pese a retórica governamental, mais por imigrantes de segunda geração, do que por filhos de retornados franceses, ou até por franceses 'puros' de várias gerações, sobre o radicalismo islâmico, por muito pertinente que seja o tema, não tem nada a ver com o caso, como o comprova o recente vandalismo numa mesquita. O problema, a génese do problema, é simultaneamente mais complexo e mais simples, e de certa forma ainda mais problemático que o do fundamentalismo, seja este qual for. Um fundamentalista fanático acredita em alguma coisa, nem que seja num outro mundo, e se não tem grandes pruridos em destruir este, fá-lo em prol de algo, tem pois, uma 'moral', distorcida, mas tém. No caso presente temos algo muito pior e muito mais perigoso. Um patamar superior de alienação, onde não se acredita, muito menos se espera, em nada, nem cá, nem 'lá', pelo que vale tudo. Não há valores, referenciais, não há nem Bíblias nem Corões, para contextualizar, nada, rigorosamente nada. É o vácuo completo. E é este vácuo, pós-niista, que muitos não querem ver, e preferem ignorar, recorrendo aos chavões conhecidos. Um vácuo, egoísta, que leva uns a considerar umas tarefas mais dignas e próprias que outras, um, mesmo, vácuo que leva outros a pensar que já não há mais nada para v(iv)er, e a enveredar numa espiral, de violência, sem retorno, a qual é vista como uma saída, tão legítima como outra qualquer, um vácuo, onde tudo é relativo e legítimo, dado um contexto. Com ou sem défice demográfico, com ou sem imigração, com ou sem fundamentalismos, este problema existe, e tende a agravar-se. Convinha pois que se discutisse a sério, antes que seja tarde de mais. É que sobre Weimar o problema, ao contrário do que se infere do texto de Luciano Amaral, foi mesmo um de vacuidade. Face às adversidades todas as opções passaram a ser consideradas (a)moralmente legítimas, e daí ao nazismo foi um passo... Termino com uma sugestão de leitura, do 'Amesterdão' do Ian McEwan, que ganhou um 'Booker'. Escalem a 'solidão' e vazio, até o desespero, dos dois personagens, burgueses qb e que aliás no final se 'homicidam' um ao outro, a uma multidão, sem identidade nem dinheiro, e parem um bocadinho para pensar, ou não. Se calhar o pessimista sou eu e não há necessidade de ter razão antes do tempo.
Publicado por Manuel 16:51:00
1 Comment:
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- zazie said...
8:14 da tarde, novembro 13, 2005Manel, já o disso e repito: no dia em que encontrarem uma ideia- uma única que seja nesse Luciano avisem-me. Ele está para os académicos como os Luis Delgado está para os jornais. Um papagaio de salão