O velho "novo homem português"
sábado, outubro 29, 2005
Depois de escutar com atenção a leitura do "manifesto" de Cavaco Silva - ao contrário do Paulo Gorjão, não tenho paciência para os ler -, percebi que aquilo ia levar muita pancada. Salvo meia dúzia de interessados que, por dever de ofício ou por malícia, os têm de consumir, ninguém que esteja de bem com a vida perde um segundo com manifestos eleitorais. Não é por aí que se perde ou ganha o que quer que seja. De Soares veio o trivial. De Cavaco, chegou aquilo a que Vasco Pulido Valente hoje chama (link indisponível) "um manifesto misterioso". A crítica mais imediata é de que se trata de "um programa de governo". Não é, embora pareça. Cavaco propôe um programa de ajuda pessoal e política ao governo, seja ele qual for. Para o efeito, viu-se na necessidade de falar praticamente de tudo. Foi a opção dele e de quem o aconselhou - não seria a minha -, o que deu ao "manifesto" um "tom" misto de redacção e de dicionário de lugares-comuns políticos, como sublinha Pulido Valente. Qualquer coisa de mais escorreito teria servido perfeitamente o propósito. No fundo, Cavaco quis voltar ao velho mito do "novo homem português", revisto, corrigido e aumentado para o século XXI. Não vale a pena. O "novo homem", o dos anos noventa, deu no que deu. Arrivista, irreformável, ambicioso, ignorante e melífluo, este "produto" da democracia está espalhado, como praga, um pouco por toda a parte, do Estado à "sociedade civil". Quando as coisas mudaram, passou-se, com a tranquilidade própria dos invertebrados, e depois de ter sumariamente liquidado o "pai", para o aconchego maternal do "socialismo" de Guterres o qual, quando deu por isso, já estava enterrado no célebre "pântano". Vieram Barroso e Santana Lopes e, aí, o nosso "novo homem" tornou a prosperar com o "tempo novo" daqueles dois. Sócrates renovou a "ambição" ao propôr, em vez de um "novo homem", um "homem novo" para uma legislatura. É mais do mesmo. Há coisas onde, por bom senso e pudor, não vale a pena tocar. Nem Sócrates nem Cavaco nos livram da sua essencial viscosidade. O velho "novo homem português" veio para ficar. Não muda e nem eles - muito menos eles - o conseguem mudar.
Publicado por João Gonçalves 22:15:00
1 Comment:
-
- Arrebenta said...
11:52 da manhã, outubro 30, 2005Muitos parabéns pelo texto
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)