Eurominas
resposta de José Lamego

Sobre o Caso Eurominas, José Lamego, publicitou hoje no Público, a sua resposta ao artigo de José António Cerejo (e não só) , exercendo um direito de resposta cuja publicação neste blog me parece também revelar-se curial.

O texto é o que segue:

Publicou o PÚBLICO na sua edição de 23 de Setembro, um extenso artigo assinado pelo jornalista José Antônio Cerejo onde refere a minha intervenção no processo de arbitramento de uma indemnização à empresa Eurominas por reversão para o domínio público marítimo dos terrenos onde era exercida a actividade industrial dessa empresa..

Todo o artigo está assente numa total manipulação, misturando factos reais com deliberadas omissões e fugas à verdade. Sabe bem o jornalista que, ao contrário do que afirma, nunca acompanhei "enquanto membro do Governo" o referido processo. Sabe bem o jornalista que o reconhecimento do direito à indemnização se efectua por Resolução do Coelho de Ministros, que procurou atalhar a inconstitucionalidade e a ilegalidade do decreto-lei do Governo do doutor Cavaco Silva que operou a reversão. Esse decreto¬lei configurava, pura e simplesmente, um confisco dos 86 hectares e das benfeitorias aí realizadas. Para um Estado-membro da União Europeia não estava nada mal... Admito que o senhor jornalista tenha uma visão ideologicamente diferente da minha sobre os direitos de propriedade garantidos pela Constituição e pela lei. Mas seria de elementar honestidade intelectual referir os pareceres juntos ao processo que referiam a monstruosidade jurídica consubstanciada no referido decreto-lei de reversão, pareceres emitidos por jurisconsultos como os doutores Freitas do Amaral, Rebelo de Sousa, João Caupers e Menezes Cordeiro. Ou poderá o facto de esses jurisconsultos ensinarem ou terem ensinado na mesma faculdade onde ensino propiciar ao sr. Cerejo mais um elemento confirmativo da sua tese de concertação de influências para ilicitamente beneficiar uma "multinacional" (segundo as suas palavras?)

Faz o jornal de V.Exa como subtítulo Seis anos de negociações à margem dos tribunais. A epígrafe é cavilosa, mas, sobretudo, hilariante. Acreditará alguém de bom senso que se tivesse havido alguma maquinação entre os que a nível decisório contribuíram para a decisão final e os interesses privados o processo se teria arrastado por tanto tempo?
Não poderão antes esses "seis anos" ser vistos como um factor de exasperação e sintoma da demora como qualquer questão é resolvida nos nossos sistemas administrativo e judicial? Acresce aos mais de 15 anos em que os processos judiciais se arrasaram pelos tribunais...
Desculpe-me V.Exa a desfaçatez de emitir opinião e não me limitar a relatar factos, mas quer o resultado final, quer, sobretudo, o arrastamento de todo este processo, em vez de indiciarem favorecimento ilegítimo, indiciam, isso sim, tratamento arbitrário e prepotente de uma empresa por parte da administração pública, parcialmente corrigido ao fim de uma verdadeira via crucis.
Não vou fazer perder o seu tempo, o meu tempo e o dos leitores a rebater ponto por ponto as fantasias do jornalista José António Cerejo, mas quero formalmente significar-lhe, senhor director, que esse artigo é ofensivo da minha honra pessoal, profissional e política, tendo servido de base a artigos de opinião tam¬bém publicados no PÚBLICO e que tripudiam com os factos, englobando-os numa cruzada ideológica e política.

Informo também V.Exa. que já tomei ao nível da Comissão Parlamentar de Ética e que vou tomar a nível judicial as medidas necessárias à reposição da verdade e à reparação dos danos causados.

José Lamego, Professor da Faculdade de Direito de Lisboa

Na mesmo jornal Público, de 5.10.2005, Fernando Rosas comentava o caso, em termos que parecem já ter sido lidos por José Lamego, e que por isso mesmo se torna interessante reproduzir aqui...

O jornalista José António Cerejo publicou na edição do PÚBLICO do passado dia 23 de Setembro os resultados de uma investigação que realizou ao desenvolvimento do conflito entre o Estado português e a empresa Eurominas, cujo desfecho ocorreu em Maio de 2001, após seis anos de controvérsias judiciais e complexas negociações.

Eu creio que vale a pena voltar ao assunto, sobretudo do ponto de vista da ética do serviço público. Precisamente a razão pela qual, parece-me, tanta gente passou pelo trabalho de J. A. Cerejo como gato-sobre¬brasas-em-tempo-de-eleições.

Sobre o sumo da questão, remeto, obviamente, para a peça referida. Mas é indispensável, muito sinteticamente, regressar aos principais passos do processo a partir de Maio de 1995. Nesse ano o governo de Cavaco Silva constata a paralisia da actividade na fábrica de ligas de manganês da Eurominas desde 1986 (quando lhe fora cortada a energia por falta de pagamento à EDP). E no cumprimento dos precisos termos estabelecidos por lei, em 1973, para a concessão (a preço simbólico) dos terrenos, no estuário do Sado, onde se instalara a produção, o governo decretou a reversão para o domínio público desses terrenos e a perda a favor do Estado das obras e benfeitorias aí realizadas sem direito a qualquer iíndemnização. Não teve o executivo de então oportunidde de fazer cumprir a pei porque caiu.

A Eurominas respondeu em duas frentes. Uma, nos tribunais, a partir do Verão de 1995, com o duplo objec¬tivo de obter a suspensão da eficácia do decreto de reversão (o que perdeu em todas as instâncias) e em seguida a sua anulação (o que, embora tudo indicasse voltaria a perder, face à forte evidência dos títulos legais que legitimavam a acção do Estado, nunca chegou a ser julgado, devido aos pedidos de suspensão da instância apresentados pelo Governo e pela Eurominas).

Se nos tribunais as coisas estavam complicadas para a Eurominas, que reclamava uma indemnização de 15,6 milhões de contos contra o Estado, já nos corredores do novo Governo do PS e do eng. Guterres as perspectivas eram mais animadoras. A partir de um memorando apresentado a 6 de Outubro de 1995 no gabinete do ministro de Estado António Vitorino e com a ajuda de José Lamego, então secretário de Estado da Cooperação, começa a fazer caminho no seio do Governo, paralelamente às instâncias judiciais, onde o mesmo Governo continua a bater-se pelo cumprimento do decreto de reversão, a ideia de uma solução extrajudicial com uma lógica diametralmente contrária ao legalmente disposto: agora era o Estado a indemnizar a Eurominas pela reversão dos terrenos e respectivos equipamentos para o domínio público!

Quando António Vitorino e José Lamego saíram do governo, o gabinete do ministro de Estado já negociara o essencial com a Eurominas. E enquanto o Estado ainda argumentava nos tribunais pela aplicação da lei, o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (PCM) que herda o dossier, Vitalino Canas, e mais três outros secretários de Estado assinam, a 8 de Abril de 1998, com a Eurominas, um protocolo onde o Estado aceita passar de credor a devedor de uma indemnização a negociar com a empresa... '

As negociações para fixar o seu montante prolongaram-se de 1998 a 1999, com , a novidade de nelas surgir como advogado e negociador, agora da parte da Eurominas, o mesmíssimo José Lamego que, como secretário de Estado, representara este nos anteriores contactos com a empresa! Lamego que se associara a uma firma de advogados, entre outros, com o ex-ministro de Estado, António Vitorino, também ele representante do Estado nesta questão. É de notar que a forte e unânime resistência dos técnicos superiores do Estado à escan¬dalosa proposta de montante indemnizatórío avançada pelo juiz presidente do grupo de trabalho criado para o efeito leva ao im- passe. Vitalino Canas dissolve o grupo e o processo ameaça regressar aos tribunais. quando o dossier transita para o gabinete de Narciso Miranda, então secretário de Estado da Administração Portuária.

O escritório de Lamego e de Vitorino, representante da Eurominas, volta, então, através de carta "confidencial" do irmão de Lamego, sócio da firma de advogados, a "sensibilizar" o gabinete de Narciso. E tão bem o faz que este, pressionando sem rebuço a Administração do Porto de Setúbal e Sesimbra (que defende o cumprimento da lei pela via judicial), impõe a reabertura das negociações, na realidade só concluídas pelo seu substituto José Junqueiro, em Maio de 2001, acordando numa indemnização, paga nos anos seguintes, muito idên¬tica à proposta pelo juiz em 1999: 2.384.861 contos (quase 12 milhões de euros). Cabe : referir que o decreto-lei que estabeleceu os termos da concessão à Eurominas e o decreto de reversão nunca foram revogados ou declarados inconstitucionais.

Por muito caldo de anestesia que por aí ande, não é possível fingir que isto não aconteceu. E há questões que se impõem.

Desde logo, que diferença essencial há entre este processo e o escândalo dos negócios promíscuos que marcaram os go¬vernos e vários ministros do PSD e do PP? Nenhuma diferença. Que ética de serviço público é esta que não só não tira o sono a alguns políticos socialistas, como os faz saltitar, sem mediações, da representação do interesse público para a defesa forense dos interesses privados contraditórios com os do Estado que ontem representavam? Com o propósito, ou pelo menos com o resultado prático, de prejudicar e apoucar o interesse público: o Estado, neste caso, e em larga medida pelos seus bons ofícios, foi transformado de justo credor em devedor de quantias reconhecidamente indevidas, pagas, obviamente, à custa do erário público. Ainda por cima violando a lei, desconhecendo diplomas governamentais anteriores visando aplicá-la e fazendo tábua rasa das decisões judiciais favoráveis ao Estado já tomadas no processo. Ainda por cima, acrescente-se, no caso de José Lamego, contrariando expressamente a Lei 6/92, que proíbe a um ex-membro do governo envolver-se em qualquer processo em que o Estado seja parte sem que tenha passado um ano sobre a cessação das respectivas funções oficiaìs.

Pergunto eu: a Ordem dos Advogados não tem nada a dizer sobre esta estranha forma de fazer advogacia? A Comissão de Etica da Assembleia da República não deve pronunciar-se quando um deputado de forma manifesta e até assumida viola a lei das incompatibilidades? O PS e os seus dirigentes sancionam o comportamento político dos que ontem representavam o Estado e amanhã fazem negócios à custa dele e contra ele? A experiência dos altos cargos públicos deve ser usada em proveito do interesse público ou para melhor o iludir e contrariar? Onde está a ética republicana de serviço público? Perdeu-se a caminho de um próspero escritório de advogados?

Lembro-me que Lamego e Vitorino foram promissoras crisálidas de um certo socialis¬mo informe, campeão da iniciativa privada e do mercado. O tempo faz destas partidas. Ei-los transmutados em fulgurantes borboletas de asas de ouro, num frenesim breve e sem história. Também na política é curta a vida das borboletas.

Fernando Rosas. Historiador e deputado do Bloco de Esquerda.

Parece que estaremos num daqueles casos de fronteira em que se torna lícito olhar para a garrafa e vê-la meio-cheia... ou meio-vazia, conforme o ângulo de observação.
Pela minha parte, não quero olhar para a garrafa, para já... por motivos particulares, mas porei aqui as observações alheias que forem publicadas, se tal se revelar interessante.

Publicado por josé 23:17:00  

3 Comments:

  1. Anónimo said...
    Não vou confirmar ou infirmar questões processuais sobre este caso, como essa de o Dr. Lamego poder ou não exercer o cargo na negociação do Governo com a Eurominas. Dou isso de barato e não é o importante da questão.

    Só sei que foi um caso falado nos meios internacionais e que ia deixando o Estado português com péssima imagem. Foi uma das maiores borradas do governo de Cavaco Silva. E foi evidente na altura que se o governo português de António Guterres não tivesse resolvido o assunto como resolveu, O Estado português iria responder num tribunal europeu e sofrer as consequências da má imagem que já tinha criado.
    O pessoal belga da vizinha SAPEC, na Mitrena, sabia bem do caso e julgo que o Dr. Catroga também.

    O Dr. Rosas, com a sua fúria nacionalizadora, esquece-se que cada erro destes que se faça com empresas estrangeiras se paga muito caro. Nem o Dr. Cunhal fez destas borradas no tempo do PREC, no Alentejo, porque Cunhal, muito mais inteligente do que Rosas, sabia bem que cada tiro de pistola que desse num estrangeiro no Alentejo teria como resposta um tiro de canhão do empresariado internacional e dos governos democráticos ocidentais. A direcção do PCP portou-se correctamente no Alentejo durante o PREC, PERANTE OS ESTRANGEIROS. Muitos militares e comunistas irresponsáveis como o Dr. Rosas é que não.

    Os juristas do Estado que se debruçaram sobre este caso da Eurominas nunca deram razão à decisão do governo de Cavaco Silva, que julgo ter sido mal conselhado, sabe-se lá porquê. Razão porque competentes juristas referidos por Lamego na sua carta eram da mesma opinião, dando razão jurídica à Eurominas.
    Teófilo M. said...
    Vou estar atento ao serviço noticioso sobre o assunto, pois trata-se do Público, jornal que ultimamente anda distraído na sua função elementar de informar, passando a (des)informar de modo ziguezagueante.

    Curioso, novamente, o espaço dado ao desmentido de Lamego (pag 11 se não me engano) e ao destaque dada à reportagem inicial, que não tem nada a ver com o que diz a lei.

    Vamos ver em que é que isto dá.
    asl tomé said...
    O Dr. José Lamego é aquele das festas escabrosas, certo?...

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