'o resumo da ópera'
quinta-feira, setembro 15, 2005
No calor do Verão, e no âmbito de mais uma escaramuça simpática, o João Morgado Fernandes, malhava forte feito num dal de Diogo Mainardi (que eu cometi a heresia de referenciar). Dizia o João...
Diogo Mainardi é um betinho da elite brasileira com jeito para o português. Apenas isso. Escreve mal do Lula numa perspectiva do contra. Uma espécie de Vasco Pulido Valente, mas com alvo. Ele não critica acções concretas, objectivas, de Lula. Ele critica TUDO em Lula. Como a velha cassete do PCP em relação aos capitalistas. Tudo mau. Não percebo qual o interesse deste tipo de posições. Nem o arrojo de quem as toma.Ora bem, para contextualizar nada como citar na integra (via Gândavo) as duas últimas prosas de Mainardi na Veja, a propósito do mensalão.
Edição 1921 de 7 de Setembro
O Resumo da ópera
Estou tentando encaixar os fatos. Pelo que li até agora, parece-me que houve o seguinte:
Daniel Dantas foi achacado pelo PT. O achaque começou em 2002. Em maio daquele ano, João Paulo Cunha pediu uma CPI para investigar a privatização da Telebrás. Diante da ameaça de sofrer uma perseguição num futuro governo Lula por causa de sua ligação com o governo FHC, Dantas encarregou seu operador Marcos Valério de buscar um canal de negociação com o PT. Em meados de 2002, Marcos Valério se aproximou de Delúbio Soares, que exigiu propina para financiar a campanha eleitoral e domesticar o partido. Quando Lula foi eleito, o deputado Júlio Delgado recolheu 189 assinaturas para instalar uma CPI sobre a privatização da Telebrás. João Paulo Cunha afundou-a imediatamente, obedecendo à orientação de José Dirceu. De acordo com a agenda da secretária Fernanda Karina Somaggio, poucos dias depois, em julho de 2003, Marcos Valério e Delúbio Soares se reuniram com Carlos Rodenburg, sócio de Dantas no Opportunity. Delúbio Soares cobrou ainda mais dinheiro de Dantas, porque o Palácio do Planalto queria financiar a compra de parlamentares de outros partidos, com o chamado "mensalão".
Tudo correu direitinho até julho de 2004, quando Dantas foi acusado de contratar a empresa de espionagem Kroll para investigar seus adversários. Um dos alvos de Dantas era Luiz Gushiken, que mantinha uma disputa com José Dirceu pelo controle do PT. Gushiken retaliou por meio de seus subordinados nos fundos de pensão estatais, que fizeram um acordo secreto com o Citibank para afastar Dantas do comando da Brasil Telecom. Pelo acordo, sacramentado em janeiro de 2005, os fundos de pensão comprariam a participação do Citibank na Brasil Telecom por 1 bilhão de reais, o dobro do valor de mercado. A operação foi negociada pela Angra Partners, gestora dos fundos de pensão e formada por ex-funcionários do próprio Citibank. O que se comenta no mercado é que o superfaturamento da Brasil Telecom incluiria uma cota destinada ao PT, que permitiria desviar dinheiro dos fundos de pensão e substituir Dantas como maior financiador do caixa dois do partido.
Em fevereiro de 2005, o Citibank cumpriu sua parte do acordo e destituiu Dantas da gestão do fundo CVC, com o qual ele controlava a Brasil Telecom. Exatamente no mesmo periodo, segundo Roberto Jefferson, começaram a minguar os recursos do "mensalão". A explicação é simples: Dantas, passado para trás pelo governo, interrompeu o pagamento de propina aos parlamentares. O resultado foram a perda de controle do Congresso e a eleição de Severino Cavalcanti. Em defesa de Dantas, Roberto Jefferson procurou Lula e ameaçou denunciar 0 esquema de corrupção do governo. José Dirceu colocou a Abin em seu encalço, para intimidá-lo. Começou também a procurar outras fontes de financiamento para o PT.
A mais promissora previa a reestatização da Brasil Telecom e da Telemar, com o dinheiro dos fundos de pensão, operação bilionária que renderia uma boa comissão ao PT. José Dirceu já tinha sobre a mesa um projeto de lei que permitiria a fusão das duas empresas. Quando explodiu o caso de corrupção nos Correios, Roberto Jefferson, em vez de tentar uma composição, partiu para o ataque e melou o jogo do governo, revelando o esquema de que havia sido beneficiário.
Edição 1922 de 14 de setembro de 2005
Resumo da ópera 2
Eu sou o arqueólogo do "mensalão". O Indiana Jones do PT. O Heinrich Schliemann do Palácio do Planalto. Tenho dedicado todo o meu tempo à extenuante tarefa de escavar a necrópole petista, em busca de sarcófagos que me permitam reconstruir a história daquele povo iletrado e primitivo, felizmente extinto.
Na coluna da semana passada, afirmei que o dinheiro do mensalão foi extorquido de Daniel Dantas, dono do banco Opportunity. Na última terça-feira, por intermédio de sua assessora, Roberto Jefferson confirmou minha teoria.
Até 2002, Marcos Valério era um operador local de Dantas, encarregado do abastecimento do bando mineiro de Pimenta da Veiga, ministro das Comunicações de Fernando Henrique Cardoso. Quando Lula foi eleito, Marcos Valério se aproximou de Delúbio Soares e passou a canalizar toda a propina que Dantas era obrigado a pagar ao governo federal, representado pelo bando de José Dirceu.
Se Marcos Valério era o operador de Dantas, não adianta procurar em suas contas o dinheiro da Novadata, ou da GDK, ou da Leão&Leão, ou de Santo André, ou das empresas de lixo, ou dos bicheiros, ou das empreiteiras, ou da Gtech, ou dos sindicatos, ou dos fundos de pensão, ou das Farc, ou da Líbia. A roubalheira petista é infinitamente maior do que aquilo que apareceu até agora. Recomendo procurar o cofre em outro lugar. Recomendo também, aos arqueólogos diletantes como eu, a releitura de tudo o que a imprensa publicou nos últimos dois anos e meio. Os altos e baixos de Lula correspondem perfeitamente aos altos e baixos de Dantas. A história do governo Lula é um mero reflexo da disputa comercial entre as operadoras de telefone.
Como o policial que achaca o traficante, garantindo-lhe proteção para tocar seus negócios, no começo de 2003 o Palácio do Planalto achacou Dantas, exigindo dele o dinheiro do mensalão. Formaram-se duas facções. Numa delas, ficaram Dantas, Dirceu, Delúbio, Delfim, João Paulo, Ciro, Mentor, Kakay e todos os mensaleiros do PP, do PL, do PTB. Na outra facção, ficaram Gushiken, Telemar, Previ, Fundef, Banco do Brasil, Trevisan e um punhado de parlamentares arregimentados aqui e ali. A repartição do território deixou todo mundo feliz. Por um ano e meio, Lula aprovou o que bem entendeu no Parlamento, ao mesmo tempo em que as operadoras de telefone tentaram formar um cartel para manipular o reajuste de tarifas. A trégua só foi rompida depois do caso Kroll, em meados de 2004. A Anatel, comandada por Gushiken, lançou os fundos de pensão à conquista da Brasil Telecom. Dirceu não deu proteção a Dantas, fugindo do campo de batalha. Quando Dantas parou de pagar o mensalão, o governo acabou.
Lula? Lula imaginou que poderia ficar indefinidamente com um pé de cada lado. Não deu certo. Tendo de optar, optou pelos amigos da Telemar, que garantiram o futuro de dois de seus filhos, comprando a empresa do primeiro e financiando a estada em Paris da segunda.
Essa é a história do governo Lula. Fim.
Isto é lá, e só lá. Cá não há financiamento ilegal de partidos, não há secretas com agendas bem públicas, não há grandes grupos económicos, financeiros, energéticos ou de telecomunicações, nem grandes sociedades de advogados envolvidas em esquemas menos claros, nada disso. Cá, com mais sobreiros ou menos GALPs, é tudo cristalino e transparente, tudo. Lá também era.
Publicado por Manuel 13:36:00
2 Comments:
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- Anónimo said...
4:01 da tarde, setembro 15, 2005Grande post, com um final premonitório.- Anónimo said...
5:12 da tarde, setembro 15, 2005Mainardi, Somaggio, Rodenburg, Gushiken! Cruzes, eu que pensava que o Brasil tinha sido colonizado por portugueses, mas afinal enganei-me!!! Quinhentos anos de história por água abaixo! Reformulai os manuais já!
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