o princípio da relatividade aplicado à justiça
terça-feira, setembro 27, 2005
Almas piedosas interrogam-se sobre a 'colombianização' da nossa sociedade a propósito de algumas atribulações recentes. Citam em particular uma notícia saída no Público de hoje onde dois incendiários, confessos numa primeira face, e mudos em sede de julgamento, sairam em liberdade por não ter sido possível provar inequivoca e formalmente a sua culpabilidade em sede de julgamento.
Como corolário deste 'estado de coisas' dizem que...
Num país onde a maioria dos crimes tem este desenlace, onde o poder político não actua em conformidade com a gravidade dos casos e o judicial muito menos, não nos admiremos que a população se radicalize, organizadas em milícias, ou que sejam carneiros dos movimentos políticos mais radicais, e tudo isto se transforme num apodrecimento do sistema democrático que deveria assentar, acima de tudo, no primado da lei. As últimas semanas confirmam que a "colombianização" está em marcha.Palavras graves, presume-se que medidas, e ponderadas. Há só um 'pequeno' problema. No caso concreto o que quereria Bernando Pires de Lima que o juíz que exarou a sentença fizesse ? Que ignorasse a Lei, 'em conformidade com a gravidade do caso', que declarasse válida a confissão feita inicialmente ? É isso ?
Se em vez de se fazer demagogia barata se olhasse para o panorama actual, a sério, talvez se percebessem duas ou três coisas, mais profundas que chutar para canto e mandar duas ou três balelas ao poder político e judicial. Em tempos, a propósito de um caso 'maldito', o Casa Pia, falou-se muito de excessos, e de garantismos, falou-se muito de segredo de justiça, falou-se muito da 'prova', da feita na investigação, e da refeita em sede de julgamento, desta última, da prova, ainda se vai falar muito mais agora que os 'arrependidos' que denunciaram Fátima Felgueiras já garantiram também ficar amnésicos no julgamento que se avizinha... E no entanto, fora a espuma nenhuma destas questões parece ser central quando se debate a crise na justiça. Quando o forem, muitos problemas rapidamente se resolverão.
Publicado por Manuel 18:22:00
5 Comments:
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Dito de outro modo, como se ouve nos fóruns e se vê nos blogs, "as pessoas têm opinião sobre tudo, mas não sabem nada" - Mental Obesity, Andrew Oitke.
Que Deus Nosso Senhor tenha pidedade de nós!
Qual a lógica deste sistema em que, mesmo quando prestadas perante um juiz, as declarações não podem ser usadas em julgamento apenas porque um advogado com dois dedos de testa disse ao seu cliente para não abrir a boca?
Ou quando o que as testemunhas disseram em inquérito ou instrução em contrário do que dizem em julgamento não pode ser lido/utilizado só porque a tal se opôe o tal advogado com dois dedos de testa?
São estas questões práticas que não vemos debatidas, principalmente pelas associações sindicais.
São estes problemas que - nomeadamente perante um caso concreto como este - devem ser publicitadas, por forma a que a generalidade das pessoas entendam os motivos que levam, por exemplo, a absolvições de arguidos presos preventivamente.
São estes - e muitos outros casos CONCRETOS (em que também se podem incluir as condições de trabalho de certos tribunais, o volume de serviço a cargo dos magistrados, etc.) que podem levar a população em geral a entender que as coisas correm mal, não por culpa dos magistrados (ou pelo menos da sua maioria - pois que há calaceiros, sim senhor) -, mas por via da legislação que permite estas aberrações.
Sem isto, continuará a ser entendido que os magistrados são uma classe privilegiada, que só quer ganhar bem e nada fazer... que decide conforme acorda de manhã mais ou menos mal disposto, que quer manter regalias escandalosas, que não quer 'sofrer' como os demais (se é que alguém, no fundo, sofre alguma coisa...pelo menos os que deviam - os que sempre se safaram continuarão a safar-se... se calhar agora ainda melhor...).
O mais frustrante ainda é ler em blogs como o Blasfémias, animado por pessoas formadas superiormente e com dois dedos de testa, o tipo de comentários sobre estes assuntos.
A propósito de um postal colocado por CAA, escrevi:
Meu caro CAA:
A ÚNICA razão de fundo e de forma para tal situação que é relativamente comum nos tribunais portugueses É A LEI processual que temos. Por isso tenho escrito e V. tem dito que sou obsessivo nisso que a responsabilidade parcial da má justiça é do poder político-legislativo.
E para não ficar com meras palavras convido toda a gente a ler este artigo do Còdigo Processo Penal que assim demonstra a afirmação e mostra a razão da perplexidade:
Artigo 355 CPP:
Proibição de valoração de provas
1 - Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência.
2 - Ressalvam-se do disposto no número anterior as provas contidas em actos processuais cuja leitura em audiência seja permitida, nos termos dos artigos seguintes.
Isto quer dizer que se a única prova existente nos autos for o conteúdo das declarações do arguido ( que pode sempre calar-se, em qualquer momento sem que isso implique seja o que for) acontece o que aconteceu.
Temo que no caso da Joana possa acontecer o mesmo.
Se fosse nso USA, isso seria impensável, como alguns saberão.
Agora, é perguntra aos professores de COimbra como justificam este artigo legal!
PErguntem ao Costa Andrade e ao Figueiredo Dias!"
Pois bem! Apesar disto que escrevi me aprecer meridianamente claro, os comentários que se seguiram, foram...frustrantes!
Um dos comentadores, José Barros, jurista, até concorda com o artigo e a filosofia inerente, quando é sabido que há anos que se tenta modificar, sem sucesso.
O ministro António Costa, numa reunião pública, alertado para este artigo concreto e os seus efeitos perversos, disse que "isto não pode ser!"
Pode! E ele nada fez...
Já expliquei no Blasfémias as razões que me levam a acreditar que o dito artigo consagra doutrina correcta.
Já disse também que o problema não reside no artigo, que existe com conteúdo igual ou semelhante na maior parte dos ordenamentos jurídicos europeus, mas na falta de qualidade da investigação criminal em Portugal. Sabendo-se que esta está a cargo do MP que, para tal, é auxiliado pelos órgãos policiais, a única conclusão para o insucesso do MP é a sua incompetência. Mais uma vez repito: quando a condenação de um arguido depende da sua confissão em sede de inquérito tal significa apenas que o MP não sabe fazer o seu trabalho.
Ps: Já disse várias vezes no Blasfémias que sou um estudante de direito. Não sou jurista, embora tencione sê-lo no futuro.