'moder a mão que te alimenta'
quarta-feira, setembro 21, 2005
Para que se perceba o que está em questão quando falamos de jornalismo em Portugal é bom recordar a performance da imprensa portuguesa na cobertura das primeiras denúncias de Roberto Jefferson envolvendo a PT.Os jornalistas do Diário Económico, Correio da Manhã, Expresso, Diário de Notícias e Portugal Diário limitaram-se, pura e simplesmente, a reproduzir as manchetes da imprensa brasileira e, num esforço supremo, ligar para a PT a perguntar se era verdade. Ficaram felicíssimos, todos eles, com o repúdio da administração da empresa. Apenas a redacção do Diário Económico, num arroubo de dinamismo, ligou também para Alfredo Prado, seu correspondente em Brasília, para poder titular, (parecendo querer despachar o assunto) que a "PT dá por encerrado escândalo". A desfaçatez e a falta de escrúpulos no Portugal Diário foram tais que o jornal chega mesmo a citar a opinião de um jornalista brasileiro sobre o assunto, como se as considerações que Luís Nassif ("...um dos principais analistas económicos brasileiros") tece sobre a ética nos negócios da PT ("...é impossível supor que vá aceitar negócio com saco azul") a isentassem imediatamente de qualquer participação no esquema. Afinal, se temos jornalistas no Brasil que investigam os negócios da PT, para que vamos nós incomodarmo-nos com o assunto?
Nenhum destes jornais voltou a pegar na história, nenhuma investigação foi feita em Lisboa, não se procurou ninguém que tivesse testemunhado encontros. Nada! Como se o facto da maior empresa privada de Portugal ser acusada de corromper partidos não fosse relevante. Como se isso não levantasse suspeitas sobre a actuação da mesma empresa em Portugal, onde tem a sua sede e os seus principais interesses. Como se o financiamento de campanhas políticas em Portugal fosse claro como água.
Agora que as denúncias se repetem fica cada vez mais difícil assobiar para o ar, até porque, na era da internet, é facílimo aceder aos media brasileiros e o silêncio nacional será ensurdecedor.
O Expresso, quando reproduziu notícias implicando o BES no esquema, ficou sem as receitas publicitárias do banco. Como se pode ler aqui, "o investimento publicitário em 2004 e em Portugal foi de €2,995 mil milhões de euros (Obercom, 2005: 347), superior ao do ano anterior (€2,648 mil milhões). A televisão seria o meio de comunicação com um valor mais elevado: €1,893 mil milhões (63%), seguindo-se a imprensa (€675 milhões, 23%)". A imprensa portuguesa prefere, portanto, vender a alma ao diabo a morder a mão que a alimenta.
in Gândavo
Publicado por Manuel 00:54:00
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