Um debate raro em Portugal
terça-feira, agosto 16, 2005
Jornalistas confrontados com as implicações daquilo que escrevem. Se só se pode louvar a atitude de Tânia Laranjo, agora no Público, que depois de um primeiro round de reações a quente e após algumas explicações detalhadas finalmente lá concedeu da infelicidade já aqui relatada, já a performance de António Arnaldo Mesquita é - a todos os títulos - inqualificável. Tânia Laranjo, vai tendo como atenuantes, para os excessos de velocidade, o voluntarismo, a juventude, e o facto de de quando em vez fazer absoluto serviço público, como fez na semana passada ao revelar a tragédia que culminou com a tentativa de suícidio de um ex "colaborador" de Avelino Ferreira Torres, já António Arnaldo Mesquita tem como desculpas - para a arrogância, a falta de educação, para não falar de má fé que revelou e na qual reincidiu [retiro esta última parte se o AAM revelar humildade suficiente para reconhecer que se excedeu... ]- o quê ? Dito isto parece-me por demais óbvio que o J. W. Fernandes terá, antes de se dedicar a pedagogias externas sobre auto-regulações jornalísticas, de olhar melhor para dentro, e para a cultura, do jornal que dirige... Afinal, já não é só a impunidade dos políticos, e dos grandes, que tem os dias contados, os jornalistas também são escrutináveis, ou não são ?
Publicado por Manuel 14:39:00
AS razões para a falta de debate entre o jornalismo e os leitores dos jornais, são óbvias: os leitores, se quiserem protestar pelas notícias, escrevem ao director que se assim bem entender publica, como e quando quiser as cartas, numa página interior do jornal de uma segunda ou terça-feiras.
Agora- hélas!- há uns curiosos, leitores de jornais que decidem pôr em causa, em directo e imediatamente, as incongruências dos destacados representantes do poder dos media. E isso é inteiramente novo!
Os blogs têm algumas virtualidades e uma delas é mesmo essa: criticar online as críticas dos que se julgam ao abrigo delas, porque escrevem em jornais e por isso nunca foram criticados. A democracia passa por aqui, necessariamente e só se torna lamentável que quem a anda sempre a invocar, não queira assumir as suas virtualidades mais interessantes...
Quanto ao facto de certas classes profissionais poderem e deverem ser observadas e o respectivo trabalho também criticado, é para isso que também servem os blogs.Daí que as críticas à magistratura, seja bem vinda se for sustentada e com fundamento. Não falta por onde começar.
O que não parece muito curial é tomar os críticos dos blogs na sua pessoa e atirar-lhes à cara da publicação, os aspectos da sua vida pessoal que pouco ou nada terão a ver com o teor das críticas e da escrita que produzem.
Algumas pessoas não entendem bem isto e a primeira arma de arremesso que pegam é a questão do anonimato, como se um nome no fim de cada postal conferisse maior interesse ou credibilidade àquilo que se escreve.
Um blog não é um jornal: é gratuito; quem escreve recbe nada por isso e a liberdade pode ser total , o que não acontece com os jornalistas.
Há ou deve existir uma ética?! Parece evidente que sim. Mas não queiram confundir essa ética com a escrita do respeitinho e do medo que se nota bem demais nos jornais.
Precisamente porque os jornais não podem escrever certas coisas, é que aparecem os blogs desta natureza: como válvula de escape para que as pessoas que não têm poder político, mediático ou de outra ordem, possam questionar quem o têm e exerce em nome de outros ou escreve para outros de modo profissional e não é objectivo ou isento.
Os blogs são um espinho que incomoda quando acertam no ponto fraco. E o papel dos media, deveria ser o de questionar os poderes constituidos.
Se o não fazem, alguém o terá de fazer por eles. Melhor ou pior, será assim. Habituem-se!
Agora transcrevo um comentário sobre estas matérias que deixei no Incursões:
"Um jornalista de assuntos judiciários e não só, lida com duas ( ou mais)realidades: a do caso concreto da vida que se lhe apresenta e poderá ser contado por quem o viveu directa ou indirectamente e o caso "processado" pelas instâncias judiciárias.
Apesar de a lei protestar um conúbio entre ambas e uma desejável fidelidade à tal Verdade material, o certo é que os mecanismos legais para assegurar tal conúbio conduzem a divórcios cada vez mais frequentes e litigiosos.
Assim, o jornalista vê-se muitas vezes confrontado com a deadline e olha para essas duas realidades que deveriam andar de mãos juntas, mas não as encontra.
Perante a pressa em escrever e publicar, deixa-se muitas vezes levar pela versão de uma das partes ou aproveita o que uma dessas realidades lhe oferece.
Se o divórcio já estiver consumado na prática, o que acontece é uma distorção entre o que é noticiado e a realidade da vida ou a processual.
De quem será a culpa nesses casos?
Do jornalista, em parte e por causa de não ter calma suficiente para confirmar factos, noções e conceitos e perceber o que se passa ou passou.
Também a culpa reside naqueloutras realidades divorciadas.
Às vezes a Verdade material não perpassa nos relatos de quem a viveu e muitas vezes o que está nos processos é apenas uma parte dessa realidade e ainda assim filtrada e mascarada por alçapões e armadilhas legais.
Para entender estes alçapões e armadilhas legais, é preciso saber direito e conhecer instituições e práticas judiciárias. Não há qualquer volta a dar-lhe, neste aspecto.
Porém, o que tenho verificado nestes casos concretos que tenho lido e comentado, é informação fragmentada e muitas vezes ideologicamente enviesada para um sentido político quando não partidário. Este fenómeno torna-se frequente quando as notícias envolvem pessoas de um certo partido político ou uma corrente política.
Ora isto, quanto a mim, é um pecado mortal para um jornalista que deve pautar-se também por uma estrita objectividade. E isso pode acontecer.
Um jornalista que pensa nos assuntos que lhe são apresentados por intervenientes; que verifica os factos e que consulta peças processuais e procura informação técnica sobre isso; que pondera uma notícia, focando a realidade que vê e lhe parece corresponder á realidade objectiva, não deve sindicar-se numa partido político; numa agremiação, seja ela qual for ou fazer do jornalismo um exercício de proselitismo.
Paulo Portas, nesse aspecto, nunca foi jornalista, embora escreva muito bem e os assuntos sobre que escreveu tenham o maior interesse do mundo.
Se o director do Público enveredou pelo caminho do jornalismo de causas e empenhos, sabe-se lá porque motivos, isso só o desmerece na acepção pura e correcta do jornalista.
Se o objectivo do Público, enquanto política redactorial, é "castigar" a PGR ou qualquer outra instituição que lhes pareça merecerem correctivo, isso pode ser tudo, mas jornalismo como eu o entendo, não é!
E mais tarde ou mais cedo, dependendo da maior ou menor correcção das notícias que vão sendo publicadas, isso notar-se-á como uma monumento no meio de um descampado.
Para já, vêem-se claramente as fundações do mamarracho...
16/8/05
josé diz...
Para concluir o que acabei de escrever, tenho que restar aqui uma homenagem a um jornalista que só conheço do que escreve e com quem falei uma ou outra vez: Aurélio Cunha!
Não me interessa pessoalizar e entrar em considerações pessoais acerca de alguém que apenas conheço e prezo da escrita em jornal.
COntudo, tenho que dizer que foiu até agora, um dos poucos jornalistas a quem tirei o chapéu e admirei aquilo que escreveu sobre assuntos judiciários. Parece-me um dos poucos jornalistas que conseguem ver para além do que a aparência das coisas apresenta e consegue distinguir a realidade da vida da realidade processual, principalmente quando estas estáo divorciadas.
Onde pára Aurélio Cunha? No Expresso, julgo. E pára bem, porque o Expresso, por muito que se diga ainda continua a ser o paradeiro do jornalismo de referência em Portugal.
O Público anda cada vez mais pobrinho e contentinho por ser apenas bom. Mas o bom é inimigo do óptimo e o que se tem visto recentemente é um trajecto de caranguejo quando devia ser um percurso de corredor de fundo.
Pena."