Leituras de Férias: «A Idade do Ouro»
segunda-feira, agosto 22, 2005
«Se Hitler vencesse… Mas Caroline nunca se esquecera do sorriso malandro de Adams na altura do terceiro acto na guerra franco-alemã pela supremacia da Europa. — A Alemanha é demasiado pouco importante para ter tais pretensões. Assim que os tivermos liquidado de vez, só ficarão dois poderes no mundo, os Estados Unidos e a Rússia.
— Nada de Inglaterra?
— Pobrezinha da Inglaterra. Não. Nada de Inglaterra. Ainda é mais pequena do que… Sabe, no final não haverá Europa nenhuma que seja importante. A Europa é o nosso passado glorioso. O Pacífico é o futuro próximo. A seguir vêm os continentes setentrionais. A província de Shansi na China. Manchúria. Sibéria. O poder está todo connosco, neste momento. E com a Rússia também. Mais, seria uma pena — acrescentava sempre, e Caroline questionava-se: pena para quem? Possivelmente, por causa daquela valente invenção pomposa do Iluminismo, os Estados Unidos fundaram uma terra bravia, sonhando sempre com Atenas renascida, ainda que recriasse rude e persistentemente Roma».
«A Idade do Ouro», Gore Vidal
O excerto é retirado do último de sete livros escritos pelo norte-americano sobre a história política dos EUA. Publicado em 2000, reporta-se ao período entre 1939 e 1954, isto é, entre o início da II Guerra Mundial e o final da Guerra da Coreia.
Ao lê-lo, percebemos a enorme importância do consulado de Roosevelt, primeiro no aspecto económico, com o New Deal como plano de resposta à Grande Depressão, mais tarde com a introdução da Segurança Social, então alvo de fortes críticas nos sectores mais conservadores (onde se denunciava o início do «socialismo» na América, e se dizia que com um sistema de Segurança Social, os cidadãos iriam deixar de ter liberdade individual e passariam a ser… números); depois com a entrada dos americanos, e posterior triunfo, na II Guerra.
Dois momentos que ajudam a explicar a longevidade de FDR na Casa Branca (foi o único Presidente americano a ser eleito por quatro vezes), ainda que os seus méritos tenham decaído nos escassos meses do quarto mandato, interrompido pela morte já esperada (os últimos anos foram passados numa cadeira de rodas, embora sempre lúcido e capaz de conduzir o país com sucesso).
O autor oferece-nos uma perspectiva interessante, ao misturar factos históricos contados com grande precisão com personagens ficcionadas, quase sempre próximas do Presidente, frequentadoras da Casa Branca e do Capitólio, ainda que inspiradas em pessoas que Gore Vidal foi conhecendo em décadas de convivência com a elite política e literária norte-americana.
Roosevelt, apesar de certas contradições, sai bem na fotografia, ficando, apenas, com a mancha de ter oferecido a Casa Branca a Harry Truman, quando o escolheu para vice-presidente (em detrimento de Henry Wallace, sem dúvida mais preparado para a função nessa altura), num quarto mandato que o próprio Presidente já temia que não conseguisse acabar.
Truman herdou o pós-guerra, negociou Potsdam — sem a perícia de Roosevelt em Ialta — e cedeu à tentação, ainda hoje geradora de sentimentos opostos, de lançar as bombas atómicas sobre o Japão. Vidal, sem piedade, descreve Harry Truman como um «tipo baixo, de óculos de garrafa e ar provinciano».
A verdade é que Truman soube conquistar os americanos. Quando todos esperavam que os republicanos regressassem à Casa Branca, em 1948, 20 anos depois da última vitória eleitoral do GOP (Herbert Hoover, 1928), Truman passou de presidente acidental a líder legitimado da grande superpotência emergida da Guerra já terminada, ao bater nas urnas o favorito Thomas Dewey, com relativa facilidade.
O sucessor de FDR ficou na Casa Branca até 1952 e Vidal acusa-o de ter feito tudo para somar uma nova Guerra Mundial ao seu currículo presidencial: depois das bombas atómicas, o início da confrontação bélica com os soviéticos, acedendo ao desejo de tantas altas esferas militares norte-americanas de «finalmente, combater o verdadeiro inimigo: «não Hitler, mas Estaline; não os alemães, mas os sacanas dos russos».
Dwight Eisenhower, o grande chefe militar da II Grande Guerra, terminou com o consulado de Truman, ao vencer as eleições de 1952 e 1956, recuperando a Casa Branca para os republicanos e pondo fim àquele que foi, de longe, o maior período de jejum do Partido Republicano no século XX: 24 anos sem conseguir eleger um Presidente.
Curiosamente, a solução Eisenhower era defendida por um sector dos democratas no final da década de 40, entre os quais os filhos de Roosevelt, que publicamente manifestaram o seu apoio a uma nomeação presidencial do general Ike, em detrimento de Truman. Mas Eisenhower preferiu os republicanos e iniciou uma parceria improvável com Richard Nixon — era a dupla Ike & Dick, slôgane dominante nos anos 50, entre um general moderado e um republicano da ala dura.
Ficamos à espera de novos romances históricos de Vidal, para que a riquíssima — e tão contraditória — história política dos EUA seja contada por dentro, nos anos de Kennedy, Johnson, Nixon, Ford, Carter, Reagan, Bush pai, Clinton e Bush filho — os Presidentes que faltam.
Publicado por André 03:03:00
J.F.Kennedy
An Unfinished Life
Creio que existe tradução em portugês, mas não tenho a certeza.
Em castelhano existe uma edição de Maio de 2004 da editora Península/Atalaya.
Se não conhece, aconselho vivamente a leitura deste livro, considerado já como uma obra de referência pela crítica internacional.