equivocos & presidenciais.

Já o escrevi, por aqui, em tempos - que tecnicamente não sou um cavaquista, mais, duvido muito que o cavaquismo, tal como é apresentado por detractores e adeptos, alguma vez tenha existido. Dito isto, é penoso, verdadeiramente penoso, assistir recorrentemente a uma espécie de coligação entre uns e outros com vista a reescrever o passado, que nunca é apresentado como foi mas ou mitificado ou diabolizado. Por estes dias é dislate, atrás de dislate, uns donde se esperaria, outros nem tanto.

O Prof. Cavaco, e a sua governação, é assim apresentado ou como a fonte de todas as virtudes, ou como a raíz de todos os males, não havendo, ao que parece, espaço nem para o meio termo, nem para um mínimo de sensatez. Falta a uns e a outros um mínimo de humildade, a uns, reconher que Cavaco foi de facto o melhor primeiro-ministro da Democracia Portuguesa, e a outros, que tendo sido um excelente primeiro ministro, e até por via da sua qualidade humana, cometeu erros, alguns grandes.

Parece contudo, que não é por via do que Cavaco fez ou deixou de fazer enquanto foi primeiro-ministro que agora - em meu entender - deixa de ser a personalidade adequada para exercer o cargo de Presidente da República. O prof. Cavaco é - no momento - o presidente da república ideal essencialmente por aquilo que fez, e não fez, sobretudo desde que deixou de ser primeiro ministro.

Alguns apontarão a alegada frieza do personagem, outros a alegada falta de cultura, outros ainda o não elitismo do natural de Boliqueime como factores que o desqualificam para o cargo mas, no balanço das virtudes e defeitos, e até por via da sua própria evolução pessoal, Cavaco personifica o cocktail ideal que se espera do próximo presidente da República.

Ao contrário do que se pode dizer de outros - vide o Dr. Soares - nunca, mas nunca em tempo algum, se viu o professor Cavaco interferir desde que abandonou a actividade política activamente na mercearia política. Desligou-se completa e cabalmente do PSD, deixando-o entregue ao seu destino. Todas as intervenções do Professor Cavaco o foram dirigidas ao país, e ao sistema político em geral, abstraídas de questiúnculas partidárias, e grosso modo sempre dessa forma foram - a seu tempo - assim interpretadas. Mais, foi o primeiro a chamar a atenção para o monstro - em tempo de vacas gordas - pelo que não deixa de ser soez a acusação de que o pai do dito é afinal ele (factualmente Portugal e Espanha só começaram a divergir com Guterres já Primeiro-Ministro...). Dito isto, só por má-fé ou manifesta ignorância é que se pode insinuar que Cavaco será - por definição - um Presidente belicoso vocacionado para salvar e vingar a honra das direitas (mas quais ?). Cavaco, ao longo do tempo, sempre demonstrou um apurado sentido de estado e de responsabilidade que o levaram aliás a ser acusado por (ex?!) correlegionários seus de traidor já que ainda no Verão passado pôs claramente os interesses do país - face aos delírios santanistas - à frente dos da força política de que foi líder.

- é claro - um fantasma que persegue o Prof. Cavaco - os proclamados cavaquistas. Acontece que ao contrário de outros, e mais uma vez temos a inevitável comparação com o Dr. Soares, nunca o Prof. Cavaco fez questão de ter uma corte, uma quota, ou uma seita, à diposição, nunca, do Além, negociou lugares ou deixou que os regateassem em seu nome, percebendo sempre, e em todo o momento, rigorosamente qual era o seu lugar. É verdade que deixou um estilo, estilo esse pessoal e intransmissível, impassível de ser imitado. O cavaquismo é se o quisermos uma mistura blended de competência e eficâcia, associada a uma gestão política apurada e nunca - como muitos, até auto-proclamados cavaquistas, o querem pintar - uma mera associação de tecnocracia com carisma.

A votos em Janeiro de 2006 vai um Homem, apenas é só um Homem. Um ex primeiro-ministro que não enriqueceu à custa da política, que não se deslumbrou com o poder, e que enquanto o deteve fez o melhor que pode e soube. É verdade que cometeu erros - a sua falta de sensibilidade - à época - para áreas fundamentais como a educação e a saúde - onde teve tantas políticas (divergentes) como ministros ainda hoje saem caro ao país, sendo que - registe-se - ninguém ao tempo questionou verdadeiramente essas mesmas politicas. É verdade que se enganou em algumas escolhas pessoais que fez, quem não engana ? É fácil - dizer-se agora - que com os recursos de que Cavaco dispôs se faria melhor. Talvez se fizesse, mas outros tiveram tantos ou mais recursos e nem aos calcanhares lhe chegaram. Dentro do - humanamente - possível ninguém fez mais, e melhor, que ele.

Por outro lado Cavaco tem uma característica rara num político - o desprendimento, total e absoluto, pelo poder. Nunca o acusaram de pôr o PSD, e os seus interesses, à frente dos interesses do País, e - recorde-se - quando em consciência achou que não tinha mão no PSD saiu. E se o PSD ao fim destes anos todos ainda não se libertou de alguns dos tiques que levaram Cavaco a afastar-se, ninguém em seu pleno juízo pode acusar Cavaco de verdadeiras responsabilidades. Os tabús, os incompreendidos tabús, são, e foram, apenas e só a corporização da rejeição aos timings do sistema e do politicamente correcto.

Desenganem-se pois aqueles que veêm em Cavaco o salvador, ou o derradeiro redentor. Não é por isso, ou para isso, que Anibal Cavaco Silva deve ser Presidente da República.

Devê-lo-á ser porque - em tempo de crise - Portugal e os portugueses precisam de um referencial de estabilidade, de credibilidade, de alguém que saibam, tenham a certeza, que não tem agendas secretas ou camufladas. De alguém que mais do que deixar uma derradeira herança quer apenas e só servir Portugal.

Mas, há ainda uma outra classe de razões para se desejar que o Prof. Cavaco chegue a Presidente da República. É um facto que o actual sistema político funciona mal, tem vícios, e está, mais dia, menos dia, condenado ao fracasso, e também é um facto que per se não se regenerará tão cedo. Ora, a candidatura de Cavaco Silva não será nunca partidária, uma boa parte do aparelho do PSD abomina-o até, mas popular, basista, não será a esquerda vs a direita, mas sim o confronto entre diferentes maneiras de ver Portugal e o mundo, reconciliará pois os eleitores com o eleito, porque sendo desintermediada e livre de vícios aparelhístico-partidários.

Queira Cavaco e, nesta campanha presidencial que se avizinha, pode iniciar uma autêntica revolução - desde logo ao nível do financiamento - aceitando só e apenas , com toda a transparência, doações dos seus apoiantes, desde logo ao nível da participação, fugindo à habitual triagem aparelhistico-partidária, desde logo ao nível dos temas já que pode falar de tudo sem constrangimentos.

O Prof. Cavaco tem hoje - como ninguém - condições objectivas e subjectivas, de fazer o que o país mais precisa - de pensar sobre si próprio - sem auto-censuras politicamente convenientes - e de olhar para o futuro. Dele não se espera que seja tutor ou fiador de coisíssima nenhuma, apenas que seja um garante de progresso e desenvolvimento.

Associada a este upgrade qualitativo - nomeadamente quando comparado com o perfil do ainda titular do cargo - teremos a inevitável, e que só peca por tardia - requalificação do sistema politico-partidário, à esquerda e à direita. À esquerda por cairem de vez os mitos, à direita, porque o Prof. Cavaco será, não duvidem, o primeiro a distanciar-se, e a exigir distância e responsabilidade, até porque qualquer neocavaquismo para o poder ser terá de ser primariamente descavacaínado...

É, para terminar, redondamente falso que o embate entre o Dr. Soares e o Prof. Cavaco seja o embate entre duas figuras do passado. Se pode ser dúbio que o Dr. Soares tenha evoluído nestes últimos 10 anos (e convinha que ele precisasse de novo a sua interpretação dos poderes presidenciais até para o Dr. Sócrates poder dormir mais descansado), não se percebendo o que pode ter a acrescentar, só por manifesta cegueira é que se pode arguir que o Prof. Cavaco não evoluiu, e sobretudo não aprendeu com muitos dos seus erros passados.

Face ao panorama e para alguns, a tentação abstencionista poderá até ser grande mas, na hora da verdade, a pergunta a que é preciso responder é uma e uma só - num momento de aperto, de crise, de incerteza, em quem se confia para tomar uma decisão dura (e que tanto pode passar por exemplo por deixar cair como por segurar Sócrates, a quem já muitos no PS querem de facto e desde já dar a cicuta), difícil mas necessária ? Em Cavaco? Em Soares ? Quem estará mais livre, e imune a pressões ? Tudo o resto, não sendo assessório, quase que passa para segundo plano.

É por tudo isto, e com o à vontade de quem já criticou e há-de, com certeza, voltar a criticar, que eu não posso deixar de votar no Prof. Cavaco.

Publicado por Manuel 16:30:00  

12 Comments:

  1. Anónimo said...
    brilhante...
    Anónimo said...
    Já anteriormente escrevi que o candidato que, na minha opinião, José Socrates pretende vêr eleito para Presidente da Républica é Cavaco Silva.

    E pretende Cavaco Silva para Presidente da Républica porque só ele permitirá, conjuntamente com Sócrates, promover a mudança que a actual classe politica nem quer ouvir falar.

    Cavaco não "aprecia" o aparelho do PSD.

    Sócrates só o "aguenta" porque não tem alternativa, por enquanto.

    Oxalá não esteja a sonhar sonhos côr de rosa !
    Pedro said...
    Numa palavra: Soares não consegue ter uma postura independente, enquanto que Cavaco preza pela independência de pensamento e de acção...
    Anónimo said...
    Estou 100% de acordo e votarei Cavaco Silva.
    Anónimo said...
    Absolutamente notável, e absolutamente improvável.

    Deus quisesse que o Professor o ouvisse ao invés de uns lambe botas que andam por aí, que nunca teriam sido nada na vida não fosse ele, e que o veem como o seu (deles) cavalo de tróia. Infelizmente, nada me garante que as coisas vão ser, ou possam ser, como diz, muito menos que o Professor Anibal perceba da oportunidade soberana de que dipõe para reinventar a democracia e até a forma de participação na actividade política na próxima campanha de que v. falou.

    Será uma campanha igual a tantas outras, um lado, contra o lado do outro, a esquerda contra a direita, e vice versa. Até o Dr. Jardim e o Dr. Santana, vai ver, acabarão por apoiar o Dr. Cavaco. Emfim, uma oportunidade perdida.

    V. partilha da fé cega que acusa outros de terem mas sem quaisquer garantias, e eu estou demasiado velho, para acreditar em milagres.
    António Torres said...
    BRAVO!!!
    Muito bem.
    Anónimo said...
    Que retrato tão bucólico do Prof. Cavaco...
    Anónimo said...
    ...até me vieram as lágrimas aos olhos. Que bonito!

    Só faltam os violinos como música de fundo.

    Para uns, intitula-se "desprendimento pelo poder". Para outros diz-se que fugiram e abandonaram.

    Ok! I got the picture
    Anónimo said...
    É por todas as razões que você expõe que eu voto em...Mário Soares! E deixe-se de tretas, que o povo não é parvo: Cavaco é obviamente um candidato de direita, apoiado unicamente pela direita!
    Anónimo said...
    É por todas as razões que você expõe que eu voto em...Cavaco Silva! E deixe-se de tretas, que o povo não é parvo: Mário Soares é obviamente um candidato de esquerda, apoiado unicamente pela esquerda!
    Anónimo said...
    Mários Soares de esquerda, no verdadeiro sentido da palavra?
    Então, o que era Álvaro Cunhal?
    Este sim um verdadeiro «SENHOR», que, na passagem do testemunho, soube dar exemplo.
    E não se pense que sou de esquerda.
    Bem pelo contrário.
    Limito-me a reconhecer o MÉRITO DE UM GRANDE HOMEM que, infelizmente, desapareceu.
    Anónimo said...
    Caro Manuel

    Perfeito ! Simplesmente Brilhante .

    Para a salvação de Portugal o Prof. Cavaco Silva irá ser eleito Presidente por uma maioria esmagadora dos portugueses .
    Tal se verificará em JAN 2006 .

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