a entrevista, ou a questão do regime
quarta-feira, julho 20, 2005
Já por aqui o escrevi várias vezes que em Portugal se confunde muito, e demasiadas vezes, a táctica com a estratégia. Também se confunde vezes sem conta a realidade com aquilo que gostariamos que ela fosse, mas não é.
Serve esta introdução para dizer que eu não acho que exista qualquer divergência de fundo entre o Eng. Sócrates e o Dr. Campos e Cunha, achando mesmo que o célebre artigo de domingo passado dado à estampa no Público, foi objecto de combinação cirúgica entre os dois.
Convém, por uma vez, perceber o Eng. Sócrates. Não subiu por ter ideias, grandes ideias, subiu, simplesmente, porque não foi visto como uma ameaça por nenhum dos grandes poderes fácticos, do PS à chamada sociedade civil, Sócrates singrou porque conseguiu agradar a muitos sem hostilizar, ou fazer sombra, particularmente ninguém em particular. Não ter ideias às vezes faz jeito, porque descompromete e permite fazer no momento isto e o seu contrário sem riscos maiores de contradição, mas também há o reverso da medalha, a inexistência de um rumo claro e seguro.
Sócrates sabe que é chefe mas que ainda não é líder, o seu poder no PS - caucionado por Jorge Coelho - é-o enquanto tiver dinheiro, poder, lugares e benesses para distribuir, sendo que muito boa gente no PS ainda não digeriu a sua entronização como Primeiro Ministro. Sócrates também sabe, faç0-lhe essa justiça, que algo tem de ser feito, porque as coisas no País estão más de mais. Falta-lhe a bagagem, a segurança, a visão e o rasgo, e - certamente - a coragem, sobra-lhe Campos e Cunha.
Campos e Cunha pode ser politicamente infeliz, mas é a única esperança de Sócrates, deste Governo e desta legislatura. É-o porque se houver (alguns) resultados, estes não serão dele, mas de Sócrates, é-o porque ao ser pintado como o duro, protege Sócrates, o contemporizador/gerador de consensos, sendo que se há alguém neste governo com consciência do que está mal (embora nem sempre com as melhores ideias para apresentar) esse alguém é Campos e Cunha.
Irá pelo PS um grande sururú já que alegadamente as declarações de Campos e Cunha serão inoportunas em termos autárquicos, resta saber - numa noite quente de Outubro - se os resultados do PS se deverão mais a Campos e Cunha ou à gestão luminosa de Jorge Coelho do processo autárquico socialista. José Sócrates que tem capitalizado na guerrilha surda entre Coelho e por exemplo António Costa - que de príncipe ainda passa um destes dias a remodelado sem apelo nem agravo - sabe muito bem que enquanto for Primeiro-Ministro será sempre chefe do PS, se chegará a ser líder não sabemos.
Acresce ao enunciado que a entrevista pateta de Diogo Freitas do Amaral, também ela combinada com Sócrates, serve prefeitamente - como uma luva - os intentos do actual primeiro-ministro. Manifestamente José Sócrates conhece muito bem Freitas do Amaral, e também conhece muito bem o seu partido.
Sejamos francos, Freitas, o vaidoso-mor do regime, só aceitou integrar este governo porque lhe foi garantido que seria o candidato do PS contra o Prof. Cavaco. Ao contrário de Freitas que acredita genuinamente poder derrotar Cavaco, Sócrates não só espera, como deseja, Cavaco em Belém. E deseja-o porque não há ninguém no PS que lhe dê garantias de, desde Belém, não interferir, e não havendo só lhe resta menorizar a função presidencial.
Sócrates, que vai tendo memória, tem bem presentes as palhaçadas encenadas por Manuel Alegre no tempo do Eng. Guterres, como conhece muito bem a afeição que Ferro lhe nutre, e sabendo tudo isso prefere ter alguém do outro lado em Belém, e de quem não se espera à priori solidariedade, do que um companheiro de partido, ou de Governo, pronto a apunhalá-lo à primeira oportunidade (alguém está a ver um Freitas Presidente a preocupar-se primeiro com Sócrates, com o Governo ou com o Páis do que com o seu próprio umbigo ?)
Mas não se pense que este desejo de vitória de Cavaco é estritamente inocente ou conjuntural, não é, e é vem a ser aí que entra extraordinária imbecilidade - não há meio termo - do Prof. Diogo Freitas do Amaral. Sócrates quer, ao mesmo tempo que deixa Cavaco ganhar (não tem alternativa) esvaziar de vez a função presidencial, teatralizando-a, tentando assim criar um presidencialismo de primeiro-ministro.
É a esta luz que devem ser interpretadas as palavras de Freitas do Amaral, na sua entrevista de hoje, ao alegar que Cavaco não sendo da área do PS não será automaticamente imparcial e equidistante. Só que o actual MNE - cego pela vaidade - é demasiado limitado para perceber que isto não é sequer uma crítica a Cavaco - que até é, e sempre foi, um formalista, ao contrário por exemplo do guerrilheiro Soares que não se coibiria de dar umas aulitas ao jovem Sócrates - é, antes, um redesenho das funções constitucionais atribuidas a Governo e Presidente, bem delimitadas pela Constituição.
Freitas, enebriado, até nem se importa de ser PR, decorativo q.b., espécie de figura amorfa e palaciana, mestre de cerimónias, já Sócrates, mais lúcido, espera apenas que tal discurso obrigue Cavaco se não a dar garantias de sossego - que dá, aliás, por definição - pelo menos a polarizar realmente as presidenciais (afinal mais de metade dos eleitores que em fevereiro preferiram Sócrates afirmam ir votar em Cavaco) para finalmente poder ter mão num PS, unido finalmente à sua volta, que não vê, ainda, no PSD uma ameaça real.
Freitas é apenas o idiota útil ao serviço da estratégia de Sócrates. Só é pena que a habilidade que parece sobrar a Sócrates para comer o Partido Socialista falte tanto na gestão dos destinos do País.
Publicado por Manuel 16:30:00
A sua maior atracção é ter o agradável pressuposto que o Sócrates é inteligente...
Seja então louvado o Nosso Senhor!
Mas ainda faltam algumas etapas nesta contradança, e nem todas estão na mão de Sócrates, nem do PS.
Cicuta
X-Files no seu melhor!
:)))
Este Manuel é impagável!!!