A alegoria da Caverna

A prioridade é o défice. Não há vida para além do défice. O Estado debate-se com enormes problemas financeiros. Há derrapagem da despesa pública. O Governo está empenhado em resolver este grave problema. São necessários sacrifícios agora, porque estas coisas da economia apenas fazem efeito a médio prazo.

Em 2002, foi este o discurso que deu origem a uma subida da taxa do IVA de 17 % para 19 %. Na altura disseram-nos que seria temporário, e que mal a economia começasse a acelerar o seu crescimento, a taxa seria reposta ao valor anterior. A medida criticada na altura pelo PS, e pelo próprio governador do Banco de Portugal, resultou numa diminuição do consumo privado e inerente crescimento da economia a taxas negativas no ano de 2003. Não terá sido apenas isto que motivou tal descalabro, mas a necessidade urgente de arrecadar receitas fiscais - nem sempre pelos melhores meios - face à situação calamitosa em que o Partido Socialista tinha deixado as finanças públicas - o défice viria mais tarde a ser corrigido por Bruxelas para 4,1 % -, não deixavam muita margem de manobra ao PSD, então no governo.

Hoje, foi com o mesmíssimo discurso que se justificou a subida da taxa do IVA de 19 % para 21 %. Ontem disseram-nos que será temporário, hoje durará no máximo até 2008, mas com a garantia de que assim que a economia comece a apresentar um crescimento robusto, a taxa será reposta em 19 %.

A verdade é que os sucessivos governos, a começar pelo do Engº Guterres, não perceberam que o problema de Portugal não é de facto um problema do défice das contas públicas. O verdadeiro problema é a incapacidade do país em convergir em termos nominais e reais. Ora a convergência acontece quando se apresentam taxas de crescimento robustas e contínuas face ao conjunto de países de quem nos queremos aproximar.

Com um crescimento da economia, a arrecadação de receitas fiscais apresenta obrigatoriamente uma tendência crescente. A verdade é que os sucessivos governos, ao longo dos tempos, utilizaram o Estado como veículo para potenciar esse crescimento, sem acautelar o futuro. Basta olhar para a taxa de emprego que o Estado directamente garante.

Para os governos é mais fácil agir do lado da receita e os seus efeitos são imediatos. E este recente aumento da taxa do IVA, trará um agravamento da carga fiscal, uma diminuição do consumo privado que está apenas a ser o motor da economia nos últimos anos, um aumento da propensão à fuga fiscal, uma perda real de competitividade dos produtos face a Espanha, menos lucros nas empresas, menos re-investimento , mais desemprego, maiores encargos do Estado em subsídios do desemprego.

No fundo dentro de 12 meses, quando se fizerem as contas, se perceberá que aquilo que pretendia gerar mais receitas fiscais, não gerou porque o IVA funciona proporcionalmente em função das transacções efectuadas, e estas as transacções irão diminuir. Depois o efeito colateral nos lucros das empresas resultante dessa diminuição e o aumento do desemprego, encarregar-se-á de mostrar ao país que a medida agora pomposamente apoiada pelo governador do Banco de Portugal terá um efeito negativo na economia.

Mais grave, é que tudo poderia ser diferente. Por exemplo qual a diferença entre a utilização de receitas extraordinárias que não se transformem em custos futuros e um aumento de impostos a título temporário ?

Nenhuma e Toda. Nenhuma porque ambas geram receitas fiscais. Toda porque as receitas extraordinárias, advêm sobretudo de receitas de privatização, de alienação de imobiliário do Estado e nos últimos anos desvirtuadas com operações de titularização de dívidas fiscais.

Por princípio a arrecadação de receitas extraordinárias, não onera o contribuinte, nem coloca em causa o crescimento económico. Por princípio numa economia como a portuguesa, onde o motor tem sido o consumo privado, onde o Estado pela inerente crise das suas finanças não poderá apresentar um comportamento no investimento público expansivo, o problema não é o défice mas sim o nível e a forma como a economia portuguesa tem crescido. Ao aumentar os impostos indirectos, qualquer retracção da procura terá os efeitos acima referidos.

Por exemplo, porque não optou o governo por uma descida das taxas de IRC, estimulando o investimento privado, e consequentemente a criação de emprego por via da iniciativa privada, reforçando por um lado a harmonização da carga fiscal com a União Europeia, e por outro lado a "intuição moral" em forma de desincentivo à fuga fiscal.

Se o governo fosse ambicioso, então alterava o código de IRC, e as empresas quanto mais lucro apresentassem, maiores seriam as deduções proporcionais obtidas. Depois os lucros re-investidos poderiam ser alvo de benefícios fiscais, sob a forma de crédito de imposto, a usar no ano que a empresa entendesse.

Mas o problema é a despesa pública. E medidas concretas para descer a despesa pública não existem ou são apresentadas a título meramente convencional e sem carácter vinculativo.

Ninguém sabe quanto custa colocar portagens nas agora SCUTS. Sócrates devia saber que entre 2007-2011, as SCUTS vão obrigar a arrecadar acrescidamente 1500 mil milhões de euros em receitas fiscais, para o Estado poder pagar o erro assumido, de construir sem ter dinheiro para tal.

Ninguém sabe bem o buraco na saúde. Sócrates devia saber, que está na hora de lançar o sistema de opting out na saúde. De obrigar as farmacêuticas a explicarem-se porque razão os medicamentos em Portugal são 4 vezes mais caros que em Espanha ou na Itália. Era altura de definir até onde vão as obrigações de um Serviço Nacional de Saúde transversal e gratuito.

Ninguém sabe bem porque razão temos o mesmo nível de despesa pública face ao PIB em educação que muitos países da OCDE sem apresentar resultados idênticos. Esta era a altura, de apresentar tendências demográficas a 20 anos, que permitissem fechar escolas pelo país fora que tem 1 ou 2 alunos. Era altura, de afirmar que só podem dar aulas os professores que estudaram para tal. Era altura de monitorizar as vagas das faculdades com as necessidades do mercado de trabalho. Era altura de introduzir o cheque-ensino ou mesmo o crédito de imposto.

Ninguém sabe bem o que é a Segurança Social. Era altura de avançarmos para um modelo, onde o Estado apenas garantiria o pagamento de uma pensão única a todos os trabalhadores, e os sistemas de capitalização privados, pagariam a verdadeira reforma.

Ninguém percebe porque há diferenças na função pública face aos privados. Hoje foram dados passos que aliviam essas diferenças. Mas ninguém continua a perceber porque razão os detentores de cargos políticos tem reformas por inteiro ao fim de 12 anos. E mais importante não foi apresentada uma única solução que permita reduzir os 65 % de funcionários públicos que existem apenas para que a função pública exista.

Hoje Sócrates, arriscou o crescimento da economia portuguesa, para reduzir o défice em apenas 0,63 %, passando de 6,83 % hoje para 6,20 % no final do ano. Quando podia perfeitamente ter garantido esse valor em receitas extraordinárias, não colocando em causa, o crescimento da economia. O mesmo erro que em 2001, foi cometido.

E era tão fácil ter sido diferente... para melhor.

Publicado por António Duarte 13:25:00  

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