Saber é poder?

Quem quiser saber, ao certo, o que se passou com a libertação de três arguidos do chamado "gang do Vale do Sousa", poderá sabê-lo pelas notícias de hoje?

Dificilmente! A informação que tem sido veiculada pelos jornais e rádios, fragmenta-se e parece não abranger o essencial de todos os aspectos do caso, o que afastaria a perplexidade que se instalou e o ar de escândalo que assumiu.

Este assunto, aliás, parece paradigmático da dificudade de os órgãos de informação obterem, em tempo útil, elementos factuais suficentemente precisos e claros para poderem informar o público. Torna-se cada vez mais notória, a dificuldade em se articular a informação desejável com o conhecimento necessário, porque muitas vezes o que parece não é; e vice-versa.

Aqui ficam as notícas de alguns jornais, sem comentários...

O Correio da Manhã, por Luís C. Ribeiro e Luis Lopes ..

Os arguidos agora libertados são igualmente suspeitos da morte a tiro de metralhadora, em 21 de Janeiro de 2001, de um inspector da Polícia Judiciária – João Melo, que integrava uma equipa da PJ que perseguiu os assaltantes após um assalto, em Amarante.Os homens agora mandados em liberdade tinham sido julgados e condenados, em Outubro de 2003, no Tribunal de Penafiel: José Fernando Ferreira apanhou 16 anos e três meses, José Maria Bessa foi punido com 15 anos e Paulo Jorge Cunha levou oito anos de cadeia. A defesa recorreu das condenações para o Tribunal da Relação, mas os arguidos continuaram atrás das grades à espera da decisão final.A lei penal portuguesa considera que uma condenação só tem efeito após as respostas dos tribunais superiores aos recursos interpostos sobre a condenação em primeira instância – até lá, os arguidos são considerados em prisão preventiva.O prazo de prisão preventiva expirou ontem sem que o Tribunal da Relação tomasse uma decisão final. A lentidão da Justiça não deixou outra saída à juíza de instrução criminal que não fosse mandar os arguidos em liberdade.Os detidos estavam ainda indiciados pelo brutal assassínio do inspector João Melo – e voltaram a beneficar de mais um atraso da Justiça: o Ministério Público, quatro anos e três meses passados após o crime, ainda nem sequer deduziu acusação contra os suspeitos.A juíza de instrução criminal decretou ainda a entrega de um quarto arguido, António Augusto Ferreira, às autoridades espanholas, que o tinham apresentado naquele tribunal, para acabar uma pena de 14 anos que cumpre em Espanha por tráfico de droga.


No Jornal de Notícias, Tânia Laranjo, escreve:

Quatro anos e três meses depois de o inspector João Melo ter sido baleado mortalmente, em Carvalhosa, Marco de Canveses, o Tribunal da Relação do Porto ordenou a libertação de quatro suspeitos que se encontravam em prisão preventiva, por excesso de prazos. Apenas um dos suspeitos do homicídio permanece detido, mas porque tinha sido apanhado em Espanha, onde foi julgado e se encontra a cumprir outra pena.

Ontem, face à notícia de que a libertação seria inevitável, o procurador Almeida Pereira, do Departamento de Investigação e Acção penal (DIAP) do Porto, ainda tentou reagir. Emitiu mandados de detenção contra os indivíduos e mandou apresentá-los ao TIC, para primeiro interrogatório. Resultado: a meio da tarde, os suspeitos da morte de João Melo, condenados a penas entre os 15 e os 20 anos de cadeia por vários assaltos à mão armada, saíram em liberdade daquele tribunal.

A acusação foi deduzida em Janeiro do ano seguinte, e em Agosto o juiz do Tribunal de Instrução Criminal do Porto decidiu mandar para julgamento os casos referentes aos assaltos. No que diz respeito ao homicídio, o juiz ordenou ao procurador Almeida Pereira que refizesse a acusação, por não ter sido sequer referido, no seu despacho, se tinha havido ou não, da parte dos indivíduos, a intenção de matar.

Dois anos e nove meses depois, os processos tiveram desenvolvimentos diferentes. O caso referente aos assaltos foi julgado e os arguidos condenados. No entanto, recorreram para a Relação e agora para o Supremo, não tendo ainda havido trânsito em julgado da decisão. Quanto ao homicídio, e embora os assistentes (os inspectores da PJ) tivessem entrado com pedidos de acelerações processuais, nada foi feito. Até ontem, os arguidos continuavam sem ser notificados de qualquer acusação.

Por essa razão, à juíza do TIC nada mais restou do que libertar os arguidos que ontem chegaram ao tribunal com mandados de detenção emitidos pelo homicídio. "Considero a detenção ilegal. (...)os arguidos já foram submetidos a primeiro interrogatório a 21 de Janeiro de 2001", disse a juíza."

Por seu lado, Carlos Rodrigues Lima, no DN, escreve...

Três indivíduos, condenados no âmbito do processo conhecido como o "gang do Vale do Sousa", foram ontem libertados por terem atingido o prazo máximo de prisão preventiva quatro anos e três meses. O Ministério Público (MP) ainda chegou a emitir mandados de detenção à ordem de um processo relacionado com a morte do inspector-chefe da Polícia Judiciária, João Melo, que ocorreu em 2001 na sequência de um assalto a uma carrinha de valores da Prosegur, mas não conseguiu impedir a libertação dos três indivíduos.Apesar da emissão dos mandados, uma juíza do Tribunal de Instrução Criminal do Porto (TIC) recusou-se a realizar o interrogatório judicial, alegadamente por considerar ilegal a detenção dos cinco indivíduos que, aliás, já teriam sido confrontados com a acusação de homicídio do inspector chefe da PJ, a 26 de Janeiro de 2001. Apesar de condenados em primeira instância, os cinco arguidos mantinham-se em prisão preventiva, uma vez que a sentença ainda não transitou em julgado em virtude de um recurso para o Tribunal da Relação do Porto.

António Arnaldo Mesquita, no Público, escreve...

Três operacionais do gang do Vale do Sousa- um grupo que durante cerca de meio ano esteve envolvido no assalto a carrinhas de valores- que aguardavam trânsito em julgado de uma condenação por associação criminosa para assaltos à mão armada foram ontem libertados por terem atingido o máximo da prisão preventiva." Dá ainda conta que " Anteontem, o magistrado do MP titular do inquérito relativo ao homicídio do inspector João Melo deduziu a acusação e emitiu mandados de detenção o que não colheu junto da juiza de instrução criminal que os considerou ilegais, libertando os suspeitos.

Finalmente, o CSM, entra também na liça e quer saber o que se passou...

Questionado sobre a estranheza deste caso, Antero Luís considerou que «todas as situações que parecem excessivas, e à primeira a situação parece excessiva, impõe-se apurar responsabilidades».«No que respeita aos senhores juízes obviamente impõe-se saber se há alguma responsabilidade por parte de algum juiz no âmbito do respectivo processo», acrescentou.

E apesar de outras opiniões continuamos na mesma...

Adenda ( à noite):

A PGR emitiu esta tarde uma nota para a comunicação social. É sucinta e esclarece mais do que os artigos citados:

A propósito da notícia vinda a lume, da libertação de quatro arguidos supostamente implicados em vários assaltos à mão armada, e no homicídio do Sr. Inspector da Polícia Judiciária João Melo, ocorrido em Marco de Canavezes em Janeiro de 2001, informa-se do seguinte:

Os acontecimentos referidos deram origem a um processo-crime, onde o Ministério Público deduziu a acusação a 22 de Abril de 2002 pelos crimes de homicídio, associação criminosa e roubo com utilização de armas de fogo. Foi requerida instrução e proferida pronúncia pelos crimes de roubo. A partir daqui passou a haver dois processos, o segundo dos quais reportado ao homicídio e à associação criminosa.

Seguiu os seus trâmites o processo pelos crimes de roubo, com julgamento iniciado em Outubro de 2003 e sentença lavrada a 13 de Abril de 2004, tendo os arguidos sido condenados a severas penas de prisão.

Entretanto, os arguidos não iniciaram o cumprimento de tais penas em virtude de terem sido interpostos recursos para o Tribunal da Relação do Porto, formulados vários pedidos de aclaração e entretanto interpostos recursos para o Supremo Tribunal de Justiça. Assim sendo, os arguidos mantiveram-se na situação de prisão preventiva até que, esgotado o prazo máximo para tal previsto na lei, foram libertados à excepção de um dos arguidos que se encontra preso em Espanha.

Paralelamente, seguiu seus trâmites o segundo processo reportado ao homicídio e à associação criminosa, onde foi recentemente deduzida acusação. O titular do processo, consciente da eventualidade da libertação dos arguidos, que estavam presos preventivamente, à ordem do outro processo, optou por passar ele mesmo mandados de detenção, para os arguidos ficarem em prisão preventiva, desta feita à ordem do segundo processo, e na sequência de um interrogatório como arguidos. O Tribunal de Instrução Criminal considerou ilegal tal detenção libertando os arguidos detidos.

A Procuradoria-Geral da República, confrontada com o desfecho de toda esta sequência de ocorrências, ordenou a instauração de um rigoroso inquérito, destinado a apurar as actuações e as circunstâncias que as envolveram, protagonizadas pelos magistrados do Ministério Público que tiveram intervenção no caso, para daí tirar ilações que neste momento seriam obviamente precipitadas.


Como comentário, espera-se que o inquérito possa esclarecer toda a gente, acerca do modo como funciona o DIAP;como se fazem Inquéritos;o papel dos magistrados; as razões pelas quais os processos demoram aparentemente mais que o razoável e outros aspectos que sem violar qualquer segredo ou reserva, possa tornar público todo um estendal de carências que afectam o MP e outras entidades.
Como sugestão aos jornalistas citados, quase apetece dizer: vão lá! entrevistem quem quiser falar! Façam-lhes ver que as declarações públicas a esclarecer as pessoas do que pode ser esclarecido, pode ter um efeito útil e revelador do que funciona mal! E um incentivo: digam-lhes que... "não tenham medo!"
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Publicado por josé 14:43:00  

1 Comment:

  1. zazie said...
    c'um caraças... ":O.


    mas afinal o que é prisão preventiva?

    um gajo é julgado, condenado, vai de cana e fica preventivamente preso à espera de ser solto?

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