Affairs d´état

É imperioso esclarecer o caso das telecomunicações das polícias e da emergência médica, sob pena de se ter abdicado de um mínimo de transparência e legalidade nos negócios públicosO negócio de compra de um sistema integrado das redes de telecomunicações de emergência e segurança para as polícias, bombeiros, emergência médica e protecção civil, por 538 milhões de euros, adjudicado três dias depois das eleições, é pouco transparente e parece muito mau para o Estado. Porquê? Porque a adjudicação acabou por ser decidida em função de um critério - urgência - que foi sucessivamente demolido pelo arrastamento do processo do concurso.

A anos de distância do Euro 2004 dizia-se que tudo devia estar a postos para o Campeonato Europeu de Futebol e acabou por não estar. Antes disso já era urgente, porque as comunicações de emergência, policiais, médicas e protecção civil há anos que estavam obsoletas, com os equipamentos a atingirem o fim do ciclo de vida útil. A urgência actual, ditada pelas mortes recentes de bombeiros e polícias, foi, mesmo assim, um dos argumentos políticos invocados pelo ex-ministro da Administração Interna Daniel Sanches, mas nada justificaria que juridicamente a argumentação se resumisse a um "parecer" transmitido aparentemente apenas de forma oral pelo magistrado do Ministério Público colocado na assessoria do MAI. Tantos outros polícias e bombeiros mortos na última década e meia justificariam, há muito tempo, ter o Estado dotado os seus corpos de servidores em áreas tão sensíveis como a segurança, sinistralidade e emergência médica com o equipamento adequado!
Para um concurso que começou a ser preparado em 1996 a partir de uma experiência-piloto na PSP de Coimbra já não há urgência possível que justifique qualquer passo mais relativizador dos critérios legais. Sejam esses critérios relacionados com o concurso propriamente dito ou com os actos que um governo de gestão pode ou não praticar. Ainda menos se compreende a adjudicação três dias depois das eleições, se pensarmos nas ligações cruzadas, mesmo que se possam colocar acima de qualquer suspeita, entre o ex-ministro Daniel Sanches e uma das principais empresas (Sociedade Lusa de Negócios) do consórcio vencedor, e Dias Loureiro, também ex-ministro da Administração Interna e contratante, para o Banco Português de Negócios, de dois altos quadros do Estado, Daniel Sanches e o antigo director do SEF Lencastre Bernardo, que tiveram, em momentos e circunstâncias diferentes, intervenção no processo.

Por fim, se agora se conclui que as condições do contrato não justificam o recurso a uma parceria público-privado, porque o custo do projecto é praticamente o mesmo para o Estado, caso tivesse optado por desenvolver o projecto sozinho, então porquê tanto tempo perdido?! Seria muito mau, se no fim deste processo se viesse a concluir que tudo isso só aconteceu, porque, também aqui, o Estado esteve este tempo todo subordinado a interesses particulares e não à prossecução de um fim público. Ainda por cima em áreas tão sensíveis como as da segurança interna, protecção civil, bombeiros e socorros médicos. Isso será, caso se comprove, uma irresponsabilidade criminosa!

Os negócios de Estado desta importância não podem ter tal vulnerabilidade, não podem demorar tanto tempo sem razões objectivamente compreensíveis, ainda para mais num processo que nem foi marcado por uma lógica de contencioso. Se não se vier a esclarecer e a compreender este caso, então é porque neste país já se desistiu de defender os mínimos exigíveis de legalidade e transparência nos negócios públicos.

Eduardo Dâmaso, Público

Publicado por Manuel 10:43:00  

3 Comments:

  1. Anónimo said...
    O Publico, não adianta nada sobre o assunto! Continuamos a verificar
    que com tanta tecnologia Socratiana,
    não existe ninguem, para dizer o equipamento, serve e ao preço está dentro dos parametros! e desde 1996
    ninguem foi capaz de resolver o assunto. O Costa se tivesse a certeza que havia buraco, tinha feito mais barulho, como não percebe do assunto, manda mais uns
    pareceres, que serão aquilo, quem os encomendou (como de costume)

    Mas que o equipamento faz falta, isso até eu sou capaz de ver....
    Anónimo said...
    Uma pulhice, o fdp do dâmaso que faz uma manchete sensasionalista, mentira, e que não teve tomates para desmentir, e da qual até uma subalterna se distanciou num comentário, também neste blog misteriosamente apagado como este deverá ser (será que afinal o dâmaso também escreve aqui?, ou os autores deste blog são mais "pragmáticos" do que dizem ser...), vem agora armado em virgem escrever este editorial para salvar a face.
    josé said...
    LB:

    A "gorda" de primeira página foi, de facto, uma asneirola, pois informava mal e dava pistas que podem muito bem não se concretizar.
    Para mim, foi mau jornalismo. Mas o artigo da autoria da jornalista Mariana, estava bem feito e interessante. Deveria, quanto a mim, ser mais burilado e confirmado em aspectos essenciais.
    Assim, ficam por saber algumas coisas básicas e essenciais:
    Que equipamento estava previsto comprar e para que tipo de actividade, exactamente. Faltam como habitualmente noutros assuntos que o jornalista não domina, os aspectos técnicos que só um perito poderia elucidar. E são importantes. Números, características, capacidades, utilidade e custos precisos. Um Libération; um LeMonde ou um El Pais, não costumam flahar nestas coisas e os franceses e espanhóes sabem mais do que nós, porque estão melhor informados.

    Quanto à eventual fdp de alguém, não me parece tanto assim. Se foi o Eduardo Dâmaso quem fez o lead, a gorda, fez mal e devia assumir o erro. Erros são erros e assumidos não envergonham.

    Porém, o assunto continua, foi levantado pelo Público e a verdade é que os jornais de fim de semana, em artigos de opinião, não deixam os créditos por mãos alheias e zurzem nos presumidos sérios e honestos que deveriam parecê-lo também...

    O Público fez, apesar de tudo, serviço público.
    O comentário apagado, também não cheguei a ler, aqui, mas estou certo que foi pelas razões certas e justificadas. Uma vez não são vezes e a responsabilidade do anonimato também deve contemplar a responsabilidade em não prejudicar estupidamente ninguém, no aspecto profissional. Entre valores conflituantes, deve prevalecer o que tem maior importância- é dos livros e do bom senso.

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