os limites da vida, e da decência.
terça-feira, março 22, 2005
A comunicação social americana tem agora um novo hit. Não se trata de um novo reality show, embora seja parecido. Em tempos uma jovem de 26 anos, Terri Schiavo, sofreu um precalço que a deixou inconsciente e mais ou menos cerebralmente morta há uma série de anos, sendo que se mantém viva ligada a um tubo que a alimenta permanentemente. Resumindo, todo o organismo continua a funcionar menos o cérebro.
O marido da senhora conformou-se, tratou de fazer nova vidinha, e defende que o tubo lhe seja retirado forçando o corpo a morrer literalmente à fome (processo que é suposto levar cerca de 15 dias) sendo que com a esposa morta se pode casar formalmente de novo e receber o pilim do seguro de vida que não será pequeno. Por outro lado os pais da jovem, que agora já não é tão jovem, querem-na ligada à máquina em regime de permanência ad eternum à espera que aconteça um milagre pondo de permeio em causa a completa e irreversível morte cerebral. Entre os desejos terminais do marido e o sonho dos pais o caso andou por variados tribunais anos a fio até que um destes dias um juiz determinou que o tubo fosse retirado. Parece que nem uma lei especial de corrida do presidente Bush vai fazer alterar o caso.
Não sendo simples, nada simples, ler o que se tem escrito por lá e por cá sobre o caso, causa alguma perplexidade. Causa perplexidade por ver o direito de posse, porque é isso que de facto se trata, a ser exercido pelo marido sobre a de facto ainda mulher. A sr.a deixou de (lhe) ser útil, será um vegetal (pese o facto de estes não rirem ou chorarem), não lhe garante qualidade de vida logo deixa-se morrer à fome. Causa perplexidade a posição de muito boa gente, presumivelmente, sensata em relação às fronteiras entre a vida e a morte, causa perplexidade o extraordinário pragmatismo discursivo sobre a utilidade humana.
Sobretudo causa temor a absoluta inumanidade subjacente a toda a discussão do caso. Eu não sei se a senhora está viva ou cerebralmente morta, tenho muitas dúvidas sobre se a posição dos pais se resume a amor filial ou se também contém doses estratosféricas de fanatismo religioso, agora o que não tenho rigorosamente dúvida nenhuma é de que é completamente desumano deixar morrer à fome por via legislativa/judicial, literalmente, um ser humano. E curiosamente este é o ângulo que ninguém discute.
Se dar uma qualquer droga para provocar uma morte rápida e serena é eutanásia, deixar a senhora secar, literalmente, durante duas semana, é o quê ? Um acto de humanismo, como apregoa o marido ? Eu não costumo perder muito tempo a pensar nestas coisas, mas há qualquer coisa nestas éticas (?) modernas que vai acabar mal... E daqui podia aproveitar a boleia e falar de Weimar. Fica para outra altura.
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Publicado por Manuel 21:48:00
Quando recordo o caso do Ramon Sampedro e o quanto me incomodou a posição da justiça espanhola que condenava aquele homem a sofrer o que para ele era insuportável,e faço o contraponto com esta situação, fico literalmente arrepiado!
É necessário discutir o que é Vida. Para mim um coração e um cérebro com dezenas de máquina em volta não define um ser vivo.
Quem a não possui ou a exerce com limitações pôe em causa necessáriamente a qualidade de vida possível de ser vivida.
Outra característica vital é a vontade e a capacidade de a exercer.
Estas duas ligadas à consciência de si e do mundo permitem a liberdade de pensar e agir.
Agora pensemos o que acontece se: a)mantendo a consciência e a vontade, perdermos a autonomia; b)perdermos a consciência de si e do mundo e com ela a vontade e a autonimia.
Penso ser esta a principal linha de fractura entre o caso Sampedro e o caso em apreço: Terri, acaso ainda possua faculdades cognitivas, não pode ou não consegue exprimir a sua vontade, a sua vida fisiológica está 100% dependente do seu mundo exterior.
Questão a reflectir: quem e como se lhe pode substituir na manifestação da sua vontade, se ela a pudesse exteriorizar?
Maria da Fonte II
Mais ou menos?
Não há aí uma diferença enorme?
Ninguém que por aqui passe sabe o que é estar quinze anos a dormir, a ter que ser alimentado por uma palhinha, sem sequer saber que está a ser alimentado... Nem sabe o que é viver quinze anos na situação do marido de Terry!
Podemos ver a situação egoísta do marido ("para poder casar" - já nem comento a questão do seguro) ou podemos ver a situação egoísta dos pais ("fanáticos religiosos" ou "recusam-se a perder a filha"). É claro que se calhar não tem interesse nenhum olhar para a situação da senhora. Está (cerebralmente) morta. Até hoje, conseguiu-se recuperar pessoas a quem o coração tinha parado de bater. Nunca se recuperou ninguém cujo cérebro tenha parado de funcionar. Acho que a discussão passa mais pela forma da eutanásia a aplicar do que pela própria eutanásia.
Motivos dos intervenientes à parte, o Manuel tem a solução categórica para o caso? Ou seja, não há necessidade determinar quem deve decidir sobre o caso, porque a decisão certa se impõe? Qual é:
1. Alimentar até aos 60, 70, 80, 90 anos? Aproveitar todos os meios técnicos disponíveis para prolongar a vida?
2. Matar? Por injecção letal?
3. Deixar morrer de sede e fome?