Mau jornalismo.

O Público publica a notícia, com chamada gorda de primeira página:

"Ministério Público investiga negócio de 538 milhões de euros adjudicado três dias depois das eleições."
"Aberto Inquérito judicial sobre adjudicação de sistema de comunicações para as polícias pelo ex-ministro da Administração Interna, Daniel Sanches
. " E na pág. 12 lá vem o desenvolvimento, assinado por Mariana Oliveira e que pouco mais diz de substancial a não ser a revelação de pormenores do negócio que são importantes mas que não estão ainda esclarecidose e que fogem à captura da primeira página.
A "gorda" é assim a notícia de que o MP abriu um Inquérito!
Segundo a PGR, via Portugal Diário, abriu nada!
"Informa-se que não foi, até ao momento, instaurado pelo Ministério Público qualquer processo crime relacionado com a adjudicação de um sistema de comunicações para as polícias, da responsabilidade do ex-ministro da Administração Interna", diz a PGR , em comunicado.

Aqui chegado, o público que vê , ouve e lê, fica naturalmente perplexo. Abriu ou não abriu o tal Inquérito que não é judicial, porque isso não existe, mas sim Inquérito, tout court, ou se se quiser, processo crime?
E se abriu, quem mandou? Como começou? Qual é a suspeita de crime? Quem são os suspeitos?

Nada disto se adianta na notícia que pode muito bem ser uma outra não-notíca, como já aconteceu com casos similares, o último dos quais o do Freeport, para entalar um Sócrates e um PS, em derradeiro esforço de campanha eleitoral.
Como é que se abre um Inquérito em Portugal?
Repete-se o que já aqui foi escrito:
"O processo penal serve essencialmente para punir todos os criminosos, mas só os criminosos.
Para isso, o que se faz, é:
-reconstituir um facto.
-indagar a culpa- artigos 16º nº 2; 280;281 e 182, todos do Código de Processo Penal.
-tomarem-se providências cautelares, por quem tiver o dever de o fazer, nomedamente as polícias- 248º e seguintes do C.P.P.
-fazer-se um eventual pedido de indemnização cível.
Quem faz o Inquérito?
-A direcção pertence exclusivamente ao MºPº, assistido pelos órgãos de polícia criminal- artº 263º do C.P.P.
Ou seja, mais ninguém, em Portugal, pode organizar e dirigir um Inquérito criminal. Mesmo que seja outra entidade a tomar conhecimento do facto criminoso, tem a obrigação de transmitir ao MºPº, no mais curto espaço de tempo, esse conhecimento. É o que se retira do artigo 245º do C.P.P.

Isso tem uma importância fundamental, porque é num Inquérito que se investigam os crimes e vigora em Portugal o princípio da legalidade que segundo o artº 262º nº2, C.P.P. " a notícia de um crime dá sempre lugar à abertura de Inquérito", ressalvando-se algumas excepções que têm a ver com a actuação cautelar das polícias, ainda antes do Inquérito estar formalmente organizado e classificado, mas que obrigam estas entidades a dar conta do que fizeram, em relatório ( 253º C.P.P.).
Não há oportunidade legalmente consagrada para a actuação do MºPº. "

O MP não pode ponderar, sem mais, que uma queixa, participação ou denúncia de um crime deve ir directamente para o lixo, sem qualquer indagação.
A única afloração desta oportunidade de actuação do MºPº, ou seja, o de prosseguir ou não com a acção penal, vê-se precisamente num instituto que tem sido alvo do espanto generalizado, compreensível também pelo generalizado desconhecimento destas matérias: o da suspensão provisória do processo( artº 281 C.P.P.) que permite a "negociação" do MºPº com ofendido e arguido, em relação a delitos corriqueiros.

Como começa um Inquérito?
Vejamos o que diz a lei processual penal:
CAPÍTULO I
Da notícia do crime
Artigo 241.Aquisição da notícia do crime
O Ministério Público adquire notícia do crime por conhecimento próprio, por intermédio dos órgãos de polícia criminal ou mediante denúncia, nos termos dos artigos seguintes.

Agora, atente-se neste artigo do C.P.P.:
Artigo 247.Registo e certificado da denúncia -
1.O Ministério Público procede ou manda proceder ao registo de todas as denúncias que lhe forem transmitidas.

Assim, o MºPº adquire notícia do crime por conhecimento próprio, podendo lavrar auto de ocorrência quanto a:-rumores públicos.-delacção.-constatação de flagrante pelo próprio MºPº, caso em que deverá mesmo escrever auto de notícia.

É por isto que uma notícia de jornal ou um comunicado anónimo ou uma carta anónima pode efectivamente ser registada como auto de ocorrência e iniciar um Inquérito crime, dentro da mais perfeita legalidade. E tem sido assim desde 1.1.1988. Isto não é novidade recente. A maior parte dos crimes de "colarinho branco" , ou seja e dito de forma mais prosaica, de corrupção , têm sido investigados em Inquéritos desta forma e com este início: a denúncia anónima! "

O que é que pode então ter acontecido com a notícia do Público?!

Uma única coisa, a meu ver: a instauração de um procedimento administrativo para ponderação da eventualidade de instauração de Inquérito. Pode isso fazer-se?
Parece que sim, se atendermos ao facto de uma entidade da PGR, o DCIAP, ter a incumbência de fazer o seguinte:
Compete ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal realizar as acções de prevenção relativamente aos seguintes crimes:
Branqueamento de capitais;
Corrupção, peculato e participação económica em negócio;
Administração danosa em unidade económica do sector público;
Fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito;
Infracções económico-financeiras cometidas de forma organizada, com recurso à tecnologia informática;
Infracções económico-financeiras de dimensão internacional ou transnacional.

Terá sido isso que aconteceu e o Público baralhou tudo, por ignorância e pressa na cacha?!

Não sabemos...talvez amanhã haja novas do Público que quer, aparentemente , nestas matérias concorrer com o imbatível Independente!

Publicado por josé 17:03:00  

3 Comments:

  1. António Duarte said...
    Venerável José...

    Não foi pressa na cacha...mas sim PRISA na calha.
    Anónimo said...
    Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
    Manuel said...
    O comentário acima foi removido no sentido de proteger a (alegada) autora...

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