A Questão Judiciária
quinta-feira, fevereiro 10, 2005
Mais uma observação de um Olho Crítico...
Há umas semanas atrás, um jornalista que aprecio, pela sua probidade e competência, colocava o dedo na ferida, com assombro e às claras: há má justiça porque tem havido mau governo (1).
Ora isto é uma verdade que ninguém pode negar, nem quem nos tem desgovernado ao longo das três décadas que correram após Abril. Embora se acrescente que, igualmente, responsabilidades cabem aos órgãos da administração da Justiça.
O que se tem feito, em matéria de, por exemplo, organização judiciária, é um desastre, não havendo reforma de governo anterior que resista aos interesses ocultos do governo seguinte. Um desastre e uma vergonha. Basta ler o que se passa nos manuais transaccionados na Coimbra Editora ou na Almedina, passe a publicidade. E a questão é que dá a ideia de que os fazedores de leis não se dão conta ( não darão?) dos males que provocam ao desenvolvimento normal dos tribunais com temas e processos a dançar, num bailado indecoroso, de tribunal para tribunal, em razão dos conflitos de competência que provocam com alterações impensadas, desabridas, acéfalas e estúpidas.
Nas questões mais substantivas, ou mesmo processuais, os legisladores são uns atados, de uma abulia quase bovina. É ver o que fizeram sobre a tão badalada questão das escutas telefónicas, do tão massacrado segredo de justiça, da malfadada prisão preventiva, mesmo numa tese minimalista de uma qualquer reforma. Nada. Nem aqui, nem em lado nenhum. Está tudo no sítio em que estava em 1 de Janeiro de 1987. Quase vinte anos!
Apregoam a necessidade urgente da celeridade e eficácia processual, sobretudo no direito penal, mas nada fazem que possa conjugar eficácia com direitos, liberdades e garantias. Ou fazem? Se fazem, onde está? Novos legisladores com velhas ideias!
Falam da remodelação dos Conselhos Superiores das magistraturas, mas o que fazem, ou fizeram para o efeito, tornando-os órgãos não só de gestão e repressão dos magistrados, mas ainda, o que é muito mais importante, órgãos, dizia, de grande sensibilidade às necessidades legislativas, às necessidades dos tribunais, numa palavra, às necessidades da Justiça, competência que detêm, mas que nunca exerceram! Que se saiba. Os conselhos superiores, quer queiram quer não, são olhados pelos magistrados como centros de poder de que depende a sua vida, centros de poder que o exercem em função do empenho , das amizades e das cunhas. Para o POVO não existem, são uns senhores importantes que devem ser tratados por "VENERANDOS" e que poisam em palácios da capital do império.. Ou seja: para nada servem.
Apregoam, despudoradamente, a necessidade urgente da formação permanente dos agentes da justiça. Mas o que fazem? Uns colóquios em Lisboa onde ninguém vai e onde uns tantos sábios (quase sempre os mesmos) debitam paleio de chacha que não interessa a ninguém, a não ser aos umbigos dos próprios.
Falam da necessidade de uma boa articulação da Justiça com a Comunicação Social. Mas o que fazem? Punem os magistrados que informam, por "violação do dever de reserva". Para os legisladores e sua longa manus que são os Conselhos Superiores, os magistrados são eunucos, sem opinião, sem direitos de cidadania, uns palermóides de quem se exige que colmatem e escondam tudo quanto é despautério das leis, dos sacrários onde trabalham e da desvergonha do labirinto kafkiano que dizem chamar-se tribunal, ou procuradoria da República.
República que ignora, por que é conveniente que ignore, o que se passa adentro das paredes muradas ao povo de um tribunal. Não há quem ignore, se por má sorte precisa de Justiça, o que seja um tribunal, uma coisa esconsa e escura, onde uns tantos cidadãos, com poder escondido atrás de vestes medievais de preta cor, decidem da sua liberdade ou fazenda, de modo incompreensível, com a autoridade que, dizem, vem do povo, mas que, por estranha ironia, não entende nada do que, no tal seu nome, se faz e se decide. Os órgãos judiciários, em todas as instâncias, padecem de uma evidente endofasia, falam só para dentro.
Assistimos impotentes e incrédulos, em épocas de "quando o rei faz anos", na abertura do ano judicial, nas festas do CEJ, na comemoração disto e daquilo, a proclamações de fé e de crenças hipócritas na justiça, provindas de políticos relevantes, de altos dignatários do aparelho judicial. Impotentes porque nada se pode fazer para nos afastarmos do marasmo, das malhas apertadas de um sistema jurídico tão prolixo e descaracterizado que nem sabemos, nós o que de dentro o pensamos conhecer, nem sabemos, dizia-se, o que andamos a fazer, para onde vamos e o que querem de nós. Incrédulos porque há décadas nos prometem reformas sempre adiadas, sempre incompletas, sempre frustradas pelo défice, pela falta de verbas, pela falta de meios, pela falta de funcionários, pela falta de magistrados, pela falta de um legislador que pense como filósofo, mas fale como camponês, como dizia o outro que não sei quem é.
E, nisto tudo, os montes de papéis acumulam-se, como se só de papéis se tratasse, o cidadão espera anos pela solução de um litígio tão grave como a condução em estado de embriaguez, ou a definição, em última instância, de um crime grave de alta criminalidade. É uma coisa confrangedora que alimenta o desânimo, a descrença, o desinteresse, pois todos sabemos que, por mais horas que se dediquem ao trabalho, tudo estará na mesma no dia seguinte, na semana seguinte, no mês seguinte, no ano seguinte, e por aí fora... Tudo estará como estava há trinta anos e estará daqui a trinta anos. Não há crença ou fé que resista a tanto descontrolo, não há competência, ou zelo, ou afinco ou probidade que se imponha a situações tão endogenamente patológicas. Só há que esperar a reforma, depressinha, deixando a pesada herança para quem se segue e o ciclo infernal continuará. Com os "mesmos" legisladores e os "mesmos" altos dignatários da justiça.
OLHO CRÍTICO
(1) Eduardo Dâmaso, Público, 10/01/05
Publicado por josé 10:37:00
5 Comments:
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Nele está compendiada a essência do que vai mal no reino da justiça que se faz e que só por coincidência é a Justiça que se devia fazer.
Os problemas elencados, provavelmente não são os mesmos que quem governa e legisla, está habituado a detectar ( et pour cause).Basta ouvir os discursos dos ministros da justiça que vamos tendo e basta ouvir ou ler as opiniões dos vários "entendidos", que frequentam Observatórios, por exemplo.
Não serão também os que o Povo detecta, pois este só vê o que está à vista desarmada: os atrasos endémicos; as decisões contraditórias;o pára e arranca e a marcha atrás, como se um processo fosse uma espécie de carroça abandonada numa beira da estrada à mercê de quem lhe pega, largando-o de seguida para outros lhe darem andamento.
O que se passou no processo da Caixa Faialense, por estes dias falado a propósito da condenação do Estado após 18 anos de vicissitudes processuais, devia ser estudado e analisado com olhos de ver, pois estará lá tudo o que funciona mal na Justiça. Tudo o que o OLHO CRÍTICO com muita lucidez aqui transpôs.
Vejam esse processo com olhos de ver! Com OLHO CRíTICO! E perceberão...