Pum! Estás morto!
terça-feira, fevereiro 22, 2005
Uma notícia de jornal, em modo de obituário, poucas vezes me desperta o modo de escrita. Desta vez, é a vez!
O Público dá-lhe uma página, com foto, epigrafada a um subtítulo de "drogas, álcool e depressão", na origem da morte de um dos patronos do jornalismo "gonzo", Hunter S. Thompson, e põe-no na redoma improvável de "escritor da contracultura"!
Ah! A "Droga. Loucura, Morte", epigrama da propaganda sessentista, contemporânea de Maio, mas reaccionária ao efeito, por efeito do SNI.
O caçador Thompson especializou-se no ditirambo sobre assuntos correntes da América, vividos no calor da reportagem, a correr nas margens do american way of life e no mainstream dos seus fenómenos de massas.
Escreveu sobre os Hell´s Angels no tempo em que estes ainda assustavam o pobre redneck; sobre o futebol americano do tempo das Super Bowl em ascenso e sobre...eleições de presidentes! Tudo escrito em tom de campanha em movimento, com progressões estilísticas a cortar nos sentidos e a inventar o "novo jornalismo" , no acto. Os repórteres intrépidos desta nova forma de narrar acontecimentos, descrevendo hipérboles e caçando onomatopeias, são o equivalente, na escrita, dos relatos de futebol tipo "ripa na rapaqueca" de quem vocês sabem e eu não.
Há uns anos, Tom Wolfe antologizou uns textos sobre esse "novo jornalismo", e inseriu no compêndio um excerto da peça do Caçador Thompson sobre os Hell´s Angels. Pô-lo ao lado de Talese, Truman Capote, Joe Eszterhas , Norman Mailer, Robert Christgau, George Plimpton e do próprio Wolfe que escrevia crónicas sobre "Electric Kool-Aid acid test e Radical Chic and Mau Mauing the Falk Catchers. Tudo isto vinha na Rolling Stone, Esquire e outras New Yorker´s.
Tirando a imagem de desmesura da vida do Caçador, caricaturado no filme Quase Famosos de Cameron Crowe ( outro do viveiro da R.S.), como um tipo por detrás de um cigarro acesso, pendurado numa longa e fina boquilha, o que fica?
A escrita! A originalidade na escolha do tema e do estilo na escrita: fluente da observação do fenómeno e na alteração inflingida, à medida do próprio repórter observante. A ausência de rodrigos e barroquices e efabulações espúrias, configura o princípio básico do neo-jornalismo à Caçador. A ficção baseia-se na realidade vivida e reportada- pelo que é preciso, antes do mais, conhecê-la. É a mesma escola de Wolfe que tem escrito novelas sobre especuladores de bolsa; industriais do tabaco e estudantes universitários, documentando-se exaustivamente sobre os assuntos em crise.
Como seria interessante ler alguém em Portugal com estilo semelhante, a abusar de onomatopeias e até em equilíbrio instável de racionalidade!
Nesta campanha eleitoral finda que regalo seria ler reportagem ao estilo Caçador: directa, precisa, personalizada, demolidora de mitos e lêndias!
Sobre Nixon, o finado Caçador , escrevia no fim: "Era um mentiroso; um desistente e um sacana. Um vigarista barato e um implacável criminoso de guerra" . Tirem-lhe o último ápodo e revejam a tirada em estéreo actual, para ver em quem assente que nem luva de pelica em pele esticada de governante a fugir.
O Caçador, coleccionava armas e deu um tiro na mona com uma delas, tal como Camilo e outros desesperados da vida. Fartou-se , mesmo da marginal e tirou-se dela com um tiro certeiro, agora, aos 67 anos . Não devia! Os originais como ele, na fronteira da maluqueira, não deixam cópias e calibram-nos a pouca razão que nos sustém.
O Caçador Thompson era um cronista de episódios da loucura normal americana; publicados em primeira mão na Rolling Stone dos bons tempos. Entrava nas crónicas como ele próprio e dava a ler o lado dos outros, numas pinceladas naturalistas, impressionadas de realismo, nos diálogos, na caracterização dos tipos e na descrição dos factos.
Por um momento, active-se a imaginação e rebobinem-se as imagens da "conferência de imprensa " de Portas em noite de derrota eleitoral! Como é que o Caçador a narraria , descrevendo o ambiente?
"Fear and Loathin´ in the Hotsteam ( Caldas)" seria um título de chamariz!
Por cá, os repórteres intrépidos e cronistas de esquina de jornal, ainda hesitam em escrever se as lágrimas de Portas eram genuínas ou adaptadas à circunstância. Para o Caçador nunca se lhe poria essa dúvida. Descrevê-las-ia em onomatopeia, tratando-as a silêncio rolante em sssssshhhhhh e ppffffffuuiiit.
Publicado por josé 15:39:00
1 Comment:
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- zazie said...
1:51 da tarde, fevereiro 23, 2005bom texto José!